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A Biblioteca dos brasileiros para o mundo

Dona de um dos maiores acervos do mundo, a Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, tem projetos de divulgação e promoção a partir dos livros, com entrega de exemplares em diversos países e até na Antarctica. Programa de tradução tem entre os árabes alguns dos principais interessados.

29 de setembro de 2023, às 14h41

Empossado como presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) em maio, mas nomeado em janeiro, o poeta, ensaísta, tradutor e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) Marco Lucchesi

Instituída em 1810, pouco depois da chegada da corte portuguesa ao Brasil, a Biblioteca Nacional, no Centro do Rio de Janeiro, é, hoje, dona de um dos dez maiores acervos de bibliotecas do mundo. Esse arquivo, que ultrapassa o universo dos livros e se estende por mapas, jornais e selos, entre tantas outras coleções, vai estar cada vez mais na internet e a serviço dos brasileiros e dos estrangeiros.

Empossado como presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) em maio, mas nomeado em janeiro, o poeta, ensaísta, tradutor e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) Marco Lucchesi  tem o objetivo de, nos próximos anos, “aprofundar no imaginário dos brasileiros” a importância da instituição para o Brasil e ampliar a presença da Biblioteca Nacional para além das fronteiras do País. “Temos grandes riquezas que pertencem ao planeta Terra e precisamos disponibilizá-las”, diz. Esse patrimônio, de fato, já está a serviço do mundo, como deseja Lucchesi, que presidiu a ABL entre 2018 e 2021.

Em acordo recente celebrado com a Marinha do Brasil, a FBN irá enviar publicações suas ou com as quais tenha contribuído para bibliotecas nacionais de outros países à medida que embarcações brasileiras atracarem em portos internacionais. A Estação Antártica Comandante Ferraz é uma das contempladas por este serviço. Uma renovação de acordo com a Biblioteca Nacional da Argentina, um novo acordo com a Biblioteca Nacional de Cuba, em Havana, e parceria com as instituições similares da África também estão em curso para diversas atividades.

A relação com os países árabes é longa. A FBN é guardiã de um acervo de jornais e impressos que os imigrantes árabes produziam no Brasil. Parte desta coleção já está digitalizada. “São escritos em árabe clássico e popular, o que é muito importante. Quando são bilíngues, são um laboratório da própria tradução, a forma como se apropriam das palavras. Eles (os jornais árabes) se conversam com outros jornais igualmente de outras línguas publicados no Brasil, o que demonstra mais uma vez a biodiversidade do nosso País”, diz. “O que os imigrantes trazem, independentemente de uma condição de vida melhor, é a construção de uma utopia e o desejo de dar concreção a essa utopia. E os jornais mostram muito isso”, afirma o presidente da FBN.

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Conhecedor da cultura e estudioso da língua árabe, Lucchesi já esteve no Líbano, onde visitou os campos de Sabra e Chatila, que foram alvo de um ataque em 1982, uma experiência que ele relata no livro “Os olhos do deserto”. Também foi ao Egito, onde conheceu o Nobel de Literatura Naghib Mahfouz (autor, entre outros, de “Noite das mil e uma noites” e dos volumes da “Trilogia do Cairo”), assim como também conheceu o poeta sírio Adonis. “A literatura é o exercício máximo da empatia, é a chave que nos leva a compreender o diferente”, diz ao recordar que ainda menino se encantava com os caixeiros viajantes de origem árabe que via na rua.

Os caminhos da FBN se entrelaçam aos países e à cultura árabe também por meio do Programa de Apoio à Tradução e à Publicação de Autores Brasileiros no Exterior. Entre os autores traduzidos para as nações do Norte da África e do Oriente Médio, há desde contemporâneos, como Ana Maria Machado com a obra “Infâmia”, lançada no Egito, até clássicos, como Machado de Assis, com “Dom Casmurro”, também no Egito. Dois Irmãos, de Milton Hatoum, por sua vez, foi traduzido e lançado no Líbano.

“O que foi produzido no laboratório da Andaluzia foi depois repensado pelos intelectuais árabes aqui no Brasil que consideravam aqui como essa nova Andaluzia. Com o renascimento da literatura árabe, que passa por São Paulo, também pelo Rio de Janeiro, os autores brasileiros de origem árabe brilham no Brasil e fora”, afirma. “Há um imaginário construído nesta nova Andaluzia que ficou em muitas obras literárias importantíssimas do século 20, para o mundo árabe, pensada a partir da migração, da presença sobretudo aqui no Brasil e na América Latina como um todo. Por outro lado, o Brasil tem uma força, uma diferença que são as línguas aqui praticadas, a diversidade realizada em nosso território e a alta qualidade da literatura brasileira que nos últimos anos se ampliou de forma fantástica”, diz.

Lucchesi afirma que a Biblioteca Nacional tem objetivos e necessidades, como se tornar cada vez mais digital, em razão do número de acessos pela internet, que aproximam dos 100 milhões, precisa de mais “braços” para executar as tarefas da instituição e mais investimentos. Parte deles já começaram a chegar, com o aporte de R$ 22 milhões pelo Ministério da Cultura para ampliação do prédio anexo da instituição.

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“A Biblioteca Nacional está entre as dez mais importantes bibliotecas segundo a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em termos de qualidade intrínseca, da riqueza que ela abriga. E, portanto, a grande tarefa é aprofundar no imaginário brasileiro o espaço importante da Biblioteca Nacional. Ela é de todos, ela é para todos, ela é aberta”, afirma.

Ele diz que há o objetivo de que a Biblioteca Nacional seja, para a sociedade brasileira, “um espelho” de forma que ao olhar para ele, ninguém se sinta excluído. Como parte desta iniciativa, estão ampliar a memória dos quilombos, as línguas indígenas e fotos de aldeias. Em agosto, foi depositada na instituição a primeira tradução da Constituição para uma língua originária, o nheengatu, língua amazônica originária do tupi. A cerimônia contou com a então presidente do Supremo Tribunal Federal, a ministra Rosa Weber, primeira visita de um chefe do Judiciário à instituição em cem anos.

“Acreditamos que a BN tem uma tarefa de levar adiante a diplomacia do livro, realizar uma espécie de geopolítica da paz e mostrar que o Brasil pode neste momento participar do concerto das nações a partir dos seus grandes valores culturais”, conclui Lucchesi.

Publicado originalmente em Anba