Nouran Gohar, hoje com 25 anos, vive e respira squash: nascida no Egito, pratica o “esporte mais saudável do mundo” desde os nove anos de idade. Aos dez, começou a participar de competições nacionais.
Seu primeiro título foi no Aberto de Praga de dezembro de 2013, com apenas 15 anos. Dois anos depois, bateu a esportista malaia Nicol David, número um do ranking mundial por 108 meses consecutivos. Aos dezoito, Nouran se tornou número dois do mundo; aos vinte e dois, chegou ao topo do ranking pela primeira vez.
“Foi muito emocionante. Chorei muito”, recorda a atleta. “Foi minha primeira reação. É engraçado porque eu tinha um pôster pendurado na parede quando eu tinha nove ou dez anos — quando comecei a jogar — escrito ‘um dia você será o número um’. Eu acordava todos os dias e via esse cartaz, então me lembro desses flashes da vida, dos altos e baixos, do tanto que lutei para chegar até aqui”.
Sua jovem carreira é realmente extraordinária. Mais impressionante é o fato de que Nouran equilibrou com sucesso o esporte profissional com seus estudos na Universidade Americana do Cairo. Apesar das responsabilidades como atleta – treinos, viagens e torneios –, Nouran acreditou que é possível vencer na vida dentro e fora de quadra.
Segundo Nouran, há uma noção equivocada de que os estudos atrapalham a dedicação e a performance esportiva. “Meu técnico na época ficou furioso e ameaçou parar de me treinar se eu me matriculasse no curso de engenharia. Para ele, eu estava jogando tudo para o alto, pensando na aposentadoria. Eu disse que era bobagem. Eu sabia que poderia ser uma boa engenheira e campeã de squash ao mesmo tempo”.
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“Odeio a ideia de que se você é uma atleta, não pode ser boa nos estudos ou em qualquer outra coisa. Sempre ouvi esse tipo de coisa. Mas não precisamos sacrificar um pelo outro”. Contudo, há concessões. Nouran queria a princípio estudar arquitetura, mas reconheceu mais tarde que seria mais difícil se comprometer com os estágios e administrar as horas junto de treinamento. Após perceber seu rápido progresso no esporte, ao decolar da 19ª à sexta colocação no ranking mundial em apenas três meses, após vencer Nicol David, Nouran escolheu engenharia civil.
Apesar de receber propostas de colégios na França e das principais faculdades dos Estados Unidos – incluindo Harvard e Pensilvânia –, Nouran preferiu ficar em casa, como primeira recipiente da Bolsa de Estudos Wadi Degla na Universidade Americana do Cairo.
“Se não tivesse visto o potencial de me tornar a melhor no meu esporte, não teria desistido das melhores escolas do mundo”, explicou Nouran. “Ser a melhor do esporte não é algo que acontece todo dia. Pouquíssimas pessoas podem dizer que são a número um. É algo especial e eu me vi chegando lá. Ao mesmo tempo, eu não queria queimar pontes, então mantive o plano B, que é a engenharia civil, a coisa mais próxima que encontrei da arquitetura”.
Nouran se formou no mesmo mês que chegou ao topo do ranking. Apesar de rapidamente pular da segundo à primeira colocação, Nouran travou uma dura batalha mental em meio a súbitas lesões nos pés e na coluna, em meados de 2018. Os traumas abalaram sua confiança tão depressa quanto sua escalada ao sucesso. Lesões podem afetar a cabeça dos atletas – Nouran sabe muito bem disso. Antes de se ferir, perder não era uma opção”.
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“Foi um período difícil que passei no torneio da Europa de 2018”, admitiu Nouran. “Pensei seriamente em deixar o esporte, foi uma montanha-russa de emoções”. Segundo seu relato, à medida que a mídia costuma se concentrar nas glórias do esporte e crônicas de superação, a vida dos atletas parece livre de angústias. Definitivamente, não é o caso.
A pressão, muitas vezes, é de fato assustadora. “Primeiro, perdi minhas batalhas mentais; então, perdi várias perdidas porque não encontrava confiança. E a confiança, a gente sabe, é fundamental para qualquer esporte. Sem confiança, você duvida de tudo que faz e das técnicas que emprega durante os jogos. Comecei a me questionar demais, a duvidar dos estudos. Caí de segunda a oitava no ranking. Então, no Aberto dos Estado Unidos, me surgiu um sentimento estranho contra o esporte porque tudo que eu fazia era sofrer”.
No entanto, foi justamente o esporte que pôs Nouran de volta nos trilhos. Após uma vitória no Campeonato Mundial de Times na China, em setembro de 2018, sua motivação voltou e Nouran entendeu que aceitar os erros é parte do processo. Ao refletir sobre suas condições mentais, Nouran compreendeu ter sofrido um burnout devido à busca por uma perfeição inalcançável.
“Minhas performances são muito melhores desde quando abracei a chance de perder; ainda assim, sou uma má perdedora”, brincou Nouran. “Minha vontade de vencer, minha vontade de fazer meu melhor, no entanto, com uma atitude muito mais saudável, me ajudou a voltar ao topo do ranking, mas também a apreciar cada momento da jornada”.
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Nouran se casou com o campeão de esgrima Ziad el-Sissy e se mudou com ele para o estado americano de Connecticut, onde seu cronograma diário e intensivo de treinos continua. Seu maior foco agora é se manter no topo do mundo, ao vencer cada uma de suas rivais. Como campeã profissional, sua agenda consiste em 12 a 14 torneios por ano ao redor do planeta, em países como China, França, Estados Unidos, Reino Unido, entre outros. São cerca de 140 dias na estrada, quase metade do ano – a outra metade é treino e mais treino.
“Tenho uma semana de descanso depois dos torneios, mas não é uma folga de verdade, pois é quando o técnico nos dá o feedback sobre nossos erros”, destacou Nouran. “Mal voltamos para a casa e temos de voltar a trabalhar. Sim, é exaustivo, mas o desafio dá prazer e nos motiva. E eu amo o esporte e o estilo de vida que vem com ele”.
Nouran expressou gratidão imensurável por seus pais, que a quem credita seu lugar no topo do mundo. “Meus pais são os verdadeiros campeões por trás das cenas, são a minha maior inspiração. O que me fez voltar à vida e por meus pensamentos no lugar foram as memórias de quão orgulhosos os fiz sempre que venci e tentei o meu melhor. Cabe o mundo em seus olhos e o nome disso é amor”.