O ano de 2023, ainda em sua metade, já é o mais letal para a travessia de refugiados no Mar Mediterrâneo desde 2017.
Em 2022, mais da metade daqueles que recorreram ao trajeto migratório mais perigoso do mundo deixaram a Líbia, país assolado pela guerra civil há quase dez anos. Quase um terço deixaram a Tunísia, sob severa crise política e socioeconômica.
Neste ano, a Tunísia superou a Líbia no que se refere a rotas para Itália, principal destino aos milhares de desesperados que tentam aportar na Europa em busca de uma vida melhor. A persistente crise tunisiana, junto da recente onda de racismo contra negros subsaarianos no país, sob incitação do presidente Kais Saied, contribuiu ao êxodo.
Somente no primeiro semestre de 2023, ao menos 44 mil refugiados chegaram às praias da Itália, em meio a duríssimas perdas e sacrifícios. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de mil pessoas faleceram ou desapareceram no Mediterrâneo central apenas neste período.
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Neste mês, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, prestou uma visita a Saied, à medida que seu governo de extrema-direita busca restringir ainda mais a migração do país norte-africano. Neste sentido, Roma prometeu ampliar recursos e estrutura para conduzir patrulhas costeiras, descritas pela Anistia Internacional como uma gestão autoritária do problema, em franco detrimento de normas essenciais de direitos humanos.
Na tentativa de dissuadir e limitar a migração irregular, em fevereiro de 2023, o parlamento italiano aprovou um decreto para estabelecer um “código de conduta” a ongs que resgatam pessoas no Mediterrâneo, efetivamente restringindo seus esforços.
Sob as novas diretrizes, navios de resgate não podem mais conduzir múltiplos salvamentos em uma única viagem. A ordem é que naveguem diretamente a um porto específico para o desembarque, logo após o resgate, em vez de atender a outros chamados de socorro. Ongs que violarem as regras enfrentam multas abusivas de €50 mil (US$54.600) e apreensão de suas embarcações.
O governo italiano declarou ainda “estado de emergência” de seis meses a partir de abril, sob recursos iniciais de €5 milhões (US$5.45 milhões), com o objetivo de gerir a chegada dos refugiados e sua célere deportação. Os investimentos devem permitir ao governo extremista repatriar refugiados em um piscar de olhos.
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A agressividade da Itália para tratar do novo surto de migração irregular à Europa não é um caso isolado. Ao contrário, reflete uma tendência ampla de ascensão da extrema-direita no continente, com políticas cada vez mais duras a pessoas vulneráveis de países terceiros. Dentre as ações, estão as devoluções arbitrárias de barcos à deriva pela Guarda Costeira da Grécia; os violentos atos de repressão na fronteira da Hungria; e planos do Reino Unido para enviar requerentes de asilo a Ruanda.
A obstrução ao resgate e os esforços ilegais de rápida deportação de requerentes de asilo – sem acordos ou salvaguardas bilaterais, na esperança de obstruir a emigração de países como Tunísia – resulta, na prática, no encarceramento em massa de refugiados em “campos de repatriação”. Neste entremeio, nações como a Itália e outras deixam de cumprir deveres fundamentais sob a lei internacional, abandonando milhares ou milhões de pessoas entre a cruz e a espada.
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