O economista Santiago Peña, 44 anos, tomou posse na terça-feira 15 de agosto como novo presidente do Paraguai, apoiado pela máquina conservadora mais bem lubrificada da região, o Partido Colorado, que está no poder há 71 anos quase sem interrupções, entre a democracia e o ditadura. Peña, vindo do sistema financeiro, governará sob a sombra de seu mentor político, o ex-presidente do Paraguai Horácio Cartes, declarado “significativamente corrupto” pelos Estados Unidos.
Depois de deixar a gestão do Banco Basa, propriedade da família Cartes, Peña venceu as eleições de 30 de abril com a promessa de criar meio milhão de empregos num país de sete milhões de habitantes. Peña prometeu novamente no seu discurso de posse em frente ao Palácio do Governo do século XIX de Assunção, capital deste país sem litoral, espremido entre Brasil, Argentina e Bolívia. O Paraguai tem um terço da sua população na pobreza, 60% com empregos informais e mais de dois milhões de pessoas vivendo no exterior.
As duas frentes eleitorais mais fortes são o já citado Partido Colorado (cuja denominação formal é Associação Nacional Republicana) e a Concertação para um Novo Paraguai (liderado pelo mais tradicional partido opositor, o Partido Liberal Radical Autêntico, o PLRA). A legenda histórica da ditadura do general Alfredo Stroessner (no poder de 15 de agosto de 1954 a 3 de fevereiro de 1989) ganhou por por 42,7 por cento dos votos, derrotando o adversário Efraín Alegre (da coalizão Concertación para un Nuevo Paraguai), que obteve 27,4 por cento. O terceiro colocado foi o ex-senador e cidadão nascido e criado nos EUA, chamado Paraguayo Cubas. A extrema direita que desacreditou o resultado eleitoral obetêve 22.91 % e, como sempre ocorre na era Trump, contestou as urnas e alegou fraude.
Nas eleições paraguaias, em turno único e pleito simultâneo estavam em disputa os seguintes cargos: 1 Presidente e Vice-Presidente, 45 Senadores, 80 Deputados, 17 Governadores e 257 representantes nas assemebleias estaduasi (que no Paraguai são chamados de departamentos). O período de mandatp das pessoas eleitas vai de 15 de agosto de 2023 a 15 de agosto de 2028.
Peña, ex-empregado do amigo do sionismo
Voltando ao perfil e as lealdades do presidente eleito, é importante observar esta vinculação. O Banco Basa pertence a família do ex-presidente Horacio Cartes (2013-2018) componente da oligarquia que controla o país. Em julho de 2022 o embaixador dos EUA no Paraguai considerou Cartes como “corrupto”. É curioso a posição dos Estados Unidos, considerando que o ex-mandatário é muito próximo de aliados da Superpotência como Israel e o ex-presidente argentino Mauricio Macri.
A decisão dos EUA baseia-se na participação de Horacio Cartes em atos “significativos” de corrupção. Segundo o Departamento de Justiça estadunidense: “Esta designação torna, de modo geral, Cartes e seus familiares imediatos, Juan Pablo Cartes Montaña, Sofía Cartes Montaña e María Sol Cartes Montaña, inelegíveis para entrar nos Estados Unidos.”
Afirmam que tais ações “minaram a estabilidade das instituições democráticas do Paraguai”, contribuindo para a percepção pública de corrupção e impunidade dentro do gabinete do presidente do Paraguai. Apesar da prepotência imperial de sempre, chama atenção que o governo Biden acusa diretamente a um aliado de Israel, logo, aliado dos Estados Unidos. Por mais que existam tensões entre Washington e Tel Aviv sob governo Netanyahu, não é nada comum essa tensão explícita.
