À medida que a economia turca cresce em ritmo acelerado, sua demanda por energia também aumenta, levando a apreensões sobre a dependência do país à importação de insumos – vista até mesmo como ameaça à segurança nacional. Em 2022, as importações de energia da Turquia subiram em torno de 91% comparadas ao ano anterior, chegando ao índice de US$97 bilhões. Segundo pesquisa do setor, os custos de importação energética do país em dezembro do ano passado cresceram 14% sobre 2021, chegando a US$8,18 bilhões.
As eleições gerais desta semana – ao parlamento e à Presidência da República – representam a principal data no calendário político da Turquia em 2023. Quase todos os setores se envolveram na briga por votos e na busca por popularidade do partido governante. Contudo, há sempre um risco associado à imposição de políticas populistas pelo regime.
Vendo pelo lado bom, uma vasta reserva de gás natural foi descoberta na bacia do Mar Negro no ano passado, estimada em 700 bilhões de metros cúbicos. A Turquia pretende desenvolver a reserva a partir deste ano, para mitigar sua dependência estrangeira. O projeto orçamentário de 2023, proposto pelo atual presidente Recep Tayyip Erdogan, inclui um aumento substancial nos subsídios de energia, o que pode abaixar os preços e ampliar suas chances de reeleição. O foco de Erdogan no setor de energia é parte importante de sua plataforma e denota consequências profundas na economia e na segurança do país.
Erdogan pediu ao Banco Central que reduzisse agressivamente as taxas de juros, o que foi feito. Em contrapartida, a inflação bateu recordes de 24 anos, ao exceder a taxa de 85% em outubro, antes de chegar a 50% em março. Este processo levou a uma crise no custo de vida que afetou os lares turcos, abateu o poder de compra e esmigalhou salários e poupanças.
O governo busca melhorar os investimentos por meio de uma estrutura baseada em um sistema de livre mercado integrado ao mundo. Para conquistar eleitores antes do pleito tão disputado, Erdogan anunciou planos para baixar as contas de luz a famílias e empresas, com intuito de abrandar a crise no custo de vida que tanto assombra a população.
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A Turquia recebeu ainda sua primeira remessa de gás natural do Mar Negro, parte dos esforços da presidência para melhorar sua imagem e angariar votos. O projeto foi desenvolvido em colaboração com um consórcio que envolve corporações britânicas e americanas. A remessa antecede em pouco as eleições gerais de 14 de maio, nas quais Erdogan disputa o cargo com seu vigoroso rival, Kemal Kilicdaroglu. O presidente anunciou ainda redução nas contas de gás a famílias e negócios, como parte de sua artilharia.
A descoberta no Mar Negro se tornou tema central da campanha de Erdogan, como defesa do compromisso de seu governo com a independência energégica e com uma maior prosperidade no país. Junto às benesses econômicas, a descoberta promete criar novos empregos, diminuir o déficit comercial e atrair valiosos investimentos. A meta é gerar 10% das demandas de energia da Turquia mediante recursos próprios. A Corporação de Petróleo da Turquia (TPAO) – estatal de energia – deverá extrair o gás natural junto de uma empresa norueguesa, a Equinor, além da gigante americana ExxonMobil.
Após as eleições, a nova administração terá de desenvolver uma estratégia inédita para explorar recursos no Mar Mediterrâneo, dado que o atual governo de Erdogan se concentrou sobretudo no Mar Negro. A recente aproximação entre Turquia e Grécia sobre as disputas no Mar Egeu, no Mediterrâneo Oriental, pode efetivamente facilitar um debate multilateral. Além disso, rumores indicavam que o presidente russo Vladimir Putin poderia visitar a Turquia no fim de abril, para participar da inauguração do primeiro reator nuclear do país – projeto colaborativo com o conglomerado moscovita Rosatom. O Kremlin, no entanto, negou a visita.
Energia atômica é outro enfoque da agenda de Erdogan. Apesar da oposição de ongs e ativistas, o presidente se manteve comprometido aos planos, ao insistir que se trata de uma necessidade para suprir as demandas do país e reduzir a dependência sobre combustíveis fósseis. Ao revelar sua estratégia de hidrogênio, Erdogan construiu assim uma nova pauta eleitoral.
Erdogan, portanto, concentrou boa parte de sua campanha em torno das descobertas no Mar Negro, veículos elétricos, reator nuclear e estratégia de hidrogênio. A promoção de veículos que não utilizam combustíveis convencionais foi inserida à pauta abrangente de energia na Turquia, como meio para mitigar o uso de itens fósseis e melhorar a qualidade do ar nas zonas urbanas. A meta do governo para 2030 é ter 30% de todos os carros zero-quilômetro no país movidos a energia elétrica, um aumento bastante considerável comparado aos índices atuais.
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A primeira usina nuclear da Turquia – Akkuyu –, construída em colaboração com a Rússia, deve gerar 4.800 megawatts de eletricidade e prover uma fonte substancial às demandas do país. O reator deve também reduzir a dependência turca sobre as importações, aprimorar as condições de segurança energética, criar empregos e atrair investimentos. A Akkuyu é parte essencial da campanha de Erdogan.
Neste mesmo contexto, a Turquia anunciou seus planos para se tornar produtor e exportador de hidrogênio verde, produzido por eletrólise a partir de fontes renováveis, considerado crucial para a transição à economia de baixo carbono, em detrimento de insumos fósseis e poluentes. A estratégia de hidrogênio busca instituir um mercado doméstico próprio, apoiar a produção, exportar insumos verdes e edificar a infraestrutura necessária para distribuição e uso. Para o ano corrente, a Turquia planeja obter capacidade de produção de um gigawatt em hidrogênio verde, equivalente a cerca de 1% de sua capacidade total de geração de energia.
Os esforços do governo para reduzir a dependência sobre as importações e investir em insumos renováveis e tecnologias limpas têm potencial de criar empregos e robustecer a posição do país no mercado global. O êxito dessas iniciativas pode conceder à Turquia o tão necessário impulso econômico e consolidar a reputação de Erdogan como líder capaz de promover a transição ao baixo carbono.
Muito embora extrair gás natural do Mar Negro não seja economicamente viável no momento, os investimentos de Erdogan no setor podem ser visto como uma medida favorável à segurança energética do país, ao reduzir sua dependência externa. O atual presidente parece priorizar os interesses de longo prazo da Turquia no Mar Negro e angariar votos no meio do caminho.
Reduzir a dependência em insumos importados, que equivalem a mais de 70% das demandas de energia da Turquia, parece ser um passo crucial rumo à estabilidade socioeconômica em um país emergente. Além disso, investir em energia limpa – como hidrogênio verde – tem potencial de criar empregos e robustecer os índices de crescimento econômico. A ênfase da Turquia no setor – incluindo Mar Negro, Akkuyu, veículos elétricos e hidrogênio – é parte integral do plano de Erdogan para conquistar corações e mentes e assegurar assim sua eventual reeleição.
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