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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Ao mentir sobre Gaza, Biden dobra aposta em seu apoio a Israel

Apesar de alegar defender a chamada solução de dois Estados, o presidente americano Joe Biden, insiste em ignorar a questão mais urgente: a violenta ocupação israelense nas terras palestinas
Presidente dos EUA Joe Biden discursa durante Dia de Ação de Graças na Casa Branca, em Washington DC, 20 de novembro de 2023 [Celal Günes/Agência Anadolu]

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, voltou a associar seu homólogo russo, Vladimir Putin, ao movimento palestino Hamas, desta vez em um editorial publicado pelo jornal The Washington Post.

As razões pelas quais esta narrativa é profundamente falha já foram explicadas à exaustão. O Hamas é um grupo nacional palestino inspirado pelo Islã político. Sua crença é que, ao lançar foguetes contra o Estado de Israel, poderá colaborar na conquista do tão aguardado direito à autodeterminação do povo palestino. Na minha opinião, este plano de ação não é correto — tampouco eficaz. Putin, no entanto, é um líder cristão ortodoxo que não hesita em recorrer à violência para cumprir o que descreve como interesses nacionais e institucionais.

Se ambas as definições parecem se aplicar a outros países e indivíduos é porque é verdade. A primeira pode se aplicar a Israel; a segunda a Biden e seus antecessores.

Israel alega ser uma democracia, mas sua conduta contradiz abertamente quaisquer valores ditos democráticos. Milícias supremacistas judaicas apelaram a métodos de terrorismo para conquistar a independência de Israel e se acumulam evidências de que o governo do premiê Benjamin Netanyahu — inspirado cada vez mais pelo fundamentalismo religioso — conduza crimes de guerra e lesa-humanidade em Gaza, em violação da lei internacional. Os números aterradores de baixas civis entre o povo palestino — quase metade, crianças — falam por si só.

Os Estados Unidos, por sua vez, jamais hesitaram em recorrer a seu enorme poderio militar para impor interesses nacionais ou subjugar supostas ameaças a sua segurança. Até mesmo o ex-presidente Jimmy Carter descreveu o país como “nação mais beligerante na história do mundo”, devido a seu desejo irrefreável de projetar valores ao exterior.

É possível que uma nação em guerra contínua há mais de dois séculos seja sempre inspirada pelo nobre instinto de propagar a liberdade e democracia no planeta? Não acho.

Em 2019, acrescentou Carter: “Os Estados Unidos estiveram em paz por somente 16 anos de seus 242 anos de história como nação”. Para aqueles interessados em conhecer o assunto, o Serviço de Pesquisa do Congresso americano redigiu um relatório impressionante que cobre a história americana desde 1708 a 2023.

Distinções desaparecem

Quem quer que interprete isso como uma equiparação direta entre Israel e Hamas e Rússia e Estados Unidos corre o risco de se equivocar. O Hamas é um movimento político que usa vias armadas. Israel, embora hesitemos em descrever como um Estado terrorista, recorre a esforços para aterrorizar toda população de Gaza via “carpet bombing” — ou bombardeios indiscriminados. Israel pode até ser descrito como uma “democracia” com inúmeras falhas — assim como os Estados Unidos, cada vez mais. A Rússia, porém, é uma autocracia aberta.

Em tais comparações, todavia, as distinções entre as partes parecem desaparecer, à medida que ambas as “democracias” adotam comportamentos que parecem inexplicáveis, incluindo tendências de potencializar, justificar ou conferir apoio à violência desproporcional por vias militares. Ambas falharam em mostrar sequer um fiapo de empatia pelos civis palestinos.

Quanto antes as elites políticas de Israel e Estados Unidos compreenderem o quanto essa conduta prejudica sua credibilidade, melhor.

O delírio se tornou palpável quando o presidente americano alegou que seu governo estaria pronto para tornar realidade a solução de dois Estados. Biden descreveu as ações do Hamas como “puro mal” e seria interessante ver como ele caracterizaria as décadas de violência de colonos e soldados em Jerusalém e Cisjordânia ocupada, antes de 7 de outubro — nas quais milhares e milhares de palestinos foram mortos.