Os Estados Unidos afirmam que o governo de Cartes operou estabelecendo um espaço reservado para o desenvolvimento da cadeia econômica do narcotráfico, incluindo o ciclo completo (produção ou refino, embalagem, transporte e distribuição em mercados externos). Se o presidente Santiago Peña – que operou a derrota do setor vinculado a outro ex-mandatário, Mario Abdo Benítez na interna do Partido Colorado – quiser alguma aproximação concreta com a administração Biden, vai precisar se afastar de seu padrinho político. O clã Abdo – de origem árabe – representa outra parte da oligarquia nacional, mas é de fato distante das operações sionistas e nunca se colocou como aliado estratégico do Apartheid Colonial na Palestina Ocupada.
Falando da prepotência imperial, ao mesmo tempo em que os Estados Unidos acusam corretamente Cartes de ser próximo de Netanyahu (e também do ex-presidente da Argentina, o empresário do setor financeiro Mauricio Macri), gera uma típica desinformação. Vejamos. Sustentam que teriam provas do envolvimento recentemente documentado de Horacio Cartes com organizações terroristas estrangeiras e outras entidades assim designadas pelos EUA, o que “mina a segurança dos Estados Unidos da América contra o crime transnacional e o terrorismo e ameaça a estabilidade regional”. Deste modo, aproveitam a correta caracterização de Cartes como corrupto, aliado de operadores do mercado ilegal do dólar (como o doleiro sionista brasileiro Darío Messer, preso no Brasil) também fazem uma chantagem de promover bloqueios e sanções ao conjunto do povo paraguaio, conforme aumentar a pressão das comunidades árabes residentes ao longo das fronteiras com Argentina e Brasil.
Paraguai, país interior e com desafios permanentes
O Paraguai como país é muito interessante, considerando sua condição continental. Se trata de um Estado bilíngue, onde mais de 87% da população fala o guarani, língua de tradição oral que se transmite de geração em geração há 500 anos, sem perder a força. Também é preciso levar em conta o uso do jopara, a combinação do guarani e Castelhano. Apesar da Guerra da Tríplice Aliança – ou a Guerra Guasú – a chacina patrocinada pela Inglaterra, operada pelo Império brasileiro e secundada por Argentina e Uruguai, o Paraguai conseguiu recuperar sua população masculina, alvo de extermínio pelos comandos militares dos países rivais.
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A obsessão paraguaia – o livre trânsito pelas hidrovias na busca da saída ao mar – segue sendo motivo de tensões com a vizinha Argentina. Já a pressão interna se dá nas lutas do campo, onde camponeses e indígenas confrontam com o modelo do agronegócio – o mesmo que incide no interior argentino e brasileiro – e com a presença de “brasiguaios”, favorecidos na ditadura do general Alfredo Stroessner (1954-1989) e detentores de terras públicas desde então. A luta no campo é uma tensão permanente e pode implicar em risco real de vida para trabalhadores do campo.
Em junho de 2012 houve o mais recente golpe de Estado, quando nos chamados Campos do Morumbi, camponeses foram assassinado a luz do dia ao reclamar a posse legal de terras públicas. Neste mesmo mês, em um processo que durou duas horas de sessão do parlamento paraguaio, o então presidente e ex-bispo Fernando Lugo (de centro-esquerda, representante da Frente Guasú, a Frente Grande) foi destituido do poder.
A lei paraguaia determinava até 2021 que as terras públicas deveriam ser distribuídas às famílias que as trabalhavam. Esta norma foi tornada ilegal graças ao governo do político colorado Mario Abdo Benítez (2018-2023), que também é filho do secretário particular de Stroessner.
Apontando algumas conclusões
O poder político foi ocupado provisoriamente por Federico Franco, sucedido pelos já citados Horacio Cartes, Mario Abdo e recentemente, Santiago Peña. Se tratam de grupos e redes de oligarcas na interna do Partido Colorado controlando as atividades legais e em parte, administrando as cadeias econômicas ilícitas do país. No Paraguai a instabilidade pode se dar de forma relativamente simples e de acordo com a capacidade de mobilização social, a oligarquia dominante se quebra no meio e pode tirar a capacidade de governo.
A administração Peña aposta no Mercosul mas também na mobilização interna em torno de causas sensíveis. Em termos de imagem pública, tenta se afastar de seu padrinho político. Já na tomada de decisões e projetos políticos, se parece muito a Cartes.
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