O Conselho de Segurança das Nações Unidas deu início a uma nova sessão aberta nesta terça-feira (23), em Nova York, com a participação de representantes de mais de 60 países, para obter atualizações sobre a situação em Gaza.
António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, descreveu a campanha de Israel em Gaza como crime de punição coletiva, ao reafirmar: “Nada pode justificar a punição coletiva contra o povo palestino”.
Segundo o correspondente in loco da Al Jazeera Gabriel Elizondo: “[Guterres] pintou um retrato sinistro, de uma situação que vai de mal a pior”.
“[Guterres] tentou novamente chamar a atenção do mundo e, particularmente, do Conselho de Segurança e dos ministros de Relações Exteriores ali presentes, para a situação apavorante em Gaza, sobretudo em termos humanitários”, acrescentou Elizondo.
Os Estados-membros acolheram a indicação da ex-chanceler holandesa Sigrid Kaag como nova coordenadora humanitária a Gaza, embora analistas alertem para “um trabalho duríssimo à sua frente”.
“[Kaag] esteve em Gaza na terça-feira”, observou Elizondo, “mas só pode passar algumas horas ali por conta da difícil situação de segurança, sobretudo os bombardeios de Israel … Embora seu trabalho seja levar assistência a Gaza, como reconhece a ONU, é algo quase impossível sem um cessar-fogo”.
Debate acalorado
A sessão contou com mais de 60 falantes, incluindo muitos ministros, que vocalizaram temores sobre a continuidade da guerra e propagação da escalada.
Guterres criticou ainda comentários recentes de líderes israelenses — entre os quais, o premiê Benjamin Netanyahu — de rejeição categórica à solução de dois Estados.
Para Guterres, a negação do direito a um Estado palestino prorrogaria o conflito infinitamente, à medida que um Estado único, no modelo atual — com uma população nativa sem direitos básicos e sob continuada ocupação —, é “inconcebível”.
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O ministro de Relações Exteriores da Autoridade Palestina (AP), Riyad al-Maliki, reiterou que os líderes em Tel Aviv “não enxergam o povo palestino como uma realidade política e empírica com a qual têm de conviver, mas sim como uma ameaça demográfica da qual precisam se livrar, seja por subjugação, deslocamento ou morte”.
Para al-Maliki, há dois caminhos adiante: um que abra espaço à libertação palestina e, portanto, à paz e segurança na região, e outro que preserve a opressão e condene a região a um conflito sem fim.
“Israel não pode mais se iludir de que há um terceiro caminho, segundo o qual pode manter a ocupação, a colonização e o apartheid e ainda assim, de alguma maneira, obter paz e segurança a toda a região”, reiterou al-Maliki.
Tel Aviv, todavia, insistiu em uma retórica inflamatória, ao rechaçar os apelos internacionais por cessar-fogo como “chocantes”.
O ministro de Relações Exteriores da França, Stéphane Séjourné, que preside o Conselho de Segurança até o fim de janeiro, ecoou os chamados por dois Estados.
Seu homólogo argelino, Ahmed Attaf, no entanto, destacou que Israel tenta impor cada vez mais presença nas ruínas do projeto nacional palestino, ao pedir novamente uma conferência de paz internacional para obter uma solução definitiva ao conflito.
Para Attaf, após o genocídio em Gaza, é impossível à comunidade internacional que se contente em meramente administrar o conflito, sem tratar de suas causas. Segundo Argel, a segurança e paz no Oriente Médio “não podem ser reféns” da ocupação israelense.
Uzra Zeya, subsecretária de Estado dos Estados Unidos, voltou a pedir à liderança israelense que busque minimizar as baixas civis e reiterou apoio à solução de dois Estados. Contudo, reforçou a retórica israelense ao apelar ao Hamas como suposta razão da crise ainda em curso.
David Moinina Sengeh, ministro-chefe de Serra Leoa, advertiu que um cessar-fogo é o “mínimo requerido” a qualquer operação humanitária na Faixa de Gaza e expressou apreensão sobre as tensões na região, ao instar soluções diplomáticas para a escalada.
Movimentação russa
O ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, emitiu um “documento de trabalho” aos presentes no Conselho de Segurança, com propostas para uma nova iniciativa de paz.
O plano pede um cessar-fogo imediato e estabelecimento de um Estado palestino nas fronteiras de 1967, além de unidade político-administrativa de Gaza e Cisjordânia.
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Lavrov disponibilizou a capital Moscou para receber conversas de mediação.
Em discurso no plenário, contudo, o chanceler admitiu “dúvidas de que Gaza será habitável uma vez que acabe o conflito”, como resultado dos bombardeios israelenses ao território sitiado.
“O solo, o subsolo, o ar, tudo foi poluído em uma escala sem precedentes, pelos bombardeios e os produtos químicos que estes liberam, pela biomassa que agora apodrece — algo horrível de dizer —, além do esgoto e outros resíduos”, comentou Lavrov.
O Kremlin vem mobilizando esforços diplomáticos em torno de Gaza.
Na sexta-feira (19), o gabinete político do Hamas reportou uma visita de uma delegação de alto nível à cidade russa, para se reunir com Mikhail Bogdanov, vice-chanceler e assessor especial do presidente Vladimir Putin para o Oriente Médio.
Em Nova York, Lavrov se encontrou ainda com o chanceler iraniano, Hossein Amir-Abdollahian, ocasião na qual concordaram na urgência de um cessar-fogo e em condições para permitir que a ajuda humanitária chegue aos civis e refugiados.
Segundo a agência de notícias Reuters, a conversa orbitou Gaza, mas abordou também Síria e a “situação tensa” no Mar Vermelho, onde forças houthis, que administram o Iêmen, mantêm um embargo de facto a embarcações ligadas a Israel.
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Em retaliação aos houthis — aliados de Teerã —, Estados Unidos e Grã-Bretanha lançaram nesta segunda-feira (22) uma nova rodada de ataques à capital iemenita Sanaa, instigando receios de disseminação da guerra.
Israel mantém ataques a Gaza desde 7 de outubro, deixando 25 mil mortos, 60 mil feridos e dois milhões de desabrigados. Cerca de 60% da infraestrutura civil de Gaza foi destruída — incluindo hospitais, escolas e abrigos. A maioria das vítimas são mulheres e crianças.
As ações israelenses são crime de guerra e genocídio.