O ambiente eleitoral na Turquia é de dar asco. Uma atmosfera na qual os refugiados sírios se tornaram bode expiatório de ataques vorazes dos mais diversos partidos. Às vésperas do segundo turno presidencial – neste domingo, 28 de maio –, houve um pico em tais agressões, refletindo ações e resultados da primeira rodada, realizada em 14 de maio, junto do pleito legislativo. O atual presidente, Recep Tayyip Erdogan, ficou à margem dos 50% dos votos diante de seu principal adversário, Kemal Kilicdaroglu, que recebeu apoio de 45% do eleitorado. O terceiro lugar ficou com o candidato de extrema-direita, com cerca de 5% dos votos.
Erdogan concorreu às eleições pelo Partido Justiça e Desenvolvimento (AK), o qual fundou e lidera, junto da chamada Aliança Popular, que abarca também o chamado Partido do Movimento Nacional (MHP), de caráter claramente ultranacionalista. Dentre os grupos que lhe apoiaram, está o Partido da Causa Livre, mais conhecido no país como “Hezbollah turco”. Kilicdaroglu é líder do Partido Republicano do Povo, associado ao legado de Mustafa Kemal, fundador da República, além de movimentos social-democratas de proeminência internacional. Sua coalizão inclui seis partidos, conhecidos como Tábula dos Seis ou Aliança Nacional, cujo espectro ideológico vai do kemalismo secular ao conservadorismo islâmico.
O terceiro lugar foi para Sinan Ogan, ex-membro do Partido do Movimento Nacional, que concorreu ao primeiro turno pela Aliança Ancestral, com raízes fascistas na Turquia. Assim como grupos de extrema-direita por toda a parte, um dos pilares da Aliança Nacional – também do Partido do Movimento Nacional – é a hostilidade a imigrantes e refugiados, sobretudo requerentes de asilo que fugiram da guerra civil na Síria, cujos números superam 3,5 milhões de pessoas vivendo na Turquia. Trata-se da maior comunidade na diáspora, composta por 5,5 milhões de pessoas que deixaram a Síria nos últimos dez anos.
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Os dois candidatos que disputaram o segundo turno neste domingo, Erdogan e Kilicdaroglu, concordaram que angariar o apoio do terceiro lugar poderia levá-los à vitória. Portanto, moveram montanhas para seduzi-lo em particular na última semana, ao promover pautas cada vez mais simpáticas ao eleitorado fascista.
Na última quinta-feira (25), Kilicdaroglu fez um discurso imerso em oportunismo para tentar atrair os votos de Ogan. Sua campanha lançou um contundente ataque contra o atual presidente ao acusá-lo de inundar o país com refugiados, chegando ao ponto de exagerar o índice a dez milhões de pessoas e prometer expulsar cada uma delas caso presidente. Kilicdaroglu também culpou Erdogan por negociar com “terroristas” nos primeiros anos de sua administração, em alusão ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). O discurso, entretanto, refletiu o claro desespero de Erdogan para conquistar o trono, muito embora seja uma aposta perdida na extrema-direita. Ao contrário, afastou ainda mais a oposição de esquerda, cujos votos também contam, incluindo o Partido Democrata do Povo, simpático ao movimento nacional curdo.
Erdogan, por outro lado, encontrou-se com Ogan na sexta-feira anterior. O que ambos debateram jamais saiu a público. Não obstante, na segunda-feira (22), o candidato da Aliança Ancestral anunciou seu apoio a um terceiro mandato do incumbente, no poder há duas décadas. É provável que o Partido do Movimento Nacional tenha influenciado na decisão de Ogan. Erdogan, ao perder a maioria legislativa em 2015, fez uma guinada junto a forças extremistas, para assegurar seu governo, ao reacender a guerra com o lado curdo.
Houve ainda uma transformação gradual na retórica e nas ações da administração turca, desde o acolhimento dado aos refugiados sírios até descrevê-los como um fardo a ser eliminado. Erdogan se prontificou a criar uma “zona neutra” na Síria para devolver os refugiados no país, ao sugerir concomitantemente que uma nova horda de árabes enviados ao leste da Síria poderia contrapor a demografia majoritariamente curda na região. O plano enfrentou naturalmente diversos obstáculos, incluindo a insatisfação dos Estados Unidos e do regime sírio de Bashar al-Assad, apoiado pela Rússia e pelo Irã. O governo turco adotou então uma nova guinada, semelhante aos governos árabes, com os quais mantinha conflitos até então. Esforços foram então feitos para reaver Assad à arena regional e internacional, na esperança de solucionar primeiro a questão dos refugiados antes de haver qualquer tipo de resolução política na Síria. A iniciativa não difere em nada das propostas da monarquia jordaniana e da administração no Líbano, em crise há mais de três anos.
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Em todo caso, as forças de extrema-direita têm as chaves para o palácio presidencial da Turquia desde 2015, quando o Partido Justiça e Desenvolvimento sentiu necessidade de garantir governabilidade no parlamento. Isso se refletiu nas eleições de 2018, quando o bloco governista conquistou pouco menos da metade dos assentos, com 295 das 600 vagas. Nas eleições de maio, o índice foi ainda menor, com 268 assentos, somados a 50 congressistas do partido aliado ultranacionalista. A Aliança Nacional obteve 212 vagas. Portanto, não importa o resultado eleitoral deste domingo, seja Erdogan ou Kilicdaroglu, ambos dependem de forças de ultradireita para obter maioria parlamentar, o que confirma: os refugiados sírios certamente estão entre a cruz e a espada.
Este artigo foi publicado originalmente em árabe pela rede Al-Quds Al-Arabi, em 23 de maio de 2023
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