As origens da Primeira Guerra Mundial podem ser rastreadas até as rivalidades imperiais europeias e a crescente influência no Mediterrâneo a partir do século XVIII? Essa é a pergunta que Ian Rutledge procura responder em Sea of Troubles: The European Conquest of the Islamic Mediterranean and the Origins of the First World War (Mar de problemas: a conquista europeia do Mediterrâneo islâmico e as origens da Primeira Guerra Mundial). A linha de falha entre a Europa e as potências muçulmanas no Mediterrâneo se tornou o local mais importante para as rivalidades imperiais, com espanhóis, franceses, italianos, britânicos, austro-húngaros, russos, alemães, otomanos e marroquinos disputando o controle ao longo de dois séculos.
“Entre 1870 e 1900, a geografia humana do mundo passou por uma mudança sísmica sem igual desde o fim do Império Romano”, escreve Rutledge. “Foi uma época em que os europeus, ou povos de origem europeia, passaram a dominar quase todos os povos não europeus que vivem neste planeta Terra.” Essa mudança foi mais visível no leste do Mediterrâneo.
Como essa região deixou de ser dominada pelos otomanos e passou a ser dominada pelos europeus? A resposta óbvia é o declínio do Império Otomano, mas tentar descobrir as causas exatas desse declínio não é tão simples como muitos parecem pensar. Qual era o PIB do império no século XVIII, por exemplo, quando a influência europeia começou a se tornar um fator importante na região?
Essa não é uma pergunta fácil de responder, pois os números do PIB não existiam no século 18. Os historiadores procuram indicadores de determinados tipos de atividade econômica, ao mesmo tempo em que analisam as melhores teorias econômicas disponíveis atualmente e as aplicam retrospectivamente para calcular o PIB em épocas anteriores. No período entre 1750 e 1799, “os salários reais otomanos eram comparáveis aos da maior parte da Europa, embora cerca de um terço mais baixos do que os do noroeste da Europa”. De fato, os padrões de vida eram mais baixos no principal porto da Espanha, Valência, do que em Istambul na última parte do século XVIII.
De acordo com alguns indicadores, o Império Otomano parecia economicamente saudável. A cidade anatoliana de Kastamonu, por exemplo, era um importante centro comercial. “Nos anos de 1712 a 1760, parece que, embora houvesse uma disparidade de riqueza entre os cidadãos da cidade, ela era modesta”, diz Rutledge. “A desigualdade não era um problema importante.” No entanto, outras partes do império contam uma história diferente; no Cairo, três por cento da população controlava 51% da riqueza.
RESENHA: Palestina – Quatro mil anos de História
O mundo otomano parece ter tido uma pontuação ruim na escala de alfabetização, com a porcentagem da população que sabia ler e escrever sendo consideravelmente menor do que a da Europa no século XVIII. No entanto, é preciso ter cuidado aqui, pois, embora as estatísticas de alfabetização estejam em circulação, na verdade não sabemos quais eram os números reais. “No início da Europa moderna, muitos dos que eram classificados como ‘analfabetos’ (porque não sabiam assinar seus nomes) podiam, na verdade, ler: as assinaturas não indicavam necessariamente alfabetização”, ressalta o autor. Ele explica que esse também pode ter sido o caso no Império Otomano.
O século 18 viu o surgimento do capitalismo e o crescimento populacional na Europa, desenvolvimentos científicos e exércitos maiores, o que, no século 19, daria às potências imperiais europeias uma vantagem sobre os otomanos. À medida que a influência europeia crescia, cresciam também as rivalidades entre os europeus, e a região do Oriente Médio e do norte da África estava no centro delas. Com o aumento da tensão, as relações pioraram, o que acabou levando à Primeira Guerra Mundial em 1914. Por sua vez, isso provocou a queda do Império Otomano.
“Depois de mais de 150 anos de luta intermitente contra as potências cristãs europeias, o estado que era descendente do grande Império Otomano de meados do século XVIII… permaneceu, abrangendo as costas europeias e asiáticas”, diz Rutledge.
Sea of Troubles... tenta contar uma história complexa e responder a uma pergunta importante. O livro foi resultado de uma vida inteira de pesquisa, e Rutledge oferece uma visão profunda e riqueza de detalhes. Sua escrita nos permite explorar as origens da Primeira Guerra Mundial com um melhor entendimento sobre o Mediterrâneo Oriental e o Norte da África no meio de tudo isso. O livro ocasionalmente parece assustadoramente familiar para aqueles que observam os eventos no Oriente Médio hoje, à medida que mudanças geopolíticas ocorrem e a competição neo-imperial está acontecendo diante de nossos olhos. Ainda vivemos com o legado dos otomanos e a ascensão do Ocidente, o que torna este livro uma leitura importante.