Dias depois que o governo do Talibã no Afeganistão anunciou em julho que todos os salões de beleza femininos deveriam ser fechados dentro de um mês, vídeos nas mídias sociais mostraram grupos de mulheres protestando nas ruas de Cabul, bem como em suas casas, com muitos segurando cartazes que diziam : “Pão, justiça, trabalho”.
Desde que assumiu Cabul em 15 de agosto de 2021, o governo do Talibã proibiu meninas e mulheres de frenquentar escolas secundárias, faculdades, universidades e de atuar maioria dos empregos, incluindo trabalhar para as Nações Unidas e organizações não governamentais.
As mulheres afegãs reagiram, tomando as ruas para se opor ao Talibã e movendo seus protestos para dentro de casa e online à medida que as prisões e repressões violentas aumentavam, de acordo com pesquisa do Center for Information Resilience, uma organização sem fins lucrativos.
Organizando-se por meio de grupos de WhatsApp e Telegram, as mulheres afegãs postaram fotos e vídeos dos protestos no Facebook, Instagram e X – anteriormente conhecido como Twitter, chamando a atenção para o agravamento da crise e permitindo que grupos internacionais de direitos humanos documentassem abusos e oposição ao Talibã.
“As imagens de mulheres protestando nas ruas têm sido o fator mais importante para convencer a comunidade internacional a não desviar o olhar”, disse Heather Barr, diretora associada de direitos das mulheres da Human Rights Watch.
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Os protestos internos parecem uma forma valiosa de se expressar, diante dos muito arriscados protestos de rua: “Ainda estamos aqui. Só porque você não nos vê nas ruas todos os dias, não significa que nossa resistência acabou”, disse ela.
Vários dos protestos internos são organizados pelo Movimento dos Sábados Roxos, um grupo de direitos das mulheres que foi formado dois dias após a queda de Cabul e tem centenas de membros.
O movimento transferiu suas manifestações para dentro de casa depois que dezenas de suas integrantes foram detidas e encarceradas, disse a fundadora, Maryam Marof Arwin, ex-âncora de um noticiário de televisão.
“Mesmo transmitindo nossos protestos nas redes sociais, somos insultadas, advertidas e ameaçadas de prisão e morte pelo Talibã e seus apoiadores”, disse ela.
“Mas não vamos desistir de nossa luta para levar os crimes do Talibã aos olhos e ouvidos do mundo”, disse ela à Thomson Reuters Foundation.
Mapeamento de protestos
O Talibã proibiu a internet quando controlou o Afeganistão pela primeira vez no final da década de 1990, mas desde então adotou as mídias sociais para transmitir suas mensagens e atacar os críticos. Eles disseram que planejam atualizar as redes de internet do país para 4G.
Embora o Facebook e o YouTube continuem a bloquear muitas contas do Talibã, os apoiadores do regime são conhecidos por criticar e assediar ativistas dos direitos das mulheres nessas plataformas. Mesmo quando meninas e mulheres lutam com os recursos limitados dos telefones celulares e o acesso precário à internet, o regime as impede a educação e os meios de subsistência.
Isso também tornou mais difícil acessar e verificar evidências online de protestos e violações de direitos no país, disse David Osborn, líder da equipe da Afghan Witness no Center for Information Resilience.
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A Afghan Witness, criada em outubro de 2021, possui um portal onde os cidadãos podem fazer upload de evidências de abuso. Mas muitos dos dados geralmente são coletados por investigadores que monitoram os canais de mídia social e muitas testemunhas estão “com muito medo de fazer upload de imagens de vídeo”, disse Osborn.
Há um “alto nível de informações falsas e enganosas circulando” no país, de modo que fotografias e vídeos nas mídias sociais são verificados e arquivados usando técnicas de código aberto, como geolocalização e cronolocalização, disse ele.
Embora as imagens de protestos internos possam ser mais fáceis de encontrar on-line, elas não podem ser geolocalizadas ou verificadas porque geralmente consistem em apenas uma filmagem gravada, em comparação com manifestações externas que podem ter vários vídeos de participantes e testemunhas, disse Osborn.
Entre 1º de março e 27 de junho deste ano, a Afghan Witness registrou e analisou 95 protestos de mulheres em todo o país, dos quais 84 foram realizados em ambientes fechados, entre os enviados ao Catar, Estados Unidos, China e outras nações.
À medida que os protestos ao ar livre diminuíram, “o número e a distribuição geográfica dos protestos internos parecem estar aumentando, com mais grupos em mais locais”, disse Osborn.
“Esses protestos parecem ter como objetivo mostrar solidariedade dentro da comunidade e aumentar a conscientização sobre a situação das mulheres afegãs com o público internacional, em vez de atingir o público doméstico ou confrontar o Talibã”, acrescentou.
‘Não tenho medo’
Nos visuais dos protestos postados nas redes sociais, mais da metade das mulheres aparecem totalmente cobertas, e cerca de um terço está parcialmente coberta por véu, máscara ou cartaz. Às vezes, uma mulher lê uma declaração de demandas ou queixas.
“A razão para manter o rosto coberto é para que elas não possam ser identificadas pelo Talibã”, disse Arwin, do Movimento dos Sábados Roxos.
“Mas temos várias mulheres que participam de manifestações sem cobrir o rosto para motivar outras mulheres a não terem medo. Eles são da opinião de que, se tivermos medo e ficarmos calados, essa é a maior arma do Talibã contra nós”, disse ela.
Ainda assim, com a crescente repressão, abuso e ameaças dirigidas aos manifestantes, a maior preocupação “não é se os dados dos manifestantes podem ou não ficar mais difíceis de encontrar, mas se as mulheres sentem que não faz sentido continuar compartilhando seu ato de protesto”, disse Osborn.
“As manifestantes podem sentir que suas ações não são vistas.”
Por enquanto, grupos de mulheres se preparam para realizar protestos em 15 de agosto para marcar o segundo aniversário da queda de Cabul, apesar do risco de violência e prisão.
“Estamos protestando menos do que antes nas ruas, apenas para manter as meninas e mulheres seguras. Mas vamos fazer um protesto de rua no dia 15 de agosto”, disse Zholia Parsi, ativista dos direitos das mulheres.
“Em um país onde o mundo inteiro virou as costas para as mulheres, qualquer tipo de movimento não é isento de riscos. É muito difícil, mas temos que lutar… não temos medo.”
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