Ao antecipar debates do Conselho de Segurança das Nações Unidas, previstos para junho, sobre uma eventual reforma do sistema inerentemente arcaico e disfuncional do órgão político, Wang Yi, chefe de política externa da China, enunciou suas demandas.
“A reforma do Conselho de Segurança deve priorizar justiça e justeza, aumentar a representação e a voz dos países emergentes e permitir mais oportunidades a países pequenos e médios para que participem da tomada de decisões”, declarou Wang Yi em um comunicado de 29 de abril. Mais especificamente, o conselho deve “corrigir injustiças históricas contra a África”.
Muito embora propostas de reforma no Conselho de Segurança sejam comuns de tempos em tempos, a posição de Pequim é particularmente notória, tanto em termos de linguagem quanto de seu contexto.
Quando a Organização das Nações Unidas (ONU) foi fundada, em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, seu objetivo era marcar a ascensão de uma Nova Ordem, dominada sobretudo pelos vencedores do conflito, com vasta influência dos Estados Unidos e aliados ocidentais.
Dos 51 membros fundadores das Nações Unidas, cinco países foram escolhidos como membros permanentes do Conselho de Segurança – o ramo executivo do órgão internacional. O restante obteve filiação na Assembleia Geral, que exerceu desde então um papel marginal e até mesmo simbólico nos assuntos globais.
Seis nações receberam anuência para servir provisoriamente, muito embora sem poder de veto, mantido e exercido pelos cinco países no topo.
Anos depois, em 1963, o número de membros não-permanentes, conforme sistema de rotação anual, foi expandido a dez, totalizando 15 membros no Conselho de Segurança. As reformas, no entanto, pararam por aí e a estrutura jamais foi revisitada.
Podemos argumentar que as Nações Unidas nunca foram uma plataforma democrática, capaz de refletir adequadamente as realidades do mundo, sejam baseadas em influência econômica, demografia e outros índices – além, é claro, de poderio militar e hegemonia geopolítica.
Para o período pós-guerra, entretanto, a ONU pareceu expressar perfeitamente um paradigma triste, injusto, mas verdadeiro, de certa maneira. Este paradigma, não obstante, está mudando – e está mudando muito rapidamente.
Apelos por reformas são pronunciados há anos, refletido, por exemplo, nas atividades do G4, ou Grupo dos Quatro, consistindo de Brasil, Alemanha, Índia e Japão; além da Declaração de Sirte, de 2005, ratificada pela União Africana; entre muitas outras iniciativas. Contudo, novos apelos por reformas nas Nações Unidas ganharam tração nos meses recentes, ao se tornarem cada vez mais eloquentes, contundentes e – de fato – possíveis.
A invasão russa na Ucrânia, que voltou a dividir o mundo em campos políticos opostos, de fato empoderou ainda mais a China – em breve, a maior economia do mundo – e encorajou diversos países no Oriente Médio, na África e na América do Sul a assumirem posições firmes.
Dos muitos indicadores de tamanha mudança na geopolítica global, as nações dos Brics – isto é, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – se mostraram o maior caso de sucesso nos desafios postos à hegemonia ocidental sobre o mercado do dólar como moeda internacional. Os Brics se preparam agora para expandir como nunca o número de filiados, ao se tornar possivelmente o maior fórum econômico mundial – à frente até mesmo do poderoso G7.
Em abril, a Índia – membro-fundador dos Brics – superou a China como país mais populoso do mundo. Combinados, em termos de demografia e poder econômico, junto de seus colegas nos Brics, torna-se inaceitável que os estados que integram o grupo emergente – incluindo o Brasil – não sejam membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A embaixadora indiana Ruchira Kamboj descreveu a Carta da ONU como “anacrônica”, durante um debate sobre o tema. “Podemos de fato exercer um multilateralismo ao defender uma carta que torna cinco Estados mais iguais do que os outros e dá a cada um deles o poder de ignorar a vontade coletiva dos outros 188 países-membros?”.
É claro, ela está certa. Sua lógica, no entanto, carrega maior peso agora que seu país – junto dos Brics, da União Africana e outras entidades – está mais forte do que nunca, para barganhar uma mudança considerável nas estruturas.
A China, por outro lado, já é membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e desfruta com regularidade de seu poder de veto. O fato de que Wang Yi reivindica mudanças drásticas na ONU, sobretudo na configuração do Conselho de Segurança, denota a nova política externa de seu país. Como superpotência em ascensão com laços próximos e cada vez mais profundos com diversos países do Sul Global, a China acredita – com razão – que convém a seus interesses que a representação de mais e mais países seja estabelecida nos fóruns internacionais.
Trata-se de um sinal inequívoco da maturidade política de Pequim, que certamente enfrentará a resistência dos Estados Unidos e das potências europeias, ansiosos em preservar o atual status do Conselho de Segurança, com viés ocidental. No máximo, pretende aceitar reformas a serviço próprio ou superficiais – algo inaceitável para a China e o resto do Sul Global.
A reputação da ONU já está em frangalhos após seu fracasso em tratar de temas como conflitos internacionais, aquecimento global, pandemia e outros mais. Caso não haja uma reforma para abordar de maneira substancial os desafios presentes através de meios mais democráticos, as Nações Unidas põem em risco sua própria relevância – senão sua existência.
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