Lucas Siqueira é um jornalista e fotógrafo inquieto, que observa os acontecimentos e situações que presencia com o sentimento de que é preciso compartilhá-los, seja viajando pelo Oriente Médio, onde parece que nada do que ele vê é apenas para si, seja diante da Hiistória que se reflete na vida e nos testemunhos das pessoas que encontra.
Ele não poderia distanciar-se profissionalmente do momento atual em que há uma grande e terrível história a ser contada sobre o brutal sofrimento da população de Gaza sob ataques israelenses mortais e ao mesmo tempo pessoas como ele, cuja tarefa é contar essa história, sendo igualmente silenciadas e eliminadas.
Como diz o introdutor de Artigo 19- Violações da liberdade de opinião e expressão na Palestina , Ahmad Alzoubi, “Lucas Siqueira percebe a urgência de entregar um livro que confronta a realidade palestina com os ditames estabelecidos pela Carta Universal dos Direitos Humanos”. Especialmente ele se move pela urgência de brandir o Artigo 19 que diz que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.
Para o autor, a garantia estabelecida nesse artigo “não apenas assegura a liberdade de expressão em si, mas também desempenha um papel vital na proteção de outros direitos humanos. Isso ocorre devido à interdependência, indivisibilidade e interconexão desses direitos”.
Há muito as agressões ao povo palestino são naturalizadas, encobertas por uma narrativa que da direito à ocupação israelense de agredĩ-lo, a tal ponto de suas violações deixarem de ser notícia nos grandes meios de comunicação. Lucas Siqueira procura demonstrar o absurdo desse silenciamento recorrendo ao imaginário recorrente do que seja considerado importante para o jornalismo: não é notícia um cachorro morder um homem, mas e se o homem morder o cachorro? “Os israelenses mordem os palestinos há 76 anos, por isso já não se tornam notícias, agora quando um palestino morde um israelense, a mídia internacional transforma tudo isso em um estardalhaço”.
É assim que os ataques surpresa do Hamas em 7 de outubro até hoje são a notícia repetida na cobertura dos ataques israelenses contra Gaza, entendidos como reação legítima de Israel, não importa que sejam evidentes atos de terror contra civis e suas crianças, visando extermínio, limpeza étnica, destruição e tomada de Gaza. Proteger essa narrativa como um direito a cometer crimes de guerra torna-se parte evidente de uma estratégia de comunicação, em que jornalistas que possam comprometê-la tombam a cada dia, sob os tiros e bombas de Israel.
Lucas conta histórias pessoais, de colegas que pagaram o preço de sua determinação profissional. São casos não apenas de agora. Ele recorda muito bem os disparos mutiladores contra a pacífica Marcha do Retorno de 2018. Tiros nunca punidos cegaram várias pessoas, como o jornalista palestino Muath Amarneh. Não custa lembrar que vítimas da mesma prática repressiva ficaram cegas na Colômbia e no Brasil. Lucas Siqueira recorda que o movimento por liberdade de imprensa frente ao caso israelense “só chamou a atenção quando jornalistas internacionais publicaram autorretratos cobrindo o olho esquerdo com a mão. A campanha ‘Somos todos o olho de Muath’ expressava a convicção de que Israel ataca intencionalmente os jornalistas.”
O livro Artigo 19… é dedicado aos jornalistas mortos na cobertura dos ataques a Gaza e procura dar uma dimensão real dos direitos internacionais violados e das formas de violação empregadas por Israel. Há dados precisos apresentados pelo Sindicato dos Jornalistas Palestinos em seu Relatório Anual de Violações aos Direitos e Liberdades dos Jornalistas Palestinos, de janeiro de 2023. Como um todo, o Sindicato informou mais de 900 episódios de crimes, violações e represálias. Entre os casos, 52 jornalistas foram deliberadamente alvejados por soldados das Forças de Ocupação Israelenses (IOF) com munição real, balas de borracha e até mesmo estilhaços de mísseis. Além disso, outros 95 profissionais foram feridos em campo por meio de bombas de gás lacrimogêneo, granadas de efeito moral e canhões de água.
Para o autor, o que mais chamou a atenção nos dados do sindicato foi o aumento exponencial de prisões seguidas de detenções administrativas e o impedimento do trabalho. Apenas no ano de 2022, foram 316 ocorrências.
Lucas Siqueira procura organizar seu trabalho considerando elementos básicos da comunicação, como o processo entre quem emite e quem recebe a informação, partindo em seguida para as situações e casos envolvendo violações da liberdade de imprensa. O mais importante em seu trabalho é entregar aos leitores a possibilidade de compreender o que se passa na Palestina não apenas como uma violência localizada contra um povo mas também uma violação dos direitos de que está fora de lá, de saber como um poder altamente armado e financiado é capaz de decidir, por quaisquer meios, o que devemos enxergar.