Derna, cidade localizada no leste da Líbia, devastada pelas enchentes nesta semana, esteve particularmente vulnerável à catástrofe após uma década de instabilidade e confrontos, ao impossibilitar investimentos fundamentais em infraestrutura.
As informações são da agência de notícias Reuters.
Derna foi destruída pelas chuvas causadas pela tempestade tropical mediterrânea Daniel, que causaram a ruptura de duas represas. A enxurrada tomou o centro da cidade na manhã da segunda-feira (11) e varreu bairros inteiros rumo ao mar.
Especula-se que estruturas precárias e decisões equivocadas das autoridades contribuíram ao desastre e seu alto índice de mortos — estimado em milhares de pessoas. Entretanto, os riscos iminentes à cidade foram difundidos muitos antes do ciclone.
Um artigo acadêmico de 2022 alertou que as recorrentes inundações na região ameaçavam as barragens construídas em um wadi — leito de rio frequentemente seco —, de modo que sua manutenção já seria urgente.
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“Caso ocorra um dilúvio”, escreveu o hidrólogo Abdelwanees Ashoor, da Universidade Omar al-Mukhtar, da Líbia, “o resultado será catastrófico tanto às comunidades ribeirinhas quanto à cidade como um todo”.
Residentes, cuja confiança nas autoridades se erodiu após anos de conflitos, reportaram que a resposta à tempestade foi, no mínimo, confusa. Algumas áreas receberam instruções para evacuação; a população, porém, não acatou, relatou o morador Mustafa Salem.
A Líbia não tem um governo com alcance nacional desde 2011, quando um levante popular culminou na queda do longevo ditador Muammar Gaddafi.
Facções rivais disputam o país; cidades e comunidades são instigadas umas contra as outras; recursos do Estado sofrem com desvios e corrupção.
Desde 2014, o país é dividido entre duas administrações rivais situadas no leste e oeste do país. Apesar de um cessar-fogo firmado em 2020 e alguns esforços para unificar o Estado, a Líbia permanece dividida politicamente.
No fogo cruzado entre disputas nacionais e regionais, “parece que Derna é uma das cidades menos equipadas para reagir a tamanha tragédia”, alertou Tim Eaton do think tank Chatham House, sediado em Londres.
Poucas localidades na Líbia emergiram incólumes do conflito, mas Derna foi particularmente afetada desde 2014, após ser capturada pelo grupo terrorista Estado Islâmico (Daesh), cujos militantes depuseram movimentos jihadistas rivais.
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Quando o comandante oriental, Khalifa Haftar, do chamado Exército Nacional da Líbia (ENL), tomou controle de Derna, em 2019, muitos residentes relataram punição a correligionários islâmicos e pessoas comuns, destacou o analista Jalel Harchaoui.
O relacionamento tenso entre Derna e o governo em Benghazi veio à tona com o adiamento de eleições municipais pelas autoridades orientais, após supostos confrontos entre ativistas pró-Haftar e seus oponentes.
“Em Benghazi, Derna é vista como fonte de problemas”, observou Harchaoui.
Faccionalismo e corrupção
Divisões nacionais contribuíram para a crise em Derna. Estados estrangeiros reconhecem o Governo de União Nacional sediado em Trípoli, mas negam a autoridade da gestão oriental, que estabeleceu um parlamento próprio em Benghazi.
Embora muitos regimes tenham contato com Haftar, as divisões na Líbia implicam em níveis discrepantes de oficialidade no que diz respeito a questões nacionais, incluindo ajuda.
Há, no entanto, algumas instituições que transcendem a divisão política. O Banco Central em Trípoli paga os salários do funcionalismo público e algumas agências do Estado atravessam as trincheiras, mesmo em momentos de escalada.
O cessar-fogo de 2020, após a mais recente onda de confrontos diretos, encerrou restrições de viagem. Cidadãos líbios podem viajar de carro ou avião entre Trípoli e Benghazi.
Contudo, facções orientais queixam-se há tempos de que não recebem sua justa fração dos abundantes recursos de petróleo do país norte-africano. Embora Trípoli alegue direcionar o capital à reconstrução nacional, há pouco desenvolvimento evidente na região leste.
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O Supremo Comitê de Finanças, criado neste ano com membros de ambos os lados do país, tem como intuito garantir a distribuição proporcional das riquezas. Residentes, no entanto, alertam para as ameaças da corrupção endêmica.
Líderes faccionários costumam negar o desvio de recursos, mas trocam acusações com seus homólogos rivais.