A conferência realizada no Cairo resolverá a crise do Sudão?

Presidente egípcio Abdel Fattah Al-Sisi (centro), presidente do Sudão do Sul Salva Kiir Mayardit (dir.), presidente do Conselho Presidencial da Líbia, Mohamed al-Menfi, primeiro-ministro etíope Abiy Ahmed Ali, secretário-geral da Liga Árabe Ahmed Aboul Gheit, Presidente da Eritreia Isaias Afewerki (esq.), Presidente da República Centro-Africana, Faustin-Archange Touadera, Presidente do Chade Mahamat Idriss Deby e Presidente da Comissão da União Africana (UA), Moussa Faki, participam da reunião

Não há dúvida de que a guerra no Sudão afeta os países vizinhos e o restante da região, talvez espalhando ainda mais caos. Por isso, a cúpula dos países vizinhos do Sudão realizada no Cairo na semana passada foi importante. Seguiu-se à cimeira da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD) na capital etíope, Adis Abeba. Dois países da IGAD participaram da reunião do Cairo, que é significativa: Etiópia e Sudão do Sul.

A cúpula do Cairo foi encerrada com uma estrutura para os chanceleres buscarem uma solução com ênfase na necessidade de evitar o colapso do Sudão. Várias questões importantes surgem agora: quais são os mecanismos para garantir que o Sudão não seja dividido novamente e como esse grupo pode pressionar as partes em conflito a concordar com um cessar-fogo e adotar o diálogo em vez da arma para resolver o conflito? Além disso, as partes em conflito ouvirão e adotarão um roteiro unido para tirar o Sudão da lama?

Para garantir o sucesso da cúpula, é preciso formar uma plataforma única de negociação e integrar a iniciativa que começou na Arábia Saudita com o apoio americano e os esforços do quarteto — Estados Unidos, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Reino Unido — com os esforços da IGAD e dos países vizinhos. A unidade em seu trabalho garantirá a presença de mais de um jogador influente na mesa.

LEIA: Quarto desmoronamento em um mês deixa dois mortos no Egito

Apesar da importância da unidade, o maior desafio é fazer com que todos respeitem o cessar-fogo e concordem com uma trégua abrangente. Houve muitas tentativas de monitorar o cessar-fogo e os satélites detectaram violações, mas não há impedimento, responsabilização ou pressão sobre as partes em conflito.

O que aconteceu no Cairo reflete a importância dos países vizinhos do Sudão; informa à comunidade internacional que há outros países interessados em acabar com a guerra, visto que já padecem de graves problemas internos. Os procedimentos de monitoramento e acompanhamento são, portanto, importantes. Eles sairão do Chade e devem trabalhar no próximo período. Também deve haver maneiras de se comunicar com as partes em conflito.

O Egito esperou três meses após o início dos combates no Sudão para se envolver formalmente, mas desde o início das hostilidades em abril vem tentando acalmar a situação em seu vizinho do sul. É indiscutivelmente o mais afetado pelo conflito, dada a dependência compartilhada do rio Nilo e o fato de que mais de 300.000 cidadãos sudaneses buscaram refúgio no Egito. Além disso, cerca de 5 milhões de cidadãos sudaneses vivem e trabalham no Egito. Os refugiados colocam um fardo adicional em sua já crítica situação econômica.

A luta conseguiu pouco além de matar dezenas de milhares de pessoas e destruir as impressoras usadas para as notas bancárias do Sudão, junto com o banco central, museus, bibliotecas universitárias, registros de terras, tribunais, depósitos de remédios, a maioria dos hospitais da capital, a principal estação de televisão por satélite, os edifícios de comando geral das forças armadas e os aeroportos de Cartum. Pelo menos três milhões de pessoas foram deslocadas internamente, principalmente da capital. Agências bancárias foram saqueadas e prédios governamentais e privados foram destruídos e saqueados. As redes de abastecimento de água e eletricidade foram danificadas e interrompidas.

A guerra no Sudão continua… – Cartoon [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

O golpe liderado pelo tenente-general Abdel Fattah Al-Burhan contra o presidente sudanês Omar Hassan Al-Bashir em 2019 não foi novidade nem surpresa para o Sudão. Sua história como estado independente desde 1956 é repleta de golpes militares, que sempre refletem uma luta pelo poder, como todos os golpes militares no mundo árabe e em toda a África. O exército esteve no comando por cerca de 90 por cento do tempo desde a independência, intercalado com conselhos transitórios de curta duração.

O rival de Al-Burhan no conflito atual é Muhammad Hamdan Dagalo, conhecido como Hemetti, que lidera as Forças de Apoio Rápido (RSF na sigla usual em inglês0 . “Não há nada pior do que meu avô, exceto minha avó”, diz um provérbio egípcio. Isso se aplica a esses dois; cada um é pior que o outro.

Segundo Burhan, seu objetivo de guerra é acabar com a existência das RSF como um exército operando em paralelo com as forças armadas oficiais. Hemetti, por sua vez, afirma ser o padrinho do governo civil. No entanto, nenhum dos dois tem uma direção clara e, portanto, segue a abordagem tártara de queimar, saquear e destruir casas e propriedades públicas e privadas na capital sudanesa e nas regiões de Darfur e Kordofan.

Hemetti continua a afirmar que está trabalhando para um governo civil democrático, mas ambos querem governar o Sudão, mesmo que isso signifique tomar o poder unilateralmente sobre as ruínas do povo sudanês, que está pagando o preço por este conflito. A maioria das vítimas dos combates são civis presos entre o martelo do exército e a bigorna das RSF. Os dois arquiinimigos no comando não parecem se importar que seus combates possam levar a uma guerra civil e à divisão do Sudão em vários estados menores, como Darfur. Esta é a possibilidade mais provável, já que a província é um reduto de Hemetti e das RSF. O Sudão sofreu a secessão do sul em 2011 e pode se transformar em entidades fragmentadas constantemente em guerra umas com as outras.

Burhan e Hemetti se importam com isso? Aparentemente não, ou pelo menos não muito. Eles só querem poder. Se eles realmente se importassem com o que o bom povo do Sudão está passando – eles são considerados os mais gentis do mundo árabe – esses dois senhores da guerra certamente teriam feito algo notável para resolver as crises econômicas que aumentaram desde o golpe de 2019. Tudo o que importa, porém, é o poder. Maldito seja o assento que está manchado com o sangue do povo, e maldito seja quem se senta nele sobre as ruínas do país.

LEIA: Mais de 19 mil sudaneses buscam refúgio no Sudão do Sul, alerta ONU

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

Sair da versão mobile