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Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

Fabricantes de Memória

Autor do livro(s) :Jade McGlynn
Data de publicação :junho de 2023
Editora :Bloomsbury
Número de páginas do Livro :248 páginas
ISBN-13 :9781350280762

A memória histórica está na vanguarda das guerras da Rússia na Ucrânia, na Síria e em outros lugares. No entanto, essa memória histórica não é sobre coisas do passado que realmente aconteceram, ou história real, é um passado construído para atender aos objetivos do Kremlin.

A memória serve no lugar da ideologia para dar ao presidente russo, Vladimir Putin, a credibilidade para decretar certas políticas e, todos os dias, os russos levam isso muito a sério, afirma Jade McGlynn. Seu novo livro, Memory Makers: The Politics of the Past in Putin’s Russia (Fabricantes de Memória: a política do passado na Rússia de Putin), é uma leitura fascinante. Mito se tornando memória, embora certamente não seja exclusivo da Rússia, há uma centralidade nele que torna o aprendizado sobre ele a chave para a compreensão da política russa.

“A Rússia nunca estará em paz com seus vizinhos até que possa estar em paz consigo mesma e com sua história. A obsessão oficial e social russa em sanear a história e moldá-la em algo utilizável para provar heroísmo exclusivo e vitimização é alimentada por uma insegurança gerada da mudança de regimes ideológicos e da falta de sentido dos traumas históricos que a Rússia experimentou no século XX. O poder dessas memórias culturais é imenso e o Kremlin exerceu esse poder para preparar sua nação para a guerra e a repressão.”

A população russa está constantemente sendo preparada para reencenar seu passado, como McGlynn documenta: desfiles militares em grande escala, civis vestidos como soldados da Segunda Guerra Mundial, mídia reinvocando a ‘Grande Guerra Patriótica’ e a criminalização de historiadores que escrevem histórias que são vistos como críticos da narrativa oficial ou que documentam crimes cometidos por diferentes regimes russos, tudo isso é fluente no projeto de criação de memória.

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 Putin não inventou isso, como aponta McGlynn. A Rússia invocou guerras anteriores ao longo de grande parte de sua história recente. Por exemplo, em 1941, depois que a Alemanha invadiu a União Soviética, a propaganda russa comparou Hitler a Napoleão e comparou a própria luta à guerra triunfante da Rússia contra os franceses em 1812. Forasteiros sendo o mal e atacar a Rússia ‘inocente’ é um tema constante no projeto de memória do Kremlin. Quando a Rússia lançou uma invasão em grande escala da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, as alegações de Putin de que ele estava lutando contra os nazistas ucranianos pareceram aleatórias e estranhas a muitos ocidentais, mas, para seu público doméstico, as alegações de Putin de que os ucranianos lutavam como ‘Bandera’ [ Nacionalista ucraniano que é lembrado pelos russos por sua colaboração com a Alemanha nazista] fazia todo o sentido, já que o Kremlin os vinha preparando psicologicamente para tal há anos. Isso, juntamente com outro mito histórico impulsionado pelo Kremlin, de que os ucranianos são, na realidade, russos e a Ucrânia não existe historicamente, oferecem razões emocionais poderosas para explicar por que tantos na Rússia parecem apoiar a guerra.

A maneira como a Rússia justifica sua guerra na Síria é de particular interesse. O presidente Bashar Al-Assad promulgou uma onda de extrema repressão e violência desde a Primavera Árabe de 2011, é responsável por centenas de milhares de mortes e não é bem visto globalmente. Antes da intervenção de Moscou na Síria em 2015, a maioria dos russos se opunha a qualquer intervenção militar na Síria para salvar o regime de Al-Assad. Mas esse sentimento mudou após a intervenção e o uso da memória histórica oferecertem razões convincentes para isso.

“A mídia e os políticos explicaram o envolvimento russo na Síria como facilitador de um retorno à ordem internacional decidida na conferência pós-guerra de 1945 em Yalta.” A aceitação pelo Ocidente do papel da Rússia na Síria foi vista como prova de que a Rússia voltou ao seu status de grande potência, como diz McGlynn, “eles [os russos] se importavam mais com sua aparência na Síria do que com a própria aparência da Síria”. A mídia russa também invocou a Segunda Guerra Mundial e a vitória da Rússia nela como dando à Rússia o direito moral de interferir na Síria. Para o Kremlin, a Síria foi a peça central que transformou em realidade o conceito teórico da reencontrada grandeza da Rússia.

Memory Makers (Fabricantes de Memória), que se baseia em uma pesquisa e análise meticulosa de milhares de documentos, mídias e publicações, oferece ao leitor uma visão abrangente de como a memória funciona politicamente na Rússia e pode permitir uma importante pesquisa crítica sobre os usos políticos da criação de mitos.

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McGlynn expôs de maneira muito clara e concisa os vários aspectos da política de memória de Moscou e sua centralidade na formulação de políticas. A estrutura utilizada será de interesse não apenas para estudiosos russos, mas também para estudiosos de nossas regiões interessados em criação de memória política.

Também tem outra importância, a saber, a de como entender alguns dos pontos de discussão propagandísticos usados pelo Kremlin para influenciar a opinião tanto no Ocidente quanto no Oriente e em outros lugares fora de suas fronteiras. Memory Makers deve ser leitura obrigatória para qualquer pessoa que deseje se envolver na política russa, acadêmicos, jornalistas e formuladores de políticas.

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