Israel mata dezenas em Rafah, diz encontrar dois reféns

Israel conduziu ataques aéreos na cidade de Rafah, no extremo sul da Faixa de Gaza sitiada, na madrugada de domingo para segunda-feira (12), matando dezenas, conforme oficiais de saúde em campo, à medida que os refugiados palestinos temem um novo “banho de sangue”.

O governo israelense aprovou ainda uma operação por terra, segundo informações da imprensa local divulgadas neste domingo (11).

O exército da ocupação israelense alegou bombardear uma série de “alvos terroristas” no bairro residencial de Shaboura, operação na qual supostamente recuperou dois prisioneiros de guerra mantidos pelo movimento Hamas desde 7 de outubro.

Os reféns foram identificados como os cidadãos argentino-israelenses Fernando Simon Marman e Louis Norberto Hare, ambos em boas condições.

A ação ocorreu em torno da 1h00 da manhã de segunda-feira (23h00 GMT).

Contudo, não há informações verificadas sobre o paradeiro de ambos antes da operação, após semanas de ofensiva em Khan Yunis e uma visita do presidente argentino, Javier Milei, a Israel, ocasião na qual se reuniu com lideranças de extrema-direita.

Segundo analistas, o suposto resgate deve ser usado pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, para justificar a invasão por terra ao último refúgio dos palestinos de Gaza.

A soltura dos reféns foi promovida por Tel Aviv como um “grande sucesso”, após meses de crise interna e pressão de familiares contra o governo. Os disparos por mar e terra, justificados como uma operação diversionista, atingiram, no entanto, catorze casas palestinas, deixando ao menos 67 mortos e dezenas de feridos.

As mesquitas al-Rahma e al-Huda, que abrigavam dezenas de famílias no campo de refugiados de Yabna, foram atingidas. Há ainda relatos de bombardeios intensos nos arredores do Hospital do Kuwait. Os ataques se aproximaram também da fronteira com o Egito.

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Suhaib al-Hams, diretor do Hospital do Kuwