Na narrativa que se desenrola sobre o conflito em curso na Palestina histórica, o papel crucial exercido pelo Catar em mediar a trégua entre Israel e Hamas – desmantelada pelo lado israelense – ganhou destaque, obscurecendo a influência de agentes convencionais, como Estados Unidos e União Europeia. Apesar do colapso do cessar-fogo e da retomada das operações militares israelenses em Gaza, a emergência do Catar como mediador global se solidificou.
O paradoxo catariano é notável como o sol que se põe no deserto — um discreto emirado no Golfo Pérsico, abastado em gás natural, ainda assim como uma improvável influência na geopolítica internacional. Sua política externa, tomando de compromisso a comunicação aberta e sustentável entre lados opostos, resultou em triunfos diplomáticos contrários a suas dimensões territoriais. Notavelmente, o Catar exerceu um papel fundamental em facilitar as conversas de paz entre Estados Unidos e líderes do Talibã e orquestrar as negociações indiretas que culminaram na troca de prisioneiros entre Irã e Washington.
O compromisso do Catar em buscar soluções a conflitos no Oriente Médio e Norte da África não apenas angariou louvores internacionais, como foi instrumental em elevar a estatura diplomática da pequena nação árabe. Desde as negociações de paz no Líbano em 2008, aos esforços para facilitar sucessivos acordos de cessar-fogo no Iêmen (2010), Darfur (2011) e Gaza (2012), o Catar tornou-se uma força consistente de mediação e reconstrução.
LEIA: Permitir que israelenses britânicos lutem em Gaza é uma ameaça ao Estado de Direito do Reino Unido
Ainda assim, conforme transcorriam as negociações entre Hamas e Israel, o Catar se viu diante de águas desconhecidas. Receber a liderança do Hamas em Doha atraiu a ira de políticos israelenses americanos, tanto republicanos quanto democratas, incitando acusações facciosas de apoio ao “terrorismo”. Tais ações impuseram uma nova camada de complexidade ao delicado ballet diplomático do governo catariano, onde a busca por influência regional veio às custas de sua exposição na arena internacional.
O conflito ainda em curso apresenta um retrato sombrio de devastação e sofrimento humano. A busca implacável de Israel contra as supostas capacidades militares do Hamas incorreu em dezenas de milhares de mortos e feridos entre os civis inocentes de Gaza — em assustadora maioria, mulheres e crianças.
O 21° Fórum de Doha, em 2023, com o tema “Construindo Futuros Compartilhados”, assumiu um significado distinto em meio à tragédia. No curso de dois dias, líderes globais se encontraram para debater questões urgentes, com ênfase sem precedentes na causa palestina. A abordagem do Catar durante o fórum foi notável, ao buscar emitir uma mensagem equilibrada, porém enérgica.
Doha buscou reafirmar a seu compromisso com o diálogo global — contudo, sem fazer concessões no que diz respeito a seu inabalável apoio ao povo palestino. Elogios surpreendentes cruzaram fronteiras, desde o senador republicano Lindsey Graham aos ministros de Relações Exteriores da Rússia e do Irã. A mensagem foi clara: o desvario em Gaza precisa acabar — basta já!
O Fórum de Doha aproveitou a oportunidade para honrar a equipe da Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina (UNRWA) por seu trabalho humanitário na Faixa de Gaza e em toda a região. Segundo a liderança catariana, no entanto, a catástrofe em curso transcende a mera necessidade de assistência aos palestinos carentes. Os presentes no fórum reconheceram a demanda crucial de uma solução abrangente sobre a causa palestina. Argumentaram que retratar a matéria como “conflito” não basta, de modo que é imperativo ir além do paradigma estabelecido entre Gaza e Ramallah. De fato, conforme seus alertas, é fundamental encontrar uma solução que abarque a totalidade do povo palestino.
Diante da tragédia em curso, a mensagem eloquente de Doha persevera: basta já!
E o caminho para um futuro compartilhado, porém justo, demanda diálogo abrangente, compromisso humanitário e busca inabalável por uma paz verdadeira e duradoura.
Artigo originariamente publicado em TRIBUN em 16 de dezembro de 2023
As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.