Diários de Gaza

Uma criança palestina ferida é vista após ataques aéreos israelenses no campo de refugiados de al-Shati, na Faixa de Gaza, em 9 de outubro de 2023 [Ali Jadallah/Agência Anadolu]

Atualização: 22 de outubro de 2023

Uma mensagem de hoje faz lembrar do encontro com o W. na viagem à Palestina em janeiro de 2023:

Saímos de Ramallah para conhecer outra região na Palestina. Pegamos uma van e conhecemos W. Durante o trajeto, conversamos sobre nossas culturas. Ele é curioso e estava feliz em ver estrangeiros conhecendo outras partes da Palestina. Israel faz uma campanha forte para impedir que turistas conheçam os palestinos, rotulando-os como “terroristas”. Continuamos nossa conversa e, ao chegarmos ao nosso destino, ele nos convidou para comer e beber chá com ele. Aceitamos o convite e comemos na rua, onde ele insistiu em pagar a conta. Em seguida, nos convidou para conhecer sua casa, e aceitamos de sem pensar. Ao chegarmos, sua mãe já nos aguardava com suco e chá. Sentamos na sala e conversamos por um tempo. Ela nos mostrou fotos de seus outros filhos e me convidou para conhecer sua casa. Após um tempo, seguimos para visitar uma mesquita e ver os postos de controle que cortam a cidade. Em um momento, tivemos que nos separar, pois mesmo na parte Palestina, os israelenses estavam presentes com metralhadoras, restringindo a liberdade de movimento dos palestinos. Eu olhava para ele e pensava no meu filho, que tem a mesma idade, e como ele pode andar livremente pelo Brasil, sem ser oprimido em sua própria cidade, sem ver a ocupação sionista se espalhando por toda a cidade. Mesmo diante de todas essas adversidades, ele continuava a sorrir e demonstrava orgulho por seu povo.

Nos últimos dias, temos mantido contato, e hoje ele me enviou a seguinte mensagem:

“As crianças na Palestina não têm confiança no futuro. Para elas, o futuro é incerto – pode ser marcado por balas que ferem nossos corpos ou bombardeios que destroem nossos sonhos. Nossa vida se torna um inferno. Queremos que o mundo preste atenção a nós com toda a sua força. Não buscamos dinheiro ou ajuda, apenas queremos que a ocupação termine para que possamos viver em liberdade e permitir que as crianças vivam como qualquer outra criança no mundo. Desejamos a paz e queremos viver sem ocupação, e a terra deve ser devolvida a nós. Nossas contas de mídia social estão ocultas, e nos comunicamos uns com os outros através do Telegram.” W. 22 de outubro de 2023

Quando me perguntam por que estou compartilhando imagens desse massacre em minha rede social, ele e sua família são uma das razões. Ele é apenas um jovem que deseja ser ouvido. (Diana Emídio)


 

Atualização: 12 de outubro de 2023

Oi gente, aqui é Shahd novamente. Hoje é o sexto dia da guerra na Faixa de Gaza, 12 de outubro de 2023. Somos 30 brasileiros aqui na Faixa de Gaza, aguardando resgate, dois brasileiros desistiram do resgate, então ainda temos 28 brasileiros aguardando. A situação está piorando a cada dia. Olá, agora temos um ataque acontecendo à nossa frente. Minha irmã e eu estamos com muito medo, queremos sair daqui o mais rápido possível.


 

Atualização: 11 de outubro de 2023

Oi gente, eu sou Shahd, sou brasileira e moro na Faixa de Gaza. Hoje é 11 de outubro de 2023, é o quinto dia da guerra aqui na Faixa de Gaza. Hoje a situação está muito pior do que nos dias anteriores. Eles atacaram um bairro inteiro, já não tem nada, só casas destruídas. Eles estão atacando em todo lugar. Está cheio de fumaça por toda parte. Aqui só estou vendo fumaça, o cheiro da fumaça é a pior coisa que você pode imaginar. Eles estão usando armas proibidas internacionalmente.

Já pedi ajuda a amigos. Nessa guerra, faz 5 dias que as pessoas estão sem luz, água e quase sem comida. Muitas pessoas foram para as escolas, mas elas também não têm luz, água nem nada. A situação está muito difícil. Os israelenses estão atacando casas sem avisos. Ontem eles avisaram que iriam atacar um bairro inteiro, mas atacaram outro bairro e muitas pessoas morreram. Estão usando armas que são proibidas internacionalmente. A situação aqui está muito pior, gente.

Há quatro dias, tivemos que sair de casa, pois onde eu morava havia muitos ataques. Somos mais de 20 pessoas em um único quarto, só estamos tentando sobreviver. Onde estou agora, em qualquer lado que olho, há ataques. Na minha frente, atrás de mim, onde quer que olhe, só há ataques. Está vindo mais, é terrível. E depois você ouve as pessoas falando que somos terroristas, né? Engraçado, nós somos inocentes, iguais a vocês! Não temos culpa!

Meu Deus, até os gatos, até os bichinhos sofrem também, igual a nós. Todo mundo sofre, ataques, ataques, ataques. Mas mais para lá, acabaram de atacar, muito cheio de gente. Estão atacando aquele bairro que eles avisaram que atacariam ontem, mas começaram a atacar hoje. Muita gente está morrendo. Consigo ouvir as casas caindo. Isso é terrível, gente, ataques em todo lugar. A fumaça está saindo daqui, não dá para ver o sol. Está ficando escuro. Meu Deus, é terrível, é muito ruim.

