Desde que a população de Gaza começou a ser pulverizada por Israel, e que pessoas passaram a ser detidas na Cisjordânia , como Ahed Tamimi e diversos palestinos, em práticas de intimidação coletiva, um terceiro front tem sido visado mais silenciosamente pelo Estado de ocupação. É o de prisioneiros palestinos que estão sendo transferidos para lugar nenhum de que se tenha notícia, conforme denúncias de familiares e da associação de defesa dos seus direitos. Entre eles, está o brasileiro palestino Islam Hamed.
O Itamaraty tem conhecimento do caso e não é de hoje. Dilma Rousseff ainda era presidenta quando uma campanha de familiares e amigos pediu sua intervenção. Feito um joguete de prisão em prisão,passando inclusive por uma prisão palestina, Islam Hamed foi detido pela primeira vez quando era adolescente, acusado de jogar pedras em soldados. Depois foi mantido em seguidas prisões administrativas – sem explicação, um tipo de AI-5 israelense com jeito de assunto administrativo. Islam Hamed sempre tentou sair de lá para o Brasil. Mesmo com a repetida restrição de liberdade, foi acumulando novos processos, interrogatórios e acusações israelenses para justificar a permanência. O Brasil intercedeu por sua deportação, ao ser libertado por breve período em 2015, mas Israel nunca concedeu-lhe um salvo conduto para deixar a Palestina. E voltou a prendê-lo.
Nas curtas fases em que ficou livre, Islam casou-se, constituiu família, mas quase não conseguiu conviver com o primeiro filho, voltando a ser preso. Em gesto considerado de resistência de palestinos que Israel deixa mofar nas prisões, o casal Hamed providenciou outra gestação por contrabando de esperma, e o brasileiro tornou-se também pai de gêmeos, que ficaram aos cuidados da esposa e familiares.
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A mãe brasileira de Hamed vigia pelo destino do filho junto com o chamado Clube dos Prisioneiros – a associação palestina que procura assisti-los e denunciar abusos. Porém, desde os eventos de 7 de outubro, a entidade diz ter perdido o rastro de vários prisioneiros deslocados por Israel sem destino conhecido. E com eles, a mãe brasileira perdeu o rastro de seu filho. Alguns foram declarados mortos, aumentando o desespero dos parentes no Brasil, sem notícias de Hamed. A associação acredita que os desaparecidos estejam sendo torturados, como outros têm sido a pretexto de forçar informações das prisões ou por vingança mesmo. Por isso, parentes têm batido às portas da diplomacia brasileira e insistido nos pedidos de ajuda para localizar e trazer Islam Hamed e sua família para o Brasil.
Nessa movimentação, há uma grande decepção com a falta de resposta aos vários emails, cartas e pedidos de informações feitas este ano ao governo. Aline Baker, prima de Islam Hamed, esteve em Brasília em abril deste ano. em reunião com assessores da Secretaria de Comunicação da Presidência, e obteve o compromisso de encaminhamento do assunto ao Itamaraty e ao ministro dos Direitos Humanos, com pedido de agendas conjuntas, mas isso não ocorreu até agora.
A disposição de Lula de resgatar brasileiros e parentes que estão isolados pela guerra de israel contra o povo palestino levou integrantes da Frente em Defesa do Povo Palestino a voltar a cobrar atenção para o caso de Islam.
O assunto foi lembrado pelo jornalista palestino brasileiro Ahmad Alzoubi, hoje cobrindo a guerra a partir da Jordânia, e pela jornalista palestino-brasileira Soraya Misleh, em reunião da Frente com a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) realizada nesta terça-feira (14).
O motivo da reunião foi a tendência da mídia brasileira em privilegiar a narrativa israelense sobre os ataques à população civil palestina e minimizar o contexto de limpeza étnica continuada em que eles ocorrem – inclusive desconsiderando que há um silenciamento das vozes palestinas pela destruição dos meios de comunicação na Faixa de Gaza e a matança de 49 jornalistas em apenas um mês. Há também silêncio sobre os prisioneiros palestinos que estão desaparecendo.
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A falta de profundidade da cobertura foi apontada por Misleh, que não vê preocupação da imprensa em ouvir as fontes ligadas à Palestina no Brasil, como fazem com as instituições sionistas. A Fenaj tem se posicionado em denúncias contra as mortes de estrangeiros em Gaza e defende o direito dos profissionais brasileiros informarem sem restrições editoriais dos meios de comunicação ao seu trabalho de apuração, conforme enfatizou a presidenta da Federação, Samira de Castro, na mesma reunião.
Quanto à cobertura do resgate bem sucedido de brasileiros, Alzoubi enfatizou a importância que os palestinos conferem aos esforços do Brasil e a esperança que depositam no presidente Lula para que se preocupe também com os que ficarão lá. “A principal expectativa dos palestinos em Gaza, diz ele, não é sair para fugir da agressão israelense, mas poder viver em sua terra sem bombas e apartheid. O Brasil pode ir além de declarações e romper com a ocupação”. Por outro lado, o jornalista lembra que há um brasileiro que há tempos pede essa ajuda brasileira e precisa de resposta urgente, onde estiver.
Se Lula pretende negociar para trazer mais alguém da Palestina, é hora de fazer pé firme e trazer Islam Hamed para o Brasil
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