Relembrando o golpe no Sudão de 1989

O quê: Golpe militar contra o governo civil no Sudão, início de 30 anos de ditadura

Quando: 30 de junho de 1989

Onde: Cartum, Sudão

O Sudão é conhecido como um país de golpes. Desde a independência do Reino Unido, em 1956, sua história é marcada por nada menos que 35 golpes e tentativas de golpe – mais do que qualquer outro país na África. O incidente com maior impacto ainda hoje, no entanto, é possivelmente o golpe militar de 1989.

Três anos antes, em 1986, Sadiq al-Mahdi foi eleito primeiro-ministro após um golpe militar um ano antes, incumbido de formar um governo civil celebrado, a princípio, como um marco bem-vindo da democracia e das liberdades civis.

Seu mandato, no entanto, foi maculado pela manutenção de políticas repressivas no sul e no oeste do país, onde forças sudanesas perpetraram atos de perseguição ou armaram milícias contra grupos étnicos negros e não-árabes.

Entre as políticas citadas como violação de direitos humanos está o uso da fome como arma de contra-insurgência, ao impedir o acesso das forças de paz e de instituições humanitárias a certas áreas.

Seu governo pouco a pouco ruiu, conforme ascendia o então brigadeiro Omar al-Bashir. De família camponesa, Bashir estudou no Cairo e lutou contra Israel em 1973 junto do exército egípcio, antes de retornar ao Sudão e escalar a hierarquia militar. Em meados da década de 1980, Bashir comandou a campanha militar sudanesa contra rebeldes do Exército Popular de Libertação do Sudão (SPLA).

Conforme se arrastava a segunda guerra civil na breve história do país, comandantes deram a al-Mahdi um ultimato, em fevereiro de 1989: resolva o conflito ou entregue sua autoridade às Forças Armadas. Al-Mahdi, todavia, fracassou em rematar a guerra – por meios políticos e militares. Além disso, a persistente crise econômica no Sudão exacerbou as tensões entre o primeiro-ministro e seu exército. Em 18 de junho, al-Mahdi ordenou a prisão de dezenas de oficiais militares e civis para tentar fatalmente conter um golpe.

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O golpe de verdade demorou quase uma quinzena. Em 30 de junho, antes do amanhecer, o exército realizou uma incisiva campanha de prisão contra diversos oficiais militares e civis – dentre os quais, o primeiro-ministro. Omar al-Bashir, que chefiou o golpe militar, anunciou na rádio oficial Omdurman que um Conselho Revolucionário governaria o país. Na televisão, justificou o golpe por esforços para “salvar o país da podridão dos partidos políticos”.

O que aconteceu a seguir?

Em um único dia, Omar al-Bashir foi declarado chefe de Estado, primeiro-ministro, ministro da Defesa e chefe das Forças Armadas. Ficou claro que Bashir não tinha intenção de deixar o poder tão breve. Diferente de alguns golpes anteriores, a autoridade jamais foi entregue aos civis, tampouco parecia haver quaisquer promessas de novas eleições.

Como presidente do Conselho do Comando Revolucionário para Salvação Nacional, o militar dissolveu o parlamento e baniu toda a atividade política e partidária, além de restringir com rigor a liberdade de imprensa. Seu Conselho Revolucionário foi desmontado em outubro de 1993, quando Bashir foi nomeado enfim presidente do Sudão – sem, no entanto, alterar de modo algum o status quo de seu regime militar.

Além de suas medidas autoritárias, Bashir se tornou alvo de críticas do Ocidente por manter uma aliança com Hassan al-Turabi, líder da Frente Nacional Islâmica (NIF). A parceria – mais tarde encerrada com múltiplas prisões ao longo dos anos – permitiu ao país adotar a sharia islâmica ou lei religiosa. Seu governo, não obstante, foi marcado por sucessivas violações de direitos humanos e casos de tortura.

Após três décadas de ditadura entre o golpe de 1989 e sua deposição pelas Forças Armadas – desta vez, com apoio popular –, em 2019, o legado de Bashir conserva um impacto notável na conjuntura atual em campo no Sudão.

Bashir manipulou regras e normas e instrumentalizou as instituições em favor de seu regime e seus aliados – dentre os quais, parceiros na mobilização para obstruir qualquer transição à democracia, apesar de um acordo entre civis e militares firmado em dezembro de 2022. O mesmo acordo recebeu apoio das Forças de Suporte Rápido (FSR), agora em combate direto com as tropas regulares do Estado norte-africano.

O golpe de 1989 é visto como ponto de partida a muitas das crises atuais no Sudão. O país ainda parece distante de uma democracia civil, tão aguardada por seu povo.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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