Nesta sexta-feira (28), líderes africanos reforçaram apelos ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, para avançar com um plano de paz para dar fim ao conflito na Ucrânia e restaurar um acordo para permitir a exportação de grãos ucranianos do Mar Negro, cujo prazo expirou na última semana.
As informações são da agência de notícias Reuters.
Embora não emitam críticas diretas a Moscou, as intervenções, exprimidas no segundo dia de uma cúpula russo-africana em São Petersburgo, foram as mais contundentes por parte do continente até então. O tom renovou a dimensão do impacto da invasão ucraniana na África, sobretudo a crise alimentar.
“A guerra deve acabar”, declarou o presidente da Comissão Africana, Moussa Faki Mahamat. “E a guerra pode acabar somente com base na justiça e na razão”.
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“A interrupção das remessas de grãos e energia devem acabar imediatamente”, acrescentou. “É preciso ampliar o acordo de grãos em benefício da população de todo o planeta; os povos africanos, em particular”.
Em junho, conforme a Reuters, governos africanos passaram a ponderar sobre uma série de medidas em potencial cujo objetivo seria desescalar o conflito, incluindo retirada das tropas russas, remoção de armas atômicas estacionadas na Bielorrússia, suspensão do mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional contra Putin e abrandamento das sanções.
Putin, porém, não demonstrou entusiasmo diante das propostas africanas. Na sexta-feira, o presidente russo alegou que seu regime respeita e avalia as recomendações, mas postergou o debate sobre a Ucrânia para depois do jantar.
O presidente da República do Congo, Denis Sassou Nguesso, insistiu que a iniciativa africana “merece máxima atenção”, ao reivindicar esforços de paz urgentes.
O presidente senegalês, Macky Sall, pediu por uma desescalada. Seu homólogo sul-africano, Cyril Ramaphosa, declarou ter esperanças de que “engajamento construtivo e negociações” possam ajudar a encerrar o conflito.
A onda de apelos levou Putin a ecoar sua defesa da posição russa e a culpabilizar a Ucrânia e o Ocidente pela situação.
“Novas realidades”
Conforme Putin, seu governo está disposto a dialogar, mas é preciso levar em consideração as “novas realidades” em campo.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskiy, rejeitou a ideia de um cessar-fogo que ceda a Moscou o controle de quase um quinto do país e dê a suas forças tempo para se reagrupar após 17 meses de guerra de trincheiras.
O presidente da União Africana, Azali Assoumani, ofereceu algum apoio à posição de Putin, ao afirmar que o líder russo demonstrou disposição, mas que “agora é preciso convencer o outro lado”.
O presidente do Egito, Abdel Fattah el-Sisi, instou Moscou a restaurar o acordo de grãos do Mar Negro, firmado em Istambul entre as partes em guerra, além de Turquia e Organização das Nações Unidas (ONU). O país é um dos mais afetados pela paralisação das remessas.
Putin insistiu, contudo, que a carestia global é consequência de erros políticos do Ocidente que supostamente precedem a guerra na Ucrânia. O presidente repetiu ainda que o Kremlin abandonou o tratado porque os grãos não chegaram aos países mais pobres e porque o lado ocidental se negou a cumprir sua parte da barganha.
Ataques russos a portos e silos levaram a acusações de que Moscou usa os bens alimentares como arma de guerra, ao elevar o preço global de trigo e derivados em cerca de 9%.
Em maio, a Associação de Grãos da Ucrânia alertou que quatro milhões de toneladas cúbicas de grãos locais foram expropriados pela Rússia desde o início de sua invasão militar ao país vizinho, em fevereiro do ano passado.
Na quinta-feira (27), sob pressão para reaver o acordo, Putin prometeu providenciar até 300 mil toneladas de grãos russos gratuitos a seis países africanos. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, no entanto, apontou que um “punhado de doações” não bastaria para conter a crise.
Em tom mais brando, Assoumani concordou com Guterres, ao reiterar a necessidade de um cessar-fogo.
De sua parte, Putin buscou aproveitar a crise para aumentar sua influência na África, contra o que descreve como hegemonia e neocolonialismo do Ocidente e dos Estados Unidos.
Na quarta-feira (26), militares do Níger anunciaram um golpe de Estado em pronunciamento à televisão, ao dissolver a Constituição, fechar as fronteiras e deter o presidente, Mohamed Bazoum, no palácio presidencial. A situação no país pôs bandeiras da França, antiga potência colonial, contra bandeiras russas (pró-golpe) nas ruas.
Apesar dos apelos, muitos líderes africanos agradeceram a tradição de assistência moscovita a seus países, em particular, nas lutas por libertação do século XX.
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A declaração final contou com o compromisso da Rússia de ajudá-los a obter indenização pela colonização e recuperar tesouros nacionais expropriados pelas metrópoles.
Os líderes do Mali e da República Centro-africana, cujos governos recorrem aos serviços do grupo de mercenários russos Wagner, manifestaram gratidão a Putin.
O presidente da República Centro-africana, Faustin Archange Touadera, disse que os laços de seu país com a Rússia lhe ajudaram a salvar a “democracia” e evitar uma “guerra civil”.