O Monitor do Oriente Médio organizou um evento de lançamento de livro na segunda-feira (13) no Senate House da Universidade de Londres para o recém-publicado e resenhado Three Worlds: Memoirs of an Arab-Jew (Três mundos: memórias de um judeu-árabe) do ilustre autor Professor Avi Shlaim, um historiador britânico-israelense de origem iraquiana.
Junto com o professor Shlaim estava outra acadêmica britânica de destaque, a professora de Humanidades Jacqueline Rose, que também tem origem judaica, para discutir suas memórias. A conversa foi moderada pelo colunista do MEMO, Nasim Ahmed.
No início do evento, Ahmed preparou o palco descrevendo o programa da noite antes de observar que a conversa seria realizada “nas sombras escuras dos trágicos eventos em Gaza”, acrescentando que “nos acostumamos à indiferença e à cumplicidade com o sofrimento dos palestinos”.
Menos acostumados estamos, disse Ahmed, com o fato de dois líderes dos principais partidos políticos terem se recusado a denunciar os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade que testemunhamos nos últimos dias.
Relevante para a discussão que se segue, ele destacou que o ex-general israelense Shlomo Brom disse no início desta semana que “o Estado que foi fundado para proteger os judeus da perseguição falhou miseravelmente na proteção de seus cidadãos que vivem perto da Faixa de Gaza”. De acordo com Brom, essa crise mostra o fracasso da política israelense em relação aos palestinos. Isso foi relevante, diz Ahmed, pois apesar do poderio militar de Israel, os judeus não estão seguros, chegando a dizer que estão menos seguros agora.
Como parte de seu discurso para o público, Shlaim explicou que esse evento foi planejado há algum tempo, enfatizando que não tínhamos como saber que ele aconteceria em tempos tão angustiantes. Para Shlaim, o ódio mútuo de ambos os lados do conflito pode ser atribuído à “força profundamente divisiva e destrutiva” do nacionalismo, que ele distingue do patriotismo, pela necessidade de ter um inimigo externo.
Em seu livro, Three Worlds (Três mundos), Shlaim remete a uma época distante, um período de coexistência entre muçulmanos e judeus em seu Iraque natal.
“Meu livro é uma tentativa de reagir, recapturar e reanimar uma rica civilização judaica do Oriente Próximo”,
diz ele. Essa civilização foi abruptamente interrompida graças ao nacionalismo, tanto árabe quanto sionista.
Traçando sua história pessoal e familiar, o livro, como o nome sugere, abrange três países: o Iraque, seguido por seus anos de formação em Israel e sua adolescência na Grã-Bretanha. Pertinentemente, o livro, segundo ele, “traça a evolução do meu pensamento sobre o conflito israelense-palestino até os dias de hoje”, em que ele defende um estado democrático, “do rio ao mar, com direitos iguais para todos os cidadãos. Independentemente de religião e etnia”.
A exploração da rica história judaica do Iraque, juntamente com a de sua família, constitui a primeira metade do livro, antes de se aprofundar em suas memórias. Shlaim argumenta que se trata de uma “autobiografia impessoal”, que gira em torno de sua autoidentificação como judeu-árabe.
Ao subir ao pódio, a professora Rose falou sobre como o último trabalho de Shlaim a fez lembrar de um trabalho semelhante, The World I Loved: A história de uma mulher árabe, de Wadad Makdisi Cortas.
A professora Rose disse que “a história é a história da formação de um historiador”, moldada pela história e pela política que ele narra ao longo do livro. Depois de ler o livro, Rose levantou uma questão interessante: o fato de o autor não se identificar como israelense e seu período difícil na escola foi uma forma de se identificar inconscientemente com a infelicidade de sua mãe. Pois, se ele estava infeliz, o projeto de assimilação havia fracassado e, portanto, Israel como um Estado também, o que é evidenciado pelo desenrolar dos acontecimentos atuais.
Prof Avi Shlaim: “The term Arab Jew is controversial is Israel, if you are an Arab you cant be Jew. If you are a jew you cant be an Arab.. But here I am, an Arab Jew”#MemoirsOfAnArabJew pic.twitter.com/J5Vpn34AnH
— Middle East Monitor (@MiddleEastMnt) October 13, 2023
#BookLaunch #MemoirsOfAnArabJew
Avi Shlaim states that there's a disproportionate disconnect between the public and governments worldwide. While the public supports Palestine, the governments back Israel. pic.twitter.com/Yj9u3zeKPS
— Middle East Monitor (@MiddleEastMnt) October 13, 2023
No primeiro post, Avi Shlaim afirma que há uma desconexão desproporcional entre o público e os governos em todo o mundo. Enquanto o público apoia a Palestina, os governos apoiam Israel. No segundo, Jacqueline Rose explica que vê um vislumbre de esperança para a Palestina por dois motivos: 1. Os jovens judeus americanos estão se tornando mais conscientes dos problemas de direitos humanos enfrentados pelos palestinos. 2. O número crescente de organizações que se referem a Israel como um estado de apartheid.
Em seu diálogo, eles falaram sobre o caminho a seguir, sugerindo que Israel, depois de esgotar todas as opções de uso da força “com mais força”, acabará sendo obrigado a chegar a um acordo com o povo palestino. De forma significativa, Rose disse que a população judaica americana jovem está percebendo cada vez mais o conflito sob o escopo dos direitos humanos, o que representa uma mudança significativa do nacionalismo judaico em comparação com as gerações anteriores.
No entanto, Shlaim admite que a AIPAC ainda é o lobby de política externa mais poderoso dos EUA, “mas eles são representados por apenas 30% dos judeus americanos”, enquanto o grupo de defesa liberal J Street representa mais ou menos a grande maioria em suas perspectivas e atitudes em relação a Israel, embora isso ainda não tenha deixado uma marca na política externa dos EUA.
Após uma envolvente sessão de perguntas e respostas, Shlaim concluiu mencionando como os Estados relutam em pedir desculpas por atrocidades cometidas no passado, sendo que Israel não é exceção em relação à Nakba de 1948 e a tudo o que isso acarretou desde então. Isso se deve, em parte, à aceitação da responsabilidade e da obrigação de pagar indenizações.
No entanto, a Grã-Bretanha também tem um papel nisso – tendo “roubado a Palestina dos palestinos e dado aos sionistas”, sem qualquer reconhecimento ou pedido de desculpas. Para lidar com essa injustiça histórica, Shalim anunciou que uniu forças com especialistas jurídicos, ativistas e acadêmicos para entrar com um processo histórico contra o governo britânico. Esse anúncio foi recebido com aprovação e aplausos entusiasmados da plateia, encerrando uma noite e uma discussão esclarecedoras.