No The Post, questionou Biden: “Poderão palestinos e israelenses viver lado a lado um dia, em paz, com dois Estados para dois povos?”. A resposta é não — ao menos até que a Casa Branca dê fim a seu viés político para proteger Israel de todos os seus pecados. Caso o país realmente fosse um mediador honesto, o conflito estaria encerrado há anos.

Apesar da desproporção gritante de baixas no atual ciclo de violência, o editorial de Biden demonstra ênfase muito maior na angústia dos israelenses do que no sofrimento do povo palestino. O incumbente democrata atribui a Putin e ao Hamas a “esperança de implodir a integração e a estabilidade da região e tomar vantagem da desordem iminente”.

É improvável que seja essa a agenda do Hamas. Quanto a Moscou, seu ponto de vista deve divergir, ao interpretar como força motriz da instabilidade no Oriente Médio justamente as ações de Washington, ao prover armas e cobertura diplomática incondicional ao Estado de Israel.

Vergonhosa indiferença

Biden também se equivocou ao equivaler os interesses de segurança nacional dos Estados Unidos ao “bem de todo o planeta”. No establishment político americano, tal associação é quase uma crença religiosa — muito embora cada vez mais países rejeitem a ideia.

De fato — em particular, nas últimas décadas — os interesses de segurança dos Estados Unidos feriram a dignidade e soberania de várias nações e povos. Neste sentido, parece despontar agora um sentimento de “basta” no que se refere à hegemonia americana do último século.

À medida que os europeus veem a Ucrânia como “batata quente” deixada a eles por ações do Pentágono, parecem compreender brevemente essa tendência global — quem sabe, no entanto, tarde demais.

Biden acerta ao dizer que o “ciclo interminável de violência” precisa acabar. É uma pena que sua gestão — e todos os seus predecessores — tenham sido tão vigilantes com a esporádica violência dos palestinos contra Israel, enquanto continuam vergonhosamente passivos sobre as violações diárias de colonos e soldados contra a população ocupada. Essa indiferença exerceu um papel considerável em criar as condições para 7 de outubro.

Ao recordar seu encontro com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em Nova York, semanas antes do episódio, Biden citou “uma série de compromissos substanciais para ajudar tanto Israel quanto os territórios palestinos a se integrarem melhor ao Oriente Médio como um todo”. Biden ignorou, porém, que, na mesma ocasião, Netanyahu exigiu um mapa à Assembleia Geral das Nações Unidas no qual a Palestina simplesmente inexiste no Oriente Médio — sem um único protesto por parte de Washington.

A ilusão da Autoridade Palestina

Biden descreve a solução de dois Estados como “única forma de garantir segurança a longo prazo a israelenses e palestinos”. Ao insistir que Gaza “jamais deve ser utilizada novamente como plataforma ao terrorismo [sic]”, acrescentou: “Não pode haver deslocamento à força dos palestinos de Gaza, tampouco reocupação, cerco ou bloqueio, ou redução do território … Gaza e Cisjordânia devem ser reintegradas sob uma única estrutura de governança, isto é, em último caso, a uma versão revitalizada da Autoridade Palestina”.

Biden chegou a pedir o fim da “violência extremista contra os palestinos” na Cisjordânia ocupada, ao prometer ações como “recusa de visto a extremistas que atacam civis” nos territórios ocupados. Suas promessas podem até parecer razoáveis — sobre a gestão da Autoridade Palestina em ambos os territórios, trata-se, quando muito, de uma ilusão. A única forma de recuperá-la é por meio de eleições livres, proteladas desde 2006, sequer citadas pelo editorial de Biden.

Há outra questão mais crítica: Israel aceitaria uma nova Autoridade Palestina dado que a versão atual serve tão bem a seus interesses?

Ao insistir na solução de dois Estados, Biden se limita a afirmar que a violência colonial de Israel contra os palestinos nativos tem de acabar. Veja: não reivindica o fim da ocupação — pré-requisito para sua solução. De fato, parece ainda improvável que colonos radicalizados se preocupem em ter o visto negado para entrar nos Estados Unidos.

Deixando de lado o fato conhecido de que o establishment político em Washington jamais permitirá qualquer tipo de sanção contra Israel, os apelos de Biden por dois Estados, com medidas tão ínfimas e patéticas, e sua abordagem obstinadamente enviesada alimentará apenas mais e mais ciclos de violência

Este artigo foi publicado originalmente em inglês pela rede Middle East Eye em 24 de novembro de 2023.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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