O nome de Najla Said é conhecido no mundo das artes cênicas e da literatura, mas também nos ambientes acadêmicos e na luta pela causa palestina. A atriz, escritora, dramaturga e ativista palestino-americana possui uma obra destacada por abordar temas como o racismo, a desigualdade social e econômica e as questões que afligem os imigrantes árabes, e mais especificamente os palestinos nos Estados Unidos.
Além de atuações como atriz de seu show solo, Palestine (Palestina), escreveu a obra Looking for Palestine – Growing Up in An Arab-American Family (Procurando pela Palestina – Crescendo em uma família árabe-americana), publicada em 2013, ainda sem tradução para o português. Nele, Najla discute os desafios da identidade árabe e a experiência como imigrante de segunda geração nos Estados Unidos.
A Opera Mundi, Najla disse ser preciso relacionar a causa da Palestina a “todas as outras lutas anticoloniais por justiça”. “Acho que a maioria das pessoas que são realmente seculares e acreditam em equidade, justiça e igualdade chegaram e chegarão à mesma conclusão”, afirmou.
Najla ainda falou sobre o legado do pensamento político e acadêmico de Edward Said, autor fundamental para estudos culturais geopolíticos do mundo árabe, e também da influência que um pai exerce sobre uma filha ao refletir sobre sua condição de “não lugar” e a questão palestina.
Seu pai foi proeminente intelectual palestino que refletiu e produziu obras acerca do orientalismo, que se baseia em estereótipos racistas sobre povos do continente asiático e/ou africano, em geral povos não ocidentais subjugados pela Europa e América do Norte, sob o pretexto de levar “civilização” a povos considerados bárbaros ou primitivos. Ainda que sua obra mais famosa tenha sido publicada em 1978, orientalismo é ainda um conceito ligado à dinâmica tumultuosa da história contemporânea e pode ser suporte de compreensão para as relações geopolíticas atuais com o Oriente Médio.
Opera Mundi: Diante da atual agressão israelense à Palestina, parece natural e necessário falar sobre o colonialismo e o subdesenvolvimento como fenômenos relacionados. Em trabalhos teóricos e políticos, nos acostumamos a ler o primeiro como a causa do segundo. Como você interpreta isso e como o trabalho de Said marcou os estudos atuais sobre o assunto?
Najla Said: Acho que, em termos do que está acontecendo em Gaza, está muito claro que a Palestina, que era uma sociedade real antes de 1948, com classes, fazendeiros, comerciantes, vilarejos, habitantes urbanos, vestimentas ocidentais e tradicionais, com muçulmanos, judeus e cristãos vivendo juntos, pode certamente ser vista agora como ‘subdesenvolvida’.
Infelizmente, devido ao mandato britânico, em 1917, e quando a Palestina foi dada ao povo judeu após o Holocausto, os palestinos foram expulsos. Aqueles que tinham dinheiro e outros recursos, como minha família, puderam sair, e outros, como muitos dos habitantes do sul da Palestina, foram encurralados em lugares como Gaza e forçados a viver na extrema pobreza como refugiados.
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Eu certamente pensaria que, depois de ter sido colonizada pelos britânicos e, em seguida, entregue aos egípcios e, finalmente, aos israelenses, que ocuparam Gaza depois de 1967, seria lógico que o próprio local, onde as necessidades básicas, como comida, água e combustível, precisam ser racionadas por uma potência imperial, se tornaria subdesenvolvido em todos os aspectos. Para mim, a pior parte – e acredito que meu pai concordaria – é a falta de experiência com o outro. Se o único judeu que você já viu está carregando um rifle ou dirigindo um tanque, sua visão de mundo será limitada e suas possibilidades serão limitadas. Mas o mesmo também é verdade no sentido inverso.
Para Said, os intelectuais devem ter um compromisso político com suas teses. Como você vê isso em relação à situação na Palestina?
Para meu pai, havia uma conexão muito direta entre seu trabalho e seu compromisso político com a justiça na Palestina. Como tenho certeza de que você sabe, em Orientalismo, publicado em 1978, ele descreveu como a ideia do ‘Oriente’ é uma criação da mente ocidental ou europeia. Portanto, até mesmo a descrição mais aparentemente benigna dos palestinos está repleta de suposições e estereótipos racistas e anti-islâmicos.
Portanto, foi bastante natural que meu pai se tornasse o porta-voz não oficial dos palestinos durante sua vida. E acrescento que é incrível ver quantas pessoas estão falando em nosso nome agora, durante a crise atual. O que ele me ensinou especificamente, e também escreveu em seu famoso artigo Permission To Narrate, é que cabe a nós contar nossas histórias e não deixar que a imaginação ocidental se torne a única fonte de conhecimento sobre uma área inteira do mundo que, por si só, é tão variada e diversa quanto qualquer outra.
Em Humanism and Democratic Criticism (Humanismo e Crítica Democrática), o livro póstumo de Said sobre o valor das abordagens filológicas à cultura, ele também incluiu um ensaio sobre o papel público dos intelectuais. Ele defendia o que Pierre Bourdieu chamou de “intelectual coletivo” – a formação de uma identidade intelectual que poderia, nas palavras de Bourdieu, “desempenhar seu papel insubstituível ajudando a criar as condições sociais para a produção coletiva de utopias realistas”. Quão otimistas podemos ser quanto à realização de uma utopia realista de liberdade para a situação na Palestina?
Meu pai era um homem de ideias, de letras, então talvez para muitos essa ideia de um Estado binacional pareça ‘utópica’, mas estou animada com todo o apoio que a Palestina começou a receber, finalmente. Acho que a maioria das pessoas que são realmente seculares e acreditam em equidade, justiça e igualdade chegaram e chegarão à mesma conclusão. Não posso falar sobre promessas de Deus ou ideologias religiosas, mas acredito que se um número suficiente de pessoas relacionar a causa da Palestina a todas as outras lutas anticoloniais por justiça, a chamada utopia que buscamos parecerá menos ‘utópica’.
Em A Questão da Palestina, Edward Said defendeu uma solução binacional para o conflito árabe-israelense. Najla afirma que o reconhecimento de duas nacionalidades em um mesmo território seria a única maneira de criar um Estado verdadeiramente secular na região, capaz de alcançar uma democracia real e a ‘única opção justa’.
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Publicado originalmente em Opera Mundi