Ao denunciar genocídio em Gaza, África do Sul retira todos os diplomatas de Israel

A África do Sul anunciou retirar todos os seus diplomatas de Israel para consulta, até segunda ordem.

Em coletiva de imprensa, declarou a ministra da Presidência, Khumbudzo Ntshavheni:

“Israel ameaça a estabilidade do sistema global por sua conduta contra o povo palestino”.

Ntshavheni alertou que o governo dos Estados Unidos do presidente Joe Biden permite que a ocupação israelense mantenha suas ações de hostilidade e extermínio, ao destacar que “a paz e a ordem global estão na lona”.

“Por essa razão”, continuou, “nós, como governo da África do Sul, decidimos convocar de volta todos os nossos diplomatas radicados em Tel Aviv”.

A ministra condenou ainda os “comentários depreciativos do embaixador israelense em Pretória [Eli Belotsercovsky] sobre aqueles que se opõem às atrocidades e ao genocídio perpertrados pelo regime israelense”.

Ao notar que a presença do enviado israelense está se tornando “insustentável”, a ministra confirmou que o departamento de política externa foi instruído a “tomar todas as medidas necessárias dentro dos canais e protocolos diplomáticos para lidar com a conduta”.

Crise diplomática

A África do Sul se junta a vários países que removeram seus emissários de Israel em protesto ao genocídio em Gaza, como Chile, Colômbia, Turquia, Jordânia e Bahrein. A Bolívia, por sua vez, rompeu todos os laços com a ocupação.

O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, reconheceu o “genocídio” em Gaza; entretanto, sem ações efetivas até então.

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O revés barenita — incluindo corte nas trocas comerciais — representa o primeiro golpe aos chamados Acordos de Abraão, que normalizaram relações entre a ocupação e países árabes, em setembro de 2020.

A conjuntura também impediu a normalização de relações entre Israel e Arábia Saudita, promovida por Washington até então.

O Secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, está em turnê no Oriente Médio para tentar conter a crise diplomática — contudo, ao insistir na tese de “pausa humanitária”, sem aval dos governos regionais, incluindo Israel.

A Casa Branca busca mitigar danos a sua imagem após semanas de declarações inflamatórias do presidente democrata Joe Biden, à véspera de um conturbado ano eleitoral. Progressistas advertem que não pretendem votar em Biden para reeleição, ao traçar o apoio incondicional ao genocídio em Gaza como “linha vermelha”.

Desde então, a vice-presidente Kamala Harris assumiu maior protagonismo na crise, que arrisca não apenas divisões internas como crise com parceiros internacionais, em meio a uma conjuntura de ascensão da China.

Após encontrar-se com oficiais americanos, o ministro de Relações Exteriores da Jordânia, Ayman Safadi, reiterou que Israel comete crimes de guerra que exigem responsabilização sob o direito internacional.

A chancelaria egípcia fez coro ao reino hachemita ao reafirmar que a posição de Washington não é “aceitável”. Cairo e Amã demandam um cessar-fogo e denunciam as violações e crimes cometidos por Israel em Gaza.

Os Emirados Árabes Unidos — que também firmaram relações com Tel Aviv em 2020 — advertiram para o fracasso da “política de contenção” empregada por Israel até então.

Anwar Gargash, assessor de política externa da presidência emiradense, reiterou que os Estados Unidos têm de pressionar por uma desescalada, de modo que sua credibilidade política na região está em jogo.

“Se a crise prosseguir, sobretudo humanitária, e caso traga de volta o velho ciclo e a velha estratégia de contenção anterior a 7 de outubro, penso que o papel americano aqui, não importa certo ou errado, será visto como ineficiente”, argumentou Gargash.

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Desde 7 de outubro, Israel mantém bombardeios ininterruptos a Gaza e violenta repressão na Cisjordânia e em Jerusalém. As ações são retaliação e punição coletiva por uma ação de resistência do Hamas, que cruzou a fronteira e capturou colonos e soldados.

Em Gaza, são 9.770 palestinos mortos até então, incluindo 4.800 crianças e 2.550 mulheres, além de mais de 30 mil feridos e milhares de desaparecidos sob os escombros.

Apartheid em comum

Líderes sul-africanos são notórios por seu apoio à causa palestina, ao recordarem sua própria experiência de racismo institucional e resistência para denunciar os crimes de apartheid executados por Israel nos territórios ocupados.

O falecido presidente sul-africano Nelson Mandela disse certa vez: “Sabemos muito bem que a nossa liberdade é incompleta sem a liberdade do povo palestino”.

Mandela ficou preso por 27 anos após seu partido, o Congresso Nacional Africano (CNA), ser criminalizado como “terrorista” pelo governo de apartheid na África do Sul, com a anuência da comunidade internacional.

Apenas em 2008, os Estados Unidos retiraram Mandela — então consagrado com o Prêmio Nobel da Paz e reconhecido como ícone histórico contra o racismo e pela democracia — de sua lista de indivíduos considerados “terroristas”.

O arcebispo Desmond Tutu também era eloquente crítico do apartheid israelense, incluindo apelos por boicote a artistas brasileiros, como Caetano Veloso e Gilberto Gil, às vésperas de sua apresentação em Tel Aviv em 2015.

Tutu apoiava o movimento palestino de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) como protesto civil e eficaz, nos moldes da luta contra o apartheid na África do Sul.

Em um fórum internacional no início de outubro, Naledi Pandor, ministra de Relações Exteriores da África do Sul, reiterou que a situação da Palestina é análoga à dos povos africanos e não-brancos sob segregação sistêmica.

“Por 16 anos a Faixa de Gaza está sitiada, seu povo luta para sobreviver. Aos palestinos são negadas a saída e a entrada. Nós também tivemos que passar por vias segregadas aqui na África do Sul. Nós também passamos por isso”, destacou Pandor.

Em 16 de outubro, com uma keffieh — tradicional lenço palestino — sobre os ombros, o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, reiterou que Israel é um Estado de apartheid.

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