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A vitória de Erdogan e seus impactos

Recep Tayyip Erdogan foi reeleito presidente da Turquia em segundo turno, nas eleições de domingo (28)

No pleito finalizado domingo, 28 de maio de 2023, o presidente e ex-premiê da Turquia Recep Tayyip Erdogan foi reeleito em um segundo turno muito apertado. O mais poderoso político turco após Kamal Ataturk (o herói de Galípolo e pai fundador do país), lidera o AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento) e se mantém em Ankara e não permite a retomada da coalizão liderada pelo kemalismo civil. O candidato derrotado, Kemal Kilicdaroglu, à frente do CHP (Partido Republicano do Povo, a legenda secular da elite de Istambul), comanda a Aliança Nacional, uma frente com outras seis legendas, incluindo um racha do AKP.

O discurso do derrotado passava pelo elogio e defesa dos hábitos da cultura moderna turca, buscava os votos mais nacionalistas (incluindo os mais extremados), mas não alcançou este objetivo. O terceiro colocado no primeiro turno, Sinan Ogan à frente da Aliança Ancestral (ATA), compunha – em primeiro turno – basicamente o mesmo espectro da direita coligada com Erdogan. A diferença seria sua propensão a recuperar o parlamentarismo. No segundo turno, Ogan e as lideranças políticas com ele alinhadas, fecharam apoio ao candidato da Aliança do Povo (Erdogan), garantindo assim uma folga maior no segundo. Entre 14 de maio e 28 de maio, o atual presidente ampliou em 3 milhões de votos a diferença e, das 600 vagas no parlamento, a coligação governista atingiu a 323 cadeiras, sem necessitar de outros apoios para governar com maioria.

As alianças minoritárias foram fundamentais para a oposição em 2023  

Nas eleições de 7 de junho de 2015, o Partido Democrático do Povo (HDP), a frente eleitoral vinculada à esquerda curda, ultrapassou a cláusula de barreira de 10% (fez 13,12% dos votos) e poderia formar a composição de governo pela primeira vez na história. O gabinete de Erdogan, composto pela maioria (e hegemonia do AKP) junto da extrema direita do Partido da Ação Nacionalista (MHP, herdeira direta das Juntas Militares golpistas e do seu braço paramilitar, Lobos Cinzentos), conseguiu mudar as regras do sistema político. Destituiu o parlamento, prendeu opositores seculares à esquerda e convocou novo pleito para novembro daquele ano. O país passou  a ser presidencialista – de facto e na regra – e a intensidade do nível repressivo nas “regiões administrativas especiais” de maioria curda aumentou muito.

Desde então, o HDP amplia seu leque de alianças e se aproxima do CHP, mesmo com a elite kemalista negando a possibilidade da existência de um Curdistão federativo dentro do Estado nacional turco. Nas eleições de novembro de 2015 o HDP fez 10,76% e em 24 de junho de 2018, alcançou 11,70%. Apesar do decréscimo eleitoral, a projeção não era ruim, em função de alianças improváveis no pleito municipal de 2019.

LEIA: Líderes mundiais reagem às eleições na Turquia, Lula parabeniza Erdogan

Há quatro anos atrás, nas eleições metropolitanas e distritos municipais, a coligação civil kemalista ganhou em Istambul e em Ankara (capital). Assim, criou as condições para ameaçar realmente a permanência de Erdogan à frente do Estado controlador do segundo maior contingente militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN, o guarda-chuva de países aliados dos EUA).

Ekrem İmamoğlu, o prefeito de Istambul vitorioso em março de 2019, tardou muito a chegar a ocupar o posto, porque o pleito foi contestado por semanas através da Suprema Corte. Desde a metade de dezembro de 2022, um dos políticos mais importantes do país foi condenado pela Justiça – a acusação é de ofensa contra magistrados da corte – e banido das eleições gerais deste ano. Ekrem estava cotado a ser candidato a vice do derrotado líder político da CHP.

Na corrida eleitoral das proporcionais – para o parlamento – a Aliança por Trabalho e Liberdade (o mais amplo guarda-chuva de maioria curda) fez 11% das cadeiras do parlamento, sendo que a lista conjunta da Esquerda Verde (YSP e HDP) atingiu 8% deste total.

Em 2019, a soma dos votos da esquerda, da juventude urbana e das elites civis seculares levou à vitória do CHP nas maiores metrópoles (Istambul, Ankara e Izmir) e todo o Curdistão. Ainda assim não foi suficiente para atingir a maioria entre os 66,4 milhões de eleitores e eleitoras aptos na Turquia e na diáspora.

A cobertura majoritária das eleições na mídia ocidental 

É muito complicado cobrir eleições à distância, sem entender nada ou quase nada do contexto político do país e menos ainda relacionar o cenário doméstico com o externo. Após a reviravolta de 2015 e a derrota da tentativa de golpe de Estado por parte do movimento gulemista em julho de 2016, a política turca entrou em uma espiral de três dimensões. Uma, a nacional – ou de fronteiras geopolíticas ao menos – traz um governo Erdogan muito agressivo, impondo uma área de território tampão, violando a soberania da Síria e dominando parte dos cantões de maioria curda na fronteira dos dois países.

Simultaneamente, o líder do AKP modifica sua relação com o Estado sionista, e mesmo sem romper completamente, eleva a tensão com o aparelho militar do Apartheid Colonial e expande sua presença em todo o Oriente Médio. Isso implica uma aliança estratégica com o ascendente Catar e uma relação de melhor convivência com o Irã.

No cenário europeu, não sai da OTAN mas se torna um problema para a aliança ocidental. Com o conflito russo-ucraniano, a situação muda radicalmente, cabendo a marinha turca a tutela e vigilância do estreito contínuo de Bósforo e Dardanelos, além do exercício de dominância naval no Mar Egeu. Erdogan se pôs como intermediário de primeira grandeza, incidindo nos preços mundiais de fertilizantes russos e grãos ucranianos (a começar pela precificação global de trigo e milho).

Por fim, a política econômica de Erdogan, tentanto manter a soberania da lira turca e dificultando a participação do chamado “hot money” – os fundos de aplicação financeira – atraiu para o país uma série de ataques especulativos além da pressão inflacionária. E pensar que em 2002 o recém-empossado primeiro ministro demandava para a União Europeia o ingresso completo, incluindo a moeda única e corrente! Ambas requisições foram negadas.

Quase todos os níveis de análise acima descritos não foram narrados nas reportagens circulando em mídia brasileira e mesmo em emissoras de língua inglesa. Menos ainda o compromisso de Kilicdaroglu de permanecer na OTAN e ampliar a presença de fundos especulativos na composição da dívida pública turca.

Dois pontos críticos no cenário internacional 

Recep Tayyip Erdogan tem plenas condições de tomar duas decisões polêmicas e urgentes. A primeira é romper relações com o Estado sionista, elevando a temperatura e pressão da Ummah sunita contra os invasores europeus na Palestina Ocupada. Em consequência, a saída da OTAN seria inevitável, ampliando a dimensão multilateral de sua política externa.

No plano doméstico, os aliados de Erdogan herdeiros das Juntas (e redes ergenekon) não sustentam essa posição, mas após mais uma vitória, isso seria perfeitamente possível. Resta o desafio de gerar uma convivência viável com os mais de 4 milhões de refugiados sírios e com os territórios do Curdistão, algo que também é pouco crível.

Não cabe uma análise acrítica e menos ainda subestimada. Hoje a Turquia e Erdogan estão no centro da política eurasiática e por consequência, de todo o Sistema Internacional. Negar esse fato seria como trocar a realidade por disputa “narrativa”.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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