A mídia hegemônica brasileira se alinha ao discurso sionista

Os principais grupos de mídia brasileiros estão mais alinhados do que durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) e reproduzem a posição pró-Israel. Os conglomerados de comunicação estavam divididos apoiando ou criticando o governo protofascista de Jair Bolsonaro (um aliado estratégico de Netanyahu) e apoiador incondicional do Estado sionista. No período de 2019 a 2022, podemos afirmar que as Organizações Globo, Grupo Folha, o conservador O Estado de São Paulo e até o Grupo Abril estiveram na oposição ao governo com mais militares na história do Brasil. Já as redes de televisão Record, SBT e Rede TV se alinharam incondicionalmente com a administração de neoliberais e neofascistas. O Grupo Bandeirantes tinha alguma equidistância. Passados dez meses da posse de Lula, a uniformidade retoma a antiga dinâmica do início do século XXI. Diante de um genocídio palestino à vista, de forma quase totalizante, terminam se comportando como os meios de comunicação estadunidenses.

[Latuff]

A tendência ao uníssono foi imediata já nas primeiras horas de sábado 07 de outubro. Ao determinar a terminologia “terrorista” para o Hamas e descontextualizar as condições reais de existência em Gaza e na Cisjordânia, a mídia brasileira se posiciona no “conflito”, sem sequer denominá-lo de assimétrico. Diante de uma “ameaça contra o aliado sionista”, nas primeiras 48 horas após o início da Operação Dilúvio em Al Aqsa, abandonam qualquer vestígio de jornalismo e reproduzem propaganda de guerra. Os grandes portais e emissoras de televisão acima citados – incluindo canais 24 horas de notícias, como Globonews, Band News, Record News e a versão brasileira da Fox News, a Jovem Pan, só abriram espaço crítico ao sionismo por pressão da sociedade civil organizada. Em termos de visibilidade midiática, as forças pró-Palestinas no Brasil estavam muito marginalizadas.

Podemos comparar com o que ocorre nas editorias de economia. As escolas de ciências econômicas têm maioria de pensamento heterodoxo e neokeynesiana. Já na opinião publicada, um receptor mediano pode confundir a economia de um país e finanças públicas com o receituário típico das mais vulgares business schools. Nos temas do Oriente Médio ocorre o mesmo. São mais de trinta grupos de pesquisa nas vigorosas e respeitadas universidades públicas brasileiras. Nos cursos de relações internacionais, a visão crítica ao sionismo é majoritária e hegemônica. Na difusão midiática, é como se estivéssemos em Guerra Fria e os grupos de comunicação reprodutores da Voice od America. Outro fator do absurdo é uma propaganda sionista disfarçada de jornalismo – ou através de um mau jornalismo, que mais desinforma do que informa – mesmo dentro de um país tmais de 16 milhões de descendentes árabes – e alguns em posições-chave do poder. O valor do contraditório e a posição do povo palestino só foi transmitida – em evidente inferioridade – graças aos esforços das organizações pró Palestina.

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Outro tema pouco difundido fora do Brasil é a composição da classe dominante nacional e a presença árabe. Existe uma absoluta assimetria na indústria da informação e a formação da elite dirigente no país. Apesar do governo Lula ter o primeiro escalão de sua equipe econômica composta por árabe-descendentes, como o ministro da Fazenda (Fernando Haddad), o vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio (Geraldo Alckmin) e a ministra do Planejamento (Simone Tebet), a visibilidade da Causa Palestina e a exposição contextualizada de uma ocupação com mais de 75 anos não é sequer explicada. Diante daquilo que foi denominado de “cerco midiático” e “normalização do genocídio” a reação das entidades árabes e palestinas foi imediata. Os poucos espaços de  alinhamento pró Palestina foram resultado de conquista e pressão social e não baseados em critérios de noticiabilidade.

Em todo o espectro midiático brasileiro, dos grupos econômicos mais à direita até a hegemonia da indústria – onde se orgulham de ter algum critério jornalístico – cada linha escrita ou narrada levando em conta o drama do povo palestino foi fruto de demandas por direito de resposta e pressão intensa através de campanhas nas redes sociais. Isto prova duas evidências. Primeiro, a capacidade do lobby sionista, dos seus aliados neopentecostais (um em cada três adultos brasileiros é adepto de alguma seita cristã conservadora) e da pressão da embaixada dos EUA para se reunir com redações jornalísticas que funcionam como porta-vozes não oficiais do Apartheid Sionista. Segundo, é possível contrapor a hegemonia da mídia pró ocidental, desde que uma parte da reivindicação sejam os critérios de alto padrão jornalístico. Coube às instituições sociais e políticas árabes e palestinas radicadas no Brasil ratificar a necessidade dos critérios de noticiabilidade, exigência do contraditório, valor notícia e prioridade da agenda.

No limite do modelo de propaganda 

O doutor Salem Hikmat Nasser, é professor de direito da prestigiada Fundação Getúlio Vargas (FGV, filial de São Paulo) e pode ser considerado o intelectual árabe-brasileiro de maior visibilidade na sociedade brasileira contemporânea. Notório defensor da causa árabe e palestina, Nasser escreveu um artigo de opinião, baseando-se em crítica jornalística, e foi publicado no importante jornal Folha de São Paulo. No texto “Guerra, terror e ultraje setetivo ao citar Hamas e Israel” o jurista afirma que o conglomerado de comunicação paulista acusa a resistência em Gaza como “terrorismo” e sequer classifica de Terror de Estado o modus operandi do aparelho militar sionista. O artigo foi de alto impacto, assim como a reação da extrema direita.

Salem Nasser [Acervo/ Icarabe]

Os neofascistas e sionista demandaram, de forma anônima, uma petição para a FGV demitir ao professor Nasser. A alegação é: “Ele promove o ódio, apoia e justifica atos terroristas. O terrorismo, além de ser um ato hediondo, é a manifestação do ódio em sua forma mais baixa, violenta e sanguinária.” A resposta a esta ação foi um abaixo assinado contrário, clamando “Pela liberdade acadêmica e em defesa do Prof. Salem Nasser”. Os espaços defendidos midiáticos demandados pela Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL) e o Fórum Latino Palestino (FLP) ampliaram consideravelmente a partir das 72 horas da resposta de Israel às forças da resistência.

Passadas mais de vinte dias da Operação Dilúvío de Al Aqsa o espaço público midiático brasileiro está dividido. A posição majoritária nos meios alternativos, mais à esquerda e no apoio (crítico ou de adesão) ao governo Lula é defensor da Palestina. A presença das forças pró árabes na mídia hegemônica segue sendo secundária, mas ao menos é visível. A disputa pela hegemonia na opinião pública e publicada no Brasil segue sendo a primeira necessidade da luta palestina no maior país da América Latina.

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Artigo originalmente publicado na sua versão em língua inglesa na Al Jazeera Journal Review.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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