Em 13 de janeiro de 2004, há duas décadas, o estudante de fotografia britânico Tom Hurndall morreu em um hospital de Londres, sem jamais recuperar a consciência após ser baleado na cabeça por um franco-atirador israelense nove meses antes, enquanto trabalhava como voluntário para o Movimento Internacional de Solidariedade (ISM), na Faixa de Gaza.
O que: A morte de Tom Hurndall
Onde: Londres
Quando: 13 de janeiro de 2004
Quem era Tom Hurndall?
Nascido em 27 de novembro de 1981, em Londres, Tom Hurndall estudava fotografia na Universidade Metropolitana de Manchester, quando decidiu se voluntariar como trabalhador humanitário nos territórios palestinos. Suas fotografias e os textos em seu diário capturam os momentos muitas vezes angustiantes e ocasionalmente inspiradores que viveu e testemunhou ao se hospedar com famílias nativas no Iraque, em um campo de refugiados na Jordânia e na Faixa de Gaza, então ocupada presencialmente por colonos e soldados de Israel.
Em 2003, Tom se juntou ao movimento contra a guerra e a invasão no Iraque, mudando-se para o país antes de seguir à Jordânia, a fim de colaborar com os esforços de assistência médica aos refugiados iraquianos. Foi então que descobriu o ISM, organização que promove protestos não-violentos contra a ocupação militar israelense na Cisjordânia e em Gaza.
O que aconteceu?
Em 6 de abril de 2003, Tom se mudou para a cidade de Rafah, no extremo sul da Faixa de Gaza, na esperança de documentar as condições de vida e a violenta opressão imposta ao povo palestino. Seus diários refletem uma mudança dramática de tom após sua chegada aos territórios ocupados, quando começou a enviar por e-mail imagens de soldados israelenses e civis palestinos a sua família.
“Ninguém poderia dizer que eu não vejo agora o que tanto precisa ser visto,”
escreveu Tom em seu diário.
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Tom chegou a constatar o assassinato de Rachel Corrie, ativista de 23 anos, esmagada por um trator militar israelense em 16 de março de 2003, enquanto tentava impedir que a casa de uma família palestina fosse destruída.
“Eu me pergunto quantas pessoas ouviram isso no noticiário e somente contaram como mais uma morte, apenas mais um número…”
Em 11 de abril, Tom, junto de colegas ativistas do ISM, deixou sua hospedagem com objetivo de instalar uma “tenda de paz” em uma estrada de Rafah, para impedir que os tanques de guerra israelenses invadissem e patrulhassem o local. Foi então que franco-atiradores começaram a disparar. Enquanto procurava um lugar para se esconder, o jovem voluntário notou um grupo de crianças palestinas na linha do fogo. Algumas das crianças fugiram em buscar de abrigo; contudo, três crianças ficaram paralisadas, em pânico, sob os disparos.
Tom sentiu o impulso de correr de onde estava para salvar as crianças e conseguiu levar uma delas a um lugar seguro. Ao deixar novamente o refúgio para resgatar uma segunda criança, foi baleado diretamente na cabeça pelo soldado israelense Taysir al-Hayb.
Sangrando no chão, menos de uma semana após chegar à Palestina, Tom Hurndall estava claramente desarmado quando foi baleado e usava uma jaqueta laranja fluorescente que o identificava como um voluntário internacional — assim como Rachel Corrie na ocasião de seu assassinato. Das torres da artilharia israelense, os soldados certamente poderiam ver se tratar de um alvo civil, identificado como trabalhador humanitário com provável cidadania estrangeira. Segundo seus colegas ativistas, “Não houve nenhum tiroteio ou resistência vindo do lado palestino”.
De acordo com alguns relatos, uma ambulância não tardou em chegar ao local do crime, cerca de apenas dois minutos depois dos disparos. No entanto, soldados da ocupação israelense obstruíram seu caminho e os paramédicos só conseguiram chegar ao paciente duas horas depois.
O que aconteceu a seguir?
Tom foi levado às pressas para um hospital próximo em Rafah, onde foi declarado clinicamente morto. Transferido pelas forças da ocupação israelense a um hospital em Beersheba, foi mantido em um respirador e passou por uma série de cirurgias. Seis semanas depois, foi transferido novamente para o Hospital Real para Deficiências Neurais de Londres.
