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Domando o Messias: A formação de uma esfera pública otomana, 1600–1700

Autor do livro(s) :Aslihan Gurbuzel
Data de publicação :Janeiro de 2023
Editora :Universidade da Califórnia
Número de páginas do Livro :332 páginas
ISBN-13 :978-0520388215

“Árabe é eloquência, persa é engenhosidade, turco é uma abominação e o resto é sujeira”, afirmou certa vez Evliya Celebi, escritor e viajante otomano do século XVII, segundo relatos. A altíssima consideração pelo persa não se trata apenas de gosto linguístico, mas também de uma escola de pensamento, permeada por uma cultura, um sistema de crenças e uma série de contendas políticas na sociedade otomana de então. Pertencer ao Persianato – o mundo persa – seria fazer parte de um movimento progressista e frequentemente oposto àqueles no poder, segundo Aslihan Gurbuzel. Seu novo livro, Taming the Messiah: The Formation of an Ottoman Political Public Sphere, 1600-1700 – em tradução livre, Domando o Messias: A formação de uma esfera política pública otomana, 1600–1700 – busca desafiar e entender, ao mesmo tempo, o pensamento político otomano, ao distanciar seu leitor de abordagens estadocêntricas.

Antes do século XVII, o poder político no Império Otomano era descentralizado, com regiões distintas tendo autoridade direta sobre seus residentes. No decorrer do século, no entanto, os governantes em Istambul adquiriram maior poder sobre o território como um todo, uma mudança que demandou, portanto, a criação de novos ritos públicos e espetáculos políticos – em parte devido à insatisfação popular e a uma série de rebeliões.

“À medida que os governantes imperiais passaram a recorrer cada vez mais ao engajamento público para obter apoio e legitimidade, a importância de mediadores de poder através da sociedade civil cresceu exponencialmente”, explica Gurbuzel. “Pregadores, sufitas e outras figuras oficiosas assumiram um lugar de destaque no que um observador contemporâneo chamaria de ‘teatro da cidade’, um fórum de poder cujo experimento era integrar o público à vida política, simultaneamente como audiência e ator”.

O argumento central de Gurbuzel é que o século XVII viu o nascimento da esfera pública no mundo otomano, algo que alguns analistas alegam ocorrer muito depois, sob a influência do Ocidente e do colonialismo europeu, no século XIX. Uma nova teologia política tomou conta dos oficiais do Estado, que consideravam o aparato público como um veículo para regular a vida  espiritual, difundir reformas sobre ritos e doutrinas, incorporar a shariah ao sistema de governança e remover certas tradições esotéricas e ambíguas das práticas comunitárias. Os puritanos – como os descreve Gurbuzel – enfrentaram firme resposta de eruditos, filósofos e movimentos sufitas, que desenvolveram uma opção político-ideológica oposta à autoridade central do Estado-religião.

Tais intelectuais rebeldes se identificavam vigorosamente com a tradição sufita persa, que se tornou base de sua crítica aos estadistas puritanos. “O pensamento sufista foi adotado para justificar a soberania de agentes não-estatais, resultando na tese de soberanias múltiplas”, diz Gurbuzel. Segundo a autora, diferente da soberania tradicional, que enxerga o poder e a autoridade como exclusiva aos governantes, o movimento sufita persializado, emergente nas terras otomanas do século XVII, expandiu o escopo daqueles que poderiam ser designados soberanos, para incluir diferentes esferas públicas.

A privacidade foi um tópico fundamental ao qual recorreram os anti-puritanos de então. “A privacidade, compreendida como um direito inerente da comunidade para desenvolver suas práticas distintas, divergentes da normatividade sancionada publicamente, foi e prevaleceu como importante demanda ética e política ao longo da primeira modernidade otomana … A demanda ética por privacidade conseguiu restringir à imposição de uma autoridade pública uniforme e universal justificada por bases morais e religiosas”. Conforme Gurbuzel, debates como esse, sobre privacidade e não-conformismo, não se limitavam às elites e facilitaram a criação de uma esfera política mais ampla capaz de incluir todos os nichos da sociedade.

Taming the Messiah proporciona um ponto de vista fascinante sobre a história intelectual do mundo otomano pré-moderno, no qual ansiedade, incerteza, disputas e novas ideias sobre o eu e o Estado começavam a emergir. Pensar sobre o relacionamento entre agentes estatais e não-estatais nos dá uma compreensão melhor da forma como a autonomia é exercida e nos desafia a reavaliar as tradicionais abordagens estadocêntricas. É muito comum enxergarmos os otomanos de uma perspectiva centrada no Estado e em seus governantes, com todos os aspectos restantes postos meramente na periferia. Este volume, no entanto, reposiciona os agentes não-estatais no centro da arena e – ainda mais importante – demonstra como estes desenvolveram novas tendências intelectuais.

Embora o uso do termo “puritano” possa instigar ressalvas, à medida que há uma conotação cultural associada a movimentos cristãos ingleses e europeus, com sua teologia distinta, não obstante, o fato de que a teologia do Estado doutrinário buscava conter discursos espirituais contrapostos denota razão para adotá-lo neste contexto específico. Taming the Messiah não deve domar nossa curiosidade acadêmica pela história do pensamento otomano; é muito mais provável que aguce nosso apetite por mais informações sobre a conjuntura intelectual do século XVII. Considero ter ganhado uma compreensão mais robusta sobre o pensamento político pré-moderno com essa leitura; outros leitores certamente também poderão abrir seus horizontes.

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