A eventual expansão do grupo de países emergentes conhecido como Brics, a ser abordada na cúpula do bloco nesta semana, atraiu uma série de candidatos em potencial – desde Irã a Argentina – com um denominador comum: o desejo de recalibrar os campos em disputa da geopolítica global, historicamente favoráveis às potências ocidentais.
As informações são da agência de notícias Reuters.
A lista de reclamações é extensa: práticas comerciais abusivas e sanções; negligência diante das necessidades dos países mais pobres; hegemonia ocidental nos fóruns internacionais – como Organização das Nações Unidas (ONU), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial –; entre outras.
O grupo dos Brics – composto originalmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – promete representar o “Sul Global” estendido e, apesar de turbulências, obteve ressonância na insatisfação sobre a ordem mundial vigente.
Mais de 40 países expressaram interesse em aderir ao bloco, segundo oficiais sul-africanos que receberão sua cúpula entre 22 e 24 de agosto. Mais da metade requereu formalmente sua inclusão à entidade político-econômica.
Entre os países árabes, Argélia, Bahrein, Egito, Kuwait, Marrocos, Palestina, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (EAU) foram citados como possíveis candidatos. Outros solicitantes são Bangladesh, Irã, Cazaquistão, Nigéria, Senegal, Etiópia, Bielorrússia, Bolívia, Argentina, Venezuela, Vietnã, Cuba, Honduras, Indonésia e Tailândia.
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“A demanda objetiva por um grupo como os Brics nunca foi tão grande”, indicou Rob Davies, ex-ministro do Comércio da África do Sul, que ajudou a integrar seu país ao bloco, em 2010. “Os atuais órgãos multilaterais não são lugares onde podemos circular de maneira inclusiva e justa”.
Analistas, contudo, advertem que o histórico dos Brics ainda carece de resultados concretos. Embora abrigue 40% da população e um quarto do produto interno bruto (PIB) do planeta, as ambições do bloco costumam encontrar obstáculos internos.
A Rússia, por exemplo, sofre isolamento e sanções devido à sua invasão militar da Ucrânia. O presidente Vladimir Putin, procurado sob mandado internacional por crimes de guerra, não poderá viajar a Joanesburgo e deve participar do evento por videoconferência.
“É possível que as expectativas e promessas sobre o que uma adesão aos Brics pode de fato entregar sejam excessivas”, advertiu Steven Gruzd, pesquisador do Instituto Sul-africano de Assuntos Internacionais.
Um mundo emergente e descontente
Embora os Brics não tenham divulgado a lista de candidatos, diversos governos expressaram publicamente seu interesse.
Irã e Venezuela, ostracizados por sanções, buscam fugir do isolamento e encontrar no bloco alívio para suas respectivas crises econômicas.
“Outros quadros de integração existentes são obscurecidos pela visão hegemônica imposta pelo governo dos Estados Unidos”, comentou à agência Reuters Ramón Lobo, ex-ministro das Finanças e ex-chefe do Banco Central da Venezuela.
Estados do Golfo, como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, veem os Brics como canal para um papel mais proeminente nos órgãos internacionais.
Candidatos africanos, como Etiópia e Nigéria, são seduzidos pelas promessas de reforma na Organização das Nações Unidas (ONU), que poderiam dar voz ao continente historicamente marginalizado e suas agruras.
Outros países, como a Argentina, esperam mudanças ou mesmo independência em relação à Organização Mundial do Comércio (OMC), ao FMI e ao Banco Mundial. “Buenos Aires pede insistentemente por uma nova arquitetura financeira global”, afirmou um oficial do governo envolvido com as negociações para adesão aos Brics.
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A Argentina, porém, deve enfrentar uma eleição presidencial acalorada em 22 de outubro, disputada pelo governista Sergio Massa, ministro da Economia do atual governo de Alberto Fernández; Patricia Bullrich, candidata da direita liberal; e pelo populista de extrema-direita, Javier Milei, que ganhou as primárias em 13 de agosto.
‘Muita conversa, pouca ação’
As posições públicas dos Brics e de seus respectivos chefes de Estado refletem grande parte das preocupações supracitadas. O bloco parece avançar, no entanto, como um contrapeso ao Ocidente hegemônico, em particular sob uma série de tensões e disputas entre Estados Unidos e China.
Neste contexto, ampliar o bloco pode conceder maior lastro a seus membros originários e seus novos parceiros. Às vésperas da cúpula, não obstante, carências dos Brics parecem vir à tona. Em uma conjuntura geopolítica volátil, benefícios tangíveis ainda são incertos.
O triunfo mais concreto do bloco, o Novo Banco de Desenvolvimento – ou “Banco dos Brics”, chefiado pela ex-presidente brasileira Dilma Rousseff – enfrenta obstáculos de crescimento devido às sanções ocidentais contra a Rússia, membro fundador da instituição.
Países menores à espera de benesses econômicas de curto prazo devem olhar à experiência sul-africana, advertiu Gruzd. Apesar do aumento constante no comércio com os Brics desde 2010, os índices se concentram em importações de Pequim, à medida que o bloco equivale ainda a apenas um quinto do total de transações bilaterais da África do Sul.
Brasil e Rússia, juntos, absorvem apenas 0.6% das exportações sul-africanas. No último ano, o déficit de comércio sul-africano com seus parceiros dos Brics quadruplicou, ao alcançar as taxas de US$14.9 bilhões comparado a 2010.
Segundo analistas, tais reveses – dentre os quais, a guerra russo-ucraniana e a instabilidade política no Sul Global – podem fazer hesitar tanto candidatos quanto votantes.
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