Agora, estou com medo de ser atacada também, só queria compartilhar isso.


 

Atualização: 11 de outubro de 2023

Na quarta noite dos ataques, os aviões iniciaram bombardeios em áreas próximas à nossa casa de uma maneira intensa e devastadora, quase como se fosse uma torrente de fogo. Investiram em áreas completas para infligir o máximo de vítimas e prejuízos. As vítimas clamavam por ajuda, e os gritos ecoavam de todos os lados, contudo, ninguém ousava se apresentar para socorrê-las. As horas passaram, a noite se desenrolou, e o resto do mundo permanecia alheio a tudo que acontecia. Finalmente, os bombardeios cessaram, e o silêncio retornou, como se um monstro tivesse abandonado o local. Com a chegada do amanhecer, pôde-se ver as casas em ruínas e árvores derrubadas. As almas daqueles que perderam a vida seguiram para o além, enquanto seus corpos eram sepultados no mais absoluto anonimato, sem que ninguém soubesse das dores e do ódio que experimentaram durante aquela terrível noite.


Atualização: 10 de outubro de 2023

Meu nome é Shahs, sou brasileira e moro aqui na Faixa de Gaza. O prédio em frente a mim era de três andares, e agora só restam escombros. Eles atacaram este prédio ontem. Da janela da casa em que estou, vejo os ataques, e no fundo há muita fumaça. Estou com um pano na minha boca por causa do gás de fósforo, está muito difícil respirar. Estou na casa da minha tia; saímos de casa há quatro dias porque a nossa casa foi atacada e tivemos que fugir. Estou em um quarto com mais de 20 pessoas, e estamos sem luz há dias, e sem água há três dias.

Estou conversando com as minhas amigas aqui, e perdi uma amiga também; ela faleceu esta tarde. O céu está vermelho, a casa está cheia de fumaça, tornando a respiração difícil. Queríamos sair de casa, mas infelizmente não temos para onde ir; temos medo de ir para uma escola e sermos alvo de um ataque.

As pessoas em Gaza estão passando por uma situação terrível. Muitos lugares são atacados sem aviso, e civis inocentes também estão sendo atingidos sem aviso prévio. Eles não têm culpa; não fizeram nada para serem atacados e estão morrendo assim. Muitas crianças e mulheres estão sofrendo. Não há lugar seguro para onde ir, sem água, sem luz, sem abrigo. Além disso, estão usando armas proibidas internacionalmente para cometer genocídio. O mundo pode pensar que a resistência é terrorista, mas a realidade é que são um exército que está defendendo sua casa e sua terra.

As pessoas que vivem aqui em Gaza não são terroristas, pelo amor de Deus, somos seres humanos normais. Eu costumava morar no Brasil, também sou uma brasileira comum. Estes dias estão me deixando desesperada, e ninguém está me controlando, nem o Hamas nem ninguém. É sério!

É bom ouvir pelo menos que alguém acredita em nós agora. Vou me despedir por enquanto, pois meu celular tem apenas 3% de bateria. Se eu sobreviver, poderemos falar novamente, e se eu conseguir voltar ao Brasil um dia, espero te encontrar.


 

10 de outubro de 2023

Hoje é o quarto dia de guerra em Gaza. Desde a manhã, aviões de guerra têm atacado incessantemente. As crianças, que não dormem há muito tempo, acordam exaustas e apavoradas a qualquer hora da noite. Enquanto você se senta, tentando ouvir o rádio no meio dos estrondos dos aviões sobrevoando, você percebe de forma assombrosa o som das bombas. O local inteiro treme, assim como seu próprio corpo. Você volta sua atenção para o rádio, desesperado para saber onde esses bombardeios estão ocorrendo. Internamente, você súplica para não estar dentro de uma casa quando a próxima bomba cair, mas, apesar de tudo, as bombas continuam a cair, e as crianças choram, as mulheres gritam. Você procura freneticamente por sinais de fumaça do lado de fora da casa e olha para os vizinhos, que buscam abrigo nas casas uns dos outros, enquanto os aviões monitoram tudo do céu.

À medida que a noite se aproxima, seus batimentos cardíacos aceleram, e o medo cresce, pois a noite promete ser longa, com mais bombardeios, construções desabando e crianças chorando incessantemente. Esse temor é refletido nos olhos das mulheres da comunidade. Não há luz, não há água. Todos vivem mergulhados nesse terror. A escuridão da noite se intensifica, acompanhada pelo som ensurdecedor dos aviões e pelo desabamento de casas com pessoas presas dentro delas. Em meio a tudo isso, você pensa: “Agora, seremos os próximos.” Escrevo estas palavras porque vi meu irmão chorar. O que está acontecendo no bairro é um quadro de mais mulheres chorando, pessoas correndo de um lado para o outro e todos aguardando ansiosamente por informações trazidas pelas pessoas que se aventuraram a sair.

Estou aqui, olhando pela janela, na expectativa de saber se é a nossa vez que está chegando. O medo permeia tudo, dentro de casa, nas ruas, e a incerteza domina. As pessoas saem com seus vizinhos e se unem a outros pelo caminho, saindo juntos, sem rumo definido, sem saber quando poderão retornar ou onde encontrar segurança. Por que tanta violência?

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