Apesar de parentes em Gaza, premiê da Escócia se recusa a denunciar apartheid de Israel

Primeiro-ministro da Escócia Humza Yousaf em Dundee, 17 de abril de 2023 [Jeff Mitchell/Getty Images]

A Escócia é um dos menores países do mundo, mas é inevitável saber que, em março passado, Humza Yousaf se tornou o primeiro cidadão muçulmano a chegar à liderança de um governo na Europa Ocidental.

É preciso também viver em algum lugar deveras remoto para não saber que seu partido político, o Partido Nacional Escocês (SNP), decaiu em crise horas depois de sua indicação, à medida que a polícia nacional conduziu uma operação na residência de sua antecessora, a ex-premiê Nicola Sturgeon, além da sede do partido em Edimburgo.

A renúncia inesperada de Sturgeon como chefe do governo escocês foi reportada em todo o mundo, mas relatos apreensivos sobre sua saída deram espaço à euforia de parte da vibrante comunidade islâmica no país, que apoia o movimento histórico pela independência.

Contudo, um dos mais poderosos grupos da comunidade islâmica no Reino Unido adverte que a nomeação talvez não seja motivo de festa. O Comitê Islâmico de Assuntos Públicos (MPACUK) acusou Yousaf de “desejar que a Escócia se livre dos grilhões ingleses, embora negue o mesmo direito à Palestina ocupada”.

Em um artigo aterrador publicado em seu website, alertou a organização: “Como novo líder do Partido Nacional Escocês, [Yousaf] tem o dever de incorporar sua declaração de princípios, ao construir ‘uma sociedade justa na qual ninguém fica para trás’. Porém, caso Yousaf se recuse a denunciar devidamente uma sociedade injusta ao vê-la, sobram dúvidas sobre sua integridade e inteligência; o que quer que constatamos como deficiente, será prova de uma liderança fraca a um novo primeiro-ministro”.

A sociedade injusta mencionada pelo grupo é Israel, descrito como “Estado de apartheid” pelo ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter e eminentes grupos de direitos humanos, como a Anistia Internacional, o Human Rights Watch e a ong israelense B’Tselem .

Pesquisadores do grupo britânico expuseram materiais de imprensa, datados de maio de 2014, nos quais Yousaf afirma publicamente que “Israel não é um Estado de apartheid”. Dois meses depois, o regime colonial sionista massacou mais de 2.100 palestinos em uma de suas muitas guerras travadas contra a Faixa de Gaza sitiada. Graças à cumplicidade silenciosa de políticos como Humza Yousaf, a história mal tomou as manchetes da mídia ocidental.

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Compartilho aqui um interesse particular, neste momento, pois fui membro do Partido Nacional Escocês lá atrás e estive nas mesmas fileiras de Yousaf e Sturgeon na luta por independência. Em 2021, no entanto, deixei o partido, desiludida, para me filiar ao Partido Alba, estabelecido por outro ex-premiê, Alex Salmond, cuja defesa dos palestinos é documentada ostensivamente pela Campanha de Solidariedade Escócia-Palestina (SPSC).

Yousaf, em seu apoio tácito a Israel, prometeu: “Posso jurar a vocês que o governo escocês não assumirá a política de boicotar Israel”. Então, prosseguiu ao asseverar que a posição do Partido Nacional Escocês sobre o Oriente Médio “não difere muito do governo britânico”. Não pude lhe escrever na ocasião para adverti-lo que os ativistas palestinos na Escócia não esqueceriam nem perdoariam o que viram como traição flagrante da causa nacional palestina.

Desde então, imagino se Yousaf foi capaz de rever sua posição – caso o fez, então que nos diga. A suposta mudança poderia ser influenciada por sua segunda esposa, Nadia el-Nakla, colega de partido e vereadora – por acaso, palestina. El-Nakla certamente tem orgulho de suas raízes; sua família ainda reside em Gaza.

Yousaf encontrou voz quando o estado sionista lançou um brutal bombardeio contra o povo palestino durante o mês islâmico do Ramadã de 2021. Em artigos de jornais, Yousaf se mostrou crítico veemente da violência israelense, que ameaçou a vida dos familiares de sua esposa em Gaza, ao manifestar “orações e esperanças de que todos estejam vivos a cada manhã” e reivindicar, em particular, que “a comunidade internacional intervenha de imediato e lide efetivamente com as raízes do problema”

A declaração recebeu uma resposta incisiva do MPACUK: “Intervenha como, senhor? Qual raiz do problema? O senhor já indicou previamente que não planeja responsabilizar Israel. Se nega a defender a Palestina – poderá defender a Escócia?”

Mick Napier, cofundador da SPSC comentou: “Como primeiro passo, instamos o novo premiê a reafirmar o apelo de 2014 do governo escocês, reiterado no ano seguinte, por um embargo de armas ao Estado de Israel”.

 

“É preciso reconhecer também a situação estabelecida pelos grupos de direitos humanos mais eminentes, implicando que sua negativa de que Israel é um Estado de apartheid apenas alienará seu governo das correntes progressistas atuantes na Escócia. Yousaf verá que jamais conseguirá aplacar o lobby sionista exceto caso enalteça os crimes de Israel e condene a resistência posta a seus atos bárbaros contra os palestinos”, acrescentou Napier. “Yousaf enxerga com facilidade a profunda depravação dos crimes de Israel, mas parece ocupado demais para sequer ligar por chamada de vídeo a sua família em Gaza, para ver em primeira mão os drones que sobrevoam suas casas, os aviões que patrulham o litoral e as metralhadoras automáticas nos muros de toda a área, que mantêm a população civil sob constante vigilância”.

As observações sagazes de Napier e do MPACUK se acumulam sobre pressão e mais pressão ao novo primeiro-ministro, agora acusado de conferir apoio latente a um Estado opressor – pior ainda, em detrimento de sua própria família.

Yousaf venceu a disputa pela liderança do governo em uma batalha acirrada com mulheres fortes como Kate Forbes e Ash Regan, sob a promessa de “continuidade”. No entanto, críticos alertam: enquanto Humza Yousaf for visto como aliado de Israel, jamais defenderá de fato nossa independência.

ASSISTA: Humza Yousaf é eleito líder do Partido Nacional Escocês

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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