Os danos cerebrais, não obstante, eram irreversíveis e, após nove meses sob um persistente estado vegetativo, em 13 de janeiro de 2004, Thomas Hurndall faleceu aos 22 anos.
Enquanto isso, o exército israelense conduziu seu “inquérito interno de rotina”, ao alegar, em um primeiro momento, que o cidadão britânico fora “acidentalmente baleado no fogo cruzado”, ao sugerir que combatentes utilizaram o ativista como
“escudo humano”. O relato, no entanto, foi contestado de forma contundente por testemunhas em campo, que insistiram que Tom foi baleado por um fuzil de alta precisão enquanto tentava proteger crianças palestinas, em vez de ser pego em qualquer suposto fogo cruzado.
A família Hurndall pressionou os governos israelense e britânico a avançar no inquérito. Em outubro de 2003, o então secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, Jack Straw, enfim ordenou uma investigação.
Apenas em 2005, uma corte israelense condenou o franco-atirador por homicídio culposo, quando supostamente não há intenção de matar, ao sentenciá-lo a oito anos de prisão — dos quais cumpriu somente seis anos e meio, após uma corte menor declarar que o assassino do voluntário britânico já “não representava mais nenhum perigo” à sociedade. Durante o julgamento, o soldado chegou a alegar que uma política de atirar em civis desarmados estava em vigor na ocasião.
“Na mesma rua onde Tom foi baleado, duas crianças foram baleadas dias antes”, comentou o ativista Raphael Cohen, que estava com o colega no dia de seu assassinato. “É por isso que ele e o resto do grupo foram àquele local, para protestar contra os ataques a crianças que brincavam nas ruas. Jamais houve qualquer investigação sobre disparos realizados contra essas crianças”, acrescentou.
De fato, a matança de palestinos por soldados e policiais israelenses, além de colonos ilegais, raramente leva a condenações ou sequer indiciamento.
De acordo com a rede The Telegraph, a irmã de Tom, Sophie, confirmou que a família jamais foi informada pelas autoridades israelenses sobre a libertação antecipada de al-Hayb. Em vez disso, a notícia foi entregue pelo Ministério das Relações Exteriores britânico.
“Não tivemos tempo de nos organizar para l lidar com o que estava acontecendo”, recordou Sophie, ao confirmar, contudo, que a impunidade ao soldado já era esperada. “Mal tivemos tempo para processar as notícias, todos nós ficamos indignados e chocados. Tivemos de lidar com os esforços e as mentiras para encobrir o crime e uma total falta de justiça e responsabilidade. Mas tudo isso está conectado. É sintomático.”
Sophie reiterou que a família não se indignou apenas as ações de al-Hayb, mas sobretudo com a atitude casual das autoridades israelenses no que se refere a ataques flagrantes e indiscriminados aos civis palestinos.
“Para ser honesta, é sobre todo um sistema e não um indivíduo. Este homem que disparou contra o Tom tinha a mesma idade que ele. É tanto uma espécie de vítima quanto é seu assassino. Ele faz parte de um sistema que incentiva proativamente soldados a atirar em civis”.
A libertação antecipada do assassino de seu irmão, lamentou Sophie, emitiu uma clara mensagem aos soldados israelenses, de que poderiam agir com absoluta impunidade. “Tantas pessoas inocentes foram mortas de tantas maneiras horríveis. Mas eles simplesmente não parecem se importar com mais ninguém.”
A irmã de Tom Hurndall expressou também sua profunda decepção com seu próprio governo, então liderado pelo primeiro-ministro trabalhista Tony Blair. “É incrivelmente triste. Uma das coisas que aconteceu comigo desde que meu irmão foi morto é que l perdi a fé na humanidade. Não posso acreditar que as pessoas podem fazer essas coisas, e que meu próprio governo pode ficar quieto diante disso.”
A família Hurndall, especialmente Sophie e sua mãe, Jocelyn, continua ativa no movimento de solidariedade palestina, junto de seus amigos próximos. Apesar da tragédia, Thomas Hurndall deixou um legado de humanidade, homenageado em conferências, um filme e um livro.
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