O presidente israelense, Isaac Herzog, não acrescentou nada de grande valor em seu discurso no Congresso dos Estados Unidos em 19 de julho.
A linguagem dele era a de sempre. Ele falou de um ‘vínculo sagrado’, elogiou a experiência compartilhada entre as duas nações como “única em escopo e qualidade” e celebrou os grandes e comuns “valores que atravessam gerações”.
Mas essa linguagem teatral pretendia esconder uma verdade incômoda: a relação entre Israel e os EUA está mudando em um nível fundamental.
Dois dias antes do discurso de Herzog, o líder da oposição de Israel e ex-primeiro-ministro, Yair Lapid, declarou que “os Estados Unidos não são mais o aliado mais próximo (de Israel)”.
As palavras de Lapid foram uma mistura de fatos e oportunismo político.
Lapid e outros em seu campo estão empenhados em culpar o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, pelo relacionamento minguante entre os dois países; ou, para usar uma linguagem mais pertinente, por enfraquecer o ‘laço sagrado’, ‘inquebrantável’, que há muitos anos une os dois países.
A avaliação de Lapid, no entanto, é imprecisa. Embora seja verdade que Netanyahu desempenhou um papel no alargamento da distância entre Tel Aviv e Washington, essa distância foi crescendo com base em outras dinâmicas – uma mistura de mudanças e tendências políticas, geopolíticas e demográficas.
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Mas qual avaliação está mais próxima da verdade? A alegação de Herzog de um “vínculo sagrado” ou a afirmação mais dramática de Lapid de uma aliança vacilante?
Para responder a essa questão, devemos olhar além das exageradas declarações públicas feitas por autoridades de ambos os países e, particularmente, pelos líderes dos dois poderosos partidos dos EUA, os Republicanos e os Democratas.
Em termos de linguagem, as lideranças de ambos os partidos insistem que a devoção de Washington a Israel está além da política e que a segurança de Israel está acima da própria polarização política dos Estados Unidos.
Em um discurso no Knesset (parlamento) israelense em 1º de maio, o presidente da Câmara dos EUA, Kevin McCarthy, seguiu o típico roteiro americano sobre Israel. Ele também falou de “vínculo inquebrável” e “apoio bipartidário dos EUA” e, como era de se esperar, foi recebido com aplausos retumbantes.
Biden também é um apoiador resoluto de Israel. Sua frase frequentemente repetida “Você não precisa ser judeu para ser sionista” agora é um mantra entre os aliados americanos de Israel.
No entanto, enquanto o parentesco republicano com Israel permanece forte, o dos democratas não é; tão fraco, de fato, que em junho de 2022, uma pesquisa do Pew Research Center disse que “mais democratas e aqueles que se inclinam para os democratas expressam uma visão mais favorável dos palestinos do que dos israelenses”.
Assim, a noção de que Israel é uma causa comum entre os principais partidos políticos da América é simplesmente falsa. Não é de admirar que Biden tenha, por sete meses, adiado convidar Netanyahu à Casa Branca após a formação da última coalizão governamental de Israel.
Repleto de políticos de extrema-direita, a coalizão de Netanyahu é simplesmente um risco para qualquer sistema democrático em qualquer lugar do mundo.
Muitos israelenses concordam, acreditando total ou parcialmente, que seu governo não é mais democrático – devido ao crescente controle de Netanyahu sobre as instituições outrora independentes do país.
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Em meio a tudo isso, Biden está lutando para encontrar o equilíbrio.
“Estou muito preocupado”, disse Biden a repórteres em maio passado. “(Israel) não pode continuar por este caminho, e eu meio que deixei isso claro.”
Este é o mesmo Biden que descreveu como ‘bizarra’ uma proposta do ex-candidato presidencial dos EUA, Bernie Sanders, de reter fundos de Israel devido aos maus tratos aos palestinos.
Washington dá a Israel pelo menos US$ 3,8 bilhões anualmente em ajuda militar. Se a tendência anti-Israel entre os democratas continuar, os pedidos de retenção de fundos podem, no próximo ano, não parecer mais tão ‘bizarros’.
Sob intensa pressão do lobby pró-Israel, em 17 de julho, Biden finalmente convidou Netanyahu para a Casa Branca. A visita, no entanto, considerando a intensificação dos protestos anti-Netanyahu, não deve redefinir o relacionamento entre Washington e Tel Aviv.
Na verdade, mesmo que os protestos diminuam, as relações entre os EUA e Israel não serão as mesmas.
Por mais de uma década, os EUA lentamente, mas inequivocamente, se afastaram do Oriente Médio, em parte por causa dos resultados desastrosos da invasão do Iraque e em parte devido ao crescente poder da China na região da Ásia-Pacífico.
A retirada dos EUA fez soar o alarme em Israel, com políticos israelenses e intelectuais tradicionais pedindo autoconfiança. Isso levou a uma busca implacável de Israel por novos aliados, principalmente no Sul Global.
O sucesso, do ponto de vista de Netanyahu, desta campanha ajudou Israel a se libertar de qualquer compromisso com a agenda dos EUA no Oriente Médio, incluindo o envolvimento no ‘processo de paz’ liderado pelos EUA com a liderança palestina.
Apesar da insistência de Biden, durante sua viagem ao Oriente Médio em julho de 2022, sobre a necessidade de um processo de paz “revigorado”, Tel Aviv não apoiou nem pareceu notar a nova busca de Washington.
Naquela época, Netanyahu nem era primeiro-ministro, pois Israel era governado por uma coalizão de governo sob a liderança do próprio Lapid.
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Enquanto Netanyahu está sendo convenientemente culpado pelos laços cada vez menores, o desligamento de Washington foi, de fato, principalmente uma decisão coletiva e um processo demorado.
Quando, em 10 de julho, o ministro de extrema direita da Segurança Nacional de Israel, Itamar Ben-Gvir, declarou que “o presidente Biden deve internalizar que Israel não é mais uma estrela na bandeira americana”, ele estava apenas reiterando uma frase popular usada por outros antes dele.
Até mesmo Netanyahu recorreu a uma linguagem semelhante quando, em março, disse ao governo dos EUA que Israel é “uma democracia forte, orgulhosa e independente”.
Embora grande parte da autoproclamada “independência” de Israel tenha sido resultado do apoio incondicional dos Estados Unidos, os israelenses dificilmente reconhecem esse fato.
A Diretoria de Cooperação do Ministério da Defesa Internacional de Israel (SIBAT) está constantemente relatando o crescimento das exportações militares de Tel Aviv para o resto do mundo. Essas exportações chegaram a US$ 12,5 bilhões no ano passado. A maior parte dessa tecnologia foi desenvolvida pelos EUA ou em conjunto com os EUA, e grande parte da pesquisa foi financiada por contribuintes americanos.
No entanto, esse senso de ‘independência’ deu a Netanyahu a confiança necessária para abandonar o Partido Democrata em favor dos republicanos mais complacentes.
De sua parte, a nova geração de políticos democratas está vendo Israel, pelo menos a direita israelense, como uma extensão do Partido Republicano, daí a crescente hostilidade contra Israel.
Na análise final, tanto Herzog quanto Lapid estão parcialmente errados: o ‘vínculo sagrado’ é menos sagrado do que nunca e, se os EUA são o aliado mais próximo de Israel ou não, faz pouca diferença, já que é improvável que Israel encontre uma alternativa para o suporte cego de Washington em breve.
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