Entidades relevantes da Organização das Nações Unidas (ONU) pediram medidas “urgentes e decisivas” para impedir mortes no Mar Mediterrâneo, após um naufrágio no litoral sudoeste da Grécia matar dezenas de refugiados.
As informações são da agência de notícias Anadolu.
“Está claro que a atual abordagem sobre o Mediterrâneo não funciona”, destacou Federico Soda, diretor de emergência da Organização Internacional para Migração (OIM). “Ano após ano, a rota se mantém como a mais perigosa do mundo, com a maior mortalidade”.
Um barco de pesca – com 20 metros de comprimento – naufragou na manhã de quarta-feira (14), com cerca de 700 passageiros a bordo, incluindo mulheres e crianças, a aproximadamente 80 km da cidade costeira de Pylos.
Segundo informações corroboradas pela OIM e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), a embarcação emitia pedidos de socorro desde a manhã anterior. “O dever de resgatar pessoas em perigo no mar, sem demora, é parte fundamental do direito marítimo internacional”, reiterou uma nota conjunta após o incidente.
A Agência de Fronteira da União Europeia (Frontex) advertiu as autoridades gregas sobre o barco na véspera do naufrágio, reiterou seu chefe, Hans Leijtens, ao periódico alemão Suddeutsche Zeitung, antes de viajar à Grécia para avaliar a situação.
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“Meus colegas detectaram um barco de pesca na terça-feira, rumo à Grécia”, informou Leitjens. “Reportamos o caso às autoridades locais, como é nosso dever”
Soda destacou a necessidade de cooperação entre os países para preencher as lacunas dos serviços de proteção e resgate, desembarque e formação de rotas seguras. “Esforços coletivos devem focar em assegurar direitos humanos e salvar vidas”, afirmou.
Gillian Triggs, comissária-adjunta da Acnur, destacou que a União Europeia deve manter “a segurança e a solidariedade no âmago de suas ações no Mediterrâneo”.
“Em vista do aumento no fluxo de refugiados no Mediterrâneo, esforços coletivos, incluindo coordenação, solidariedade e responsabilidade de todos os Estados regionais, como determinados pelo Pacto de Migração e Asilo da União Europeia, são essenciais para salvar vidas”, acrescentou Triggs.
Segundo a especialista da ONU, é ainda preciso estabelecer um mecanismo regional de desembarque e distribuição.
Entre 400 e 750 pessoas viajavam na embarcação que afundou na quarta-feira. Até então, apenas 104 pessoas foram resgatadas e 78 corpos foram recuperados. Centenas de refugiados, de países como Paquistão, Egito e Síria, continuam desaparecidos.
‘Muro de mentiras’
Sobreviventes acusam a Guarda Costeira da Grécia de “envolvimento direto” no naufrágio, comentou Erik Marquardt, político alemão ligado a movimentos ambientalistas, vice-presidente do Comitê de Desenvolvimento e membro do Comitê de Justiça, Assuntos Domésticos e Liberdades Civis do Parlamento Europeu.
“As autoridades gregas sabiam que um barco com requerentes de asilo estava em perigo em seus mares, mas postergaram por horas seu resgate”, declarou Marquardt. “Alguns sobreviventes sugerem envolvimento direto e mesmo medidas que causaram o naufrágio”.
Segundo Marquardt, a Europa construiu um “muro de mentiras” sobre o que acontece em suas fronteiras. Para o parlamentar, é preciso uma investigação independente, embora tragédias como essa sejam “bastante comuns” na região, em meio a violações sistemáticas do direito internacional.
“Sabemos que devoluções ocorrem todos os dias … Milhares morrem porque não achamos uma resposta à questão da migração”, reafirmou Marquardt. “A Europa não pode construir um muro de mentiras e corpos nas fronteiras por conta de seus interesses políticos”.
“A Europa deveria ter vergonha”, concluiu o parlamentar.
Repercussões
Na manhã de sexta-feira (16), Mohammad, refugiado sírio de 18 anos, encontrou seu irmão mais velho Fadi, que viajou às pressas da Holanda para tentar encontrá-lo. Ambos, entretanto, ainda não encontraram outros familiares – a busca continua.
Os irmãos se abraçaram através das barricadas de metal, erguidas pela polícia da Grécia em torno de um armazém de Kalamata, onde os sobreviventes dormiram por dois dias.
Até então, outras 25 pessoas de diversas partes do continente se reuniram no local na esperança de notícias, exibindo retratos de seus entes queridos às autoridades.
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Conforme investigações preliminares, o barco partiu do Egito e pegou novos passageiros na cidade costeira de Tobruk, na Líbia, no sábado passado (10). Os refugiados alegam ter pago US$4.500 cada para aportar na Itália.
As circunstâncias do naufrágio continuam incertas. A Guarda Costeira da Grécia foi alertada previamente e monitorou a embarcação por 15 horas – no entanto, sem agir. Atenas insiste que os refugiados recusaram socorro.
Apesar de negativas da Grécia, informações indicam que o barco virou após a Guarda Costeira tentar rebocá-lo.
Nove suspeitos, sobretudo cidadãos egípcios, foram presos na noite de quinta-feira, acusados de homicídio culposo, tráfico humano, entre outros crimes.
Ônibus se aglomeraram no local para transferir sobreviventes ao campo de refugiados de Malakasa, perto de Atenas, nesta sexta-feira.
O governo conservador da Grécia, destituído em maio, assumiu uma postura severa contra a migração, ao murar campos e fronteiras e devolver embarcações. O país é atualmente governado por um gabinete interino à espera de novas eleições em 25 de junho.
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