O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) realizou audiências nesta semana sobre uma queixa apresentada pela África do Sul reivindicando a cessação imediata do genocídio israelense em Gaza. A moção pede, em um primeiro momento, uma medida cautelar para suspender a guerra, com audiências em Haia nesta quinta e sexta-feira, 11 e 12 de janeiro.
Os palestinos têm ciência e admiração pelo simbolismo das ações da África do Sul, um país que também sofreu com apartheid, racismo institucionalizado e genocídio. Trata-se de um passo histórico, como a primeira vez que qualquer país do mundo registra uma denúncia de genocídio contra Israel diante da Corte Mundial.
Mas será que o tribunal conseguirá obter aquilo que eludiu toda a comunidade internacional por décadas: um cessar-fogo urgente e justiça aos criminosos de Israel?
Os argumentos apresentados contra Israel são certamente convincentes. Palestinos vivem e sofrem de crimes horríveis por décadas e décadas de ocupação, sobretudo na agressão em curso, transmitida ao vivo para todo o mundo ver.
Mais de 23 mil palestinos foram mortos pelas ações de Israel; cerca de 60 mil foram feridos. Dezenas de milhares de prédios foram danificados ou destruídos. A maioria da população — de um total de 2.4 milhões de pessoas, metade crianças — morre pouco a pouco de fome, expulsos de suas casas em um período de três meses.
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Embora o povo palestino acredite na justiça de sua causa e esteja absolutamente ciente dos crimes perpetrados contra si, ainda restam receios — sobretudo legítimos — devido a sua amarga experiência junto à chamada comunidade internacional e ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Muitos têm dúvidas sobre a seriedade dos agentes internacionais — em particular, dos Estados Unidos — no que se refere a encerrar, ou mesmo mitigar, os crimes de Israel contra o povo palestino.
Embora o julgamento final deva demorar anos, esperanças restam de que a corte emita uma decisão rápida para um cessar-fogo. Não obstante, as esperanças minguam ao lembrarmos que a implementação da ordem depende do Conselho de Segurança — onde Washington recorre reiteradamente a seu poder de veto contra qualquer medida contrária a Israel. Foi assim que Israel teve caminho livre para agir com impunidade e absoluto desdém ao direito internacional e à Convenção de Genebra.
Duas medidas
Ao mesmo tempo, perguntamos: onde estão os países do chamado mundo livre que sempre falaram tanto de justiça e direitos humanos? Os palestinos se sentem ainda abandonados, dado que nenhum regime árabe ou islâmico — supostamente nossos irmãos mais próximos — parecem ter contribuído com o caso levado ao tribunal de Haia.
Vemos também com suspeita a dupla medida adotada pelo sistema internacional de justiça, que rapidamente emitiu um mandado de prisão contra o presidente russo Vladimir Putin por sua invasão à Ucrânia, embora arraste o pé sobre outras matérias. Muito além: em março de 2022, semanas após eclodir o conflito no Leste Europeu, o TIJ ordenou a Rússia a “suspender imediatamente” suas operações militares, após Kiev alertar para o risco de genocídio.
O termo “genocídio” se refere à destruição intencional, em todo ou em parte, de um grupo nacional, étnico e religioso. Alguns especialistas dizem que o maior desafio é provar que há intenção genocida. Líderes israelenses, no entanto, desde os colonatos ao mais alto escalão de governo, deixaram claro seus objetivos.
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Disseram incontáveis vezes que é preciso impor uma punição coletiva a Gaza pelas ações de 7 de outubro, conduzidas por combatentes do grupo Hamas. Ao anunciar o cerco absoluto a Gaza, sem água, comida ou energia elétrica, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, não se acanhou em descrever todo o povo palestino como “animais humanos”.
O presidente de Israel, Isaac Herzog, confirmou que não vê distinção alguma entre alvos civis e militares na Faixa de Gaza. “É uma nação inteira que é responsável. Essa ideia de que civis não estavam cientes é mentira … lutaremos até que ajoelhem”, disse Herzog.
Israel pode argumentar que a autoridade do TIJ sobre as medidas cautelares é restrita a seu suposto direito à autodefesa, conforme a Carta da ONU. Todavia, o que faz Israel certamente não é autodefesa, mas sim uma agressão aberta. Que advogado sério poderia dizer que atos de autodefesa exigem deslocar e matar de fome dois milhões de pessoas? Destruir hospitais e assassinar recém-nascidos, crianças e idosos? Cortar água, luz e comida a uma população inteira?
Embora Haia careça de meios para aplicar suas decisões, seu veredito é vinculativo sob a lei internacional e o resultado deve erodir ainda mais a reputação global do Estado de Israel e seu relacionamento com outros países.
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Enquanto os palestinos ainda sofrem com o flagelo da guerra, seus olhos se voltam a Haia, na esperança de que os gritos de nossas crianças prevaleçam sobre o barulho do chicote de nossos algozes. Essa pode ser a última chance para conquistar a confiança dos palestinos na comunidade internacional, que jamais evitar ou conseguiu conter os crimes de Israel, muito menos responsabilizar seus perpetradores.
Esperamos que as medidas sul-africanas deem início a um novo capítulo da história de nosso povo oprimido — que os dias de impunidade israelense estejam contados.
Este artigo foi publicado originalmente pela rede Middle East Eye, em 11 de janeiro de 2024
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