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Erdogan enfrenta dificuldades para cumprir promessa sobre refugiados sírios

Campo de refugiados em Idlib, norte da Síria [Muhammed Said/Agência Anadolu]

Durante sua campanha eleitoral, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, agora reeleito, decidiu surfar na onda do nacionalismo para assegurar sua terceira década no poder. Entretanto, deve enfrentar dificuldades para cumprir suas promessas, em particular, referentes à guerra civil na Síria, logo ao sul, e os milhões de refugiados assentados no país.

As informações são da agência de notícias Reuters.

Erdogan costumava ser visto como um aliado de grupos de oposição ao presidente sírio Bashar al-Assad, mas apelou a um polêmico plano de repatriação dos refugiados para vencer o segundo turno das eleições turcas no último domingo (28), contra seu adversário de longa data, Kemal Kilicdaroglu, que adotou uma retórica ainda mais agressiva.

O enfoque na devolução dos refugiados causou alarde entre os 3.4 milhões de sírios que vivem na Turquia, vítimas de um crescente discurso de ódio. Ambas as campanhas presidenciais recorreram aos refugiados como bode expiatório para galvanizar seu eleitorado.

Na semana anterior ao pleito, Erdogan recebeu apoio do terceiro colocado no primeiro turno, Sinan Ogan, candidato da extrema-direita, marcado por uma postura anti-imigração.

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Muitos dos refugiados são nativos de partes da Síria que permanecem sob controle do regime autocrata de Assad e insistem que não podem retornar em segurança a suas cidades e aldeias enquanto o presidente permanecer no poder.

Assad recapturou grande parte do país, com ajuda militar da Rússia e de grupos paramilitares ligados ao Irã. A guerra civil, no entanto, continua.

Erdogan, contudo, elaborou um plano em cooperação com o Catar para construir instalações residenciais no noroeste da Síria, sob controle de forças rebeldes. A região tem presença marcante de tropas turcas, sobre as quais Erdogan alicerçou promessas de dissuadir eventuais ataques e represálias perpetrados por Damasco.

O plano implica redobrar a intervenção turca na região, onde Ancara busca construir influência há anos. Assad, porém, reivindica um cronograma para retirada das forças intervencionistas da Turquia, como pré-condição para normalização de laços com o Estado ao norte.

Erdogan assumiu o “retorno voluntário” dos refugiados como elemento central de sua política externa referente à Síria, junto de preocupações sobre grupos nacionais e separatistas curdos radicados em bolsões na região da fronteira, criminalizados por Ancara.

Erdogan pôs como meta o regresso de um milhão de refugiados dentro de um ano. Às vésperas da eleição, na última semana, seu ministro do Interior, Suleyman Soylu, participou da inauguração de um projeto habitacional para tanto, na cidade síria de Jarablus.

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“É nosso dever cumprir as expectativas dos cidadãos turcos sobre essa questão, por meios e maneiras que sejam benéficos a nosso país”, declarou Erdogan em seu discurso de vitória no domingo, ao insistir que 600 mil sírios já retornaram a “áreas seguras”.

Apreensões de segurança

Todavia, para a maior parte dos refugiados sírios na Turquia, a conjuntura é nada atraente.

“Sim, gostaria de voltar para a Síria, mas não a Jarablus. Gostaria de voltar para minha casa, na Latakia”, comentou Ahmed (28), estudante na Universidade de Ancara, em referência à conturbada região mediterrânea sob controle de Assad.

“Gostaria de voltar, mas se Assad continuar no poder, não é possível, pois me preocupa minha segurança”, acrescentou.

Sob controle de diversos grupos armados, boa parte do noroeste do país tampouco é segura.

“As condições no norte da Síria ainda são péssimas e a instabilidade faz com que o retorno de larga escala seja improvável, apesar das obras turcas e cataris na região”, destacou Aron Lund, especialista em Síria do think tank Century International. “Me parece uma gota no oceano e a situação econômica continua a piorar”.

Motivada por apelos eleitorais sobre a repatriação dos refugiados, a Turquia deu uma guinada diplomática no que concerne na Síria, após outros regimes regionais reabrirem canais de engajamento com Assad – certa vez, ostracizado por Erdogan como um “açougueiro”.

A reaproximação, não obstante, parece muito mais vagarosa do que entre Assad e seus então detratores árabes, o que reflete o envolvimento muito mais profundo do Estado turco no país assolado pela guerra, onde Rússia, Irã e Estados Unidos mantêm forças em campo.

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Analistas preveem que a Turquia não deve concordar tão facilmente com a demanda de Assad por sua retirada militar, sob receios de que um recuo instigue novas levas de refugiados a atravessar a fronteira, à medida que Damasco avança sobre o norte.

“É bastante improvável que a Turquia se comprometa com a retirada de suas tropas, o que pode significar que centenas de milhares de refugiados tentem deixar Idlib”, confirmou Dareen Khalifa, pesquisadora do think tank International Crisis Group.

‘Retorno voluntário’

Muitos sírios na Turquia se sentiram aliviados com a derrota de Kilicdaroglu. Em campanha, o candidato opositor prometeu debater seus planos de repatriação com Assad após normalizar relações, para concluir o regresso dos refugiados dentro de dois anos.

Até então, ambos os candidatos adotaram o jargão “retorno voluntário”.

Após a vitória eleitoral de Erdogan no primeiro turno, em 14 de maio, embora sem maioria absoluta, Kilicdaroglu decidiu subir o tom, ao prometer devolver todos os refugiados.

Na segunda-feira (29), Ibrahim Kalin, assessor-chefe de política externa do governo turco, afirmou que seu país deseja um retorno “voluntário, digno e seguro”.

O direito internacional determina expressamente que o retorno de quaisquer refugiados a seus respectivos países têm de ser voluntário.

“Estamos fazendo planos para garantir o retorno de algo entre um milhão e 1.5 milhão de sírios, para começo de conversa”, declarou Kalin durante entrevista a uma emissora local.

Samir Alabdullah, do Centro Harmoon para Estudos Contemporâneos de Istambul, afirmou não esperar grandes mudanças agora que a árdua batalha eleitoral chegou ao fim.

“Muitos refugiados sírios estão, sim, aliviados com a vitória de Erdogan. E não há nada errado, a princípio, com o retorno voluntário. Mas não esperamos mudanças na política sobre migração”, observou Alabdullah.

Grupos de direitos humanos advertem que o retorno dos refugiados não é seguro, dado que não há solução política no horizonte para o conflito na Síria. Relatos de perseguição, encarceramento e tortura nas mãos do regime – incluindo contra refugiados que retornam ao país – ainda são comuns.

LEIA: A vitória de Erdogan e seus impactos

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