Não digo que tenho talento para cultivar frutas e vegetais. No entanto, plantei recentemente uma variedade de sementes em minha estufa e comecei a colher as pequenas recompensas de minha humilde empreitada.
Como todos que tentam fazer algo sem a devida pesquisa prévia, a leva inaugural de minhas cenouras cultivadas em casa foi marcada pelo equívoco de escavar demais a terra. Contudo, me senti contente com minha colheita acidental e um tanto desfigurada, ao compartilhar o meu deleite nas redes sociais.
Postar fotos de cenouras era algo bastante inócuo, um gesto inofensivo de autoestima e ego e, francamente, um elemento destoante em minha página do Twitter, que costuma abordar questões de direitos humanos e, nos últimos três meses, dos horrores impostos por Israel ao povo palestino, sob o patrocínio notável das potências ocidentais. Meu enfoque, devo dizer, foi minha pequena forma de garantir que aqueles que escolheram o silêncio e, quem sabe, o negacionismo não pudessem deixar de ver o que está diante de seus olhos.
Ainda assim, a simples imagem de minhas cenouras, produzidas em meu quintal de Belfast, me levou a um contato direto e inesperado com a Faixa de Gaza. Minha caixa de mensagens apitou subitamente com uma notificação de Rafah, no extremo-sul do território sitiado. Com a mensagem, uma foto de minhas próprias cenouras e um comentário breve: “Sua postagem fez o meu dia”. Uma conversa simples e incrível se seguiu, cujo conteúdo mantenho privado, mas que fez confirmar que ambos os interlocutores, embora distantes, compartilhávamos amigos na Palestina. Desde então, tenho de confessar, estou atordoado, pensando mais do que nunca na importância de conexões que transcendem fronteiras.
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As redes sociais se tornaram um meio crucial para que a população da Faixa de Gaza consiga se conectar com o mundo externo, uma necessidade básica a comunidades sob cerco militar, imposto por Israel — algo que só podemos definir como crime de lesa-humanidade, em um currículo já extenso do regime ocupante de Israel. Por meio das mais diversas plataformas de rede social, os horrores do genocídio israelense em Gaza foram registrados e transmitidos ao público internacional. Nos círculos do ativismo por direitos — e muito além — criadores de conteúdo de Gaza, entre os quais jornalistas, se tornaram referência. Sua determinação em garantir que o mundo jamais volte a alegar “nós não sabíamos” é inspiradora.
Apesar de estarmos a mais de quatro mil quilômetros de distância, as redes sociais tornaram irrelevante a distância física entre minha casa em Belfast e a Faixa de Gaza. Todo e qualquer engajamento nas redes sociais, não importa quão aparentemente inócuo, reafirma nossos laços na busca por justiça e consolida ainda mais nossa camaradagem transnacional.
A Palestina me ensinou tudo, mais do que posso articular, sobretudo sobre a importância de conectar-se com a terra e a memória. Qualquer pessoa que passe algum tempo na Palestina poderá experimentar o verdadeiro sabor do tomate, do pepino ou de outras verduras.
Foi na Palestina que aprendi a cozinhar direito, tendo sorte o bastante para viver em uma antiga e belíssima casa na cidade de Belém, na Cisjordânia ocupada, com um grande jardim que era a menina dos olhos da senhora que me alugava o local. Eu costumava molhar a terra e podar os galhos; então, juntar os frutos que caíam das árvores. Aquele jardim era um oásis de paz e tranquilidade, onde passávamos as noites, planejando nossas aulas na Universidade al-Quds, próxima dali.
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Foi também na Palestina que aprendi a importância de usar tudo que a terra possa prover. Aprendi a usar devidamente os temperos e criou um portfólio de receitas que incorporava tudo que aquele jardim poderia me oferecer: limões, damasco, alecrim, hortelã, amêndoas, azeitonas e muito mais.
Para muito além de desenvolver formas de combinar uma miscelânea de frutas e vegetais em um único prato, aprendi a tratar a terra com respeito e veneração. Cuida bem da terra e ela cuidará de você. Testemunhei o trabalho incansável de minha senhoria, como irrigava o solo todos os dias, como colhia os frutos meticulosamente no período adequado.
Em um mundo de consumismo e exploração de recursos, aprendi o valor de não desperdiçar nada. Conservas e molhos eram feitos com tudo que porventura sobrasse. Aprendi o valor da comunidade, ao ver minha senhoria levar os frutos e vegetais que sobravam de sua horta a seus vizinhos, que não tinham o mesmo espaço para cultivar.
A Palestina me ensinou muito e ainda continuo a aprender com ela todos os dias. Os laços do povo palestino e sua terra são inquebrantáveis, com raízes profundas demais para serem arrancadas pelo persistentes intentos genocidas daqueles que demonstram nada mais senão desprezo à terra que reivindicam.
Então, à pessoa que me enviou aquela mensagem — a quem respeitarei o anonimato —, deixo meu muitíssimo obrigado. Estou feliz em ter escolhido aquela foto de minhas cenouras mirradas naquele domingo distante, e estou mais feliz ainda que por acaso fez seu dia. Caso valha alguma coisa, concluo: digo o mesmo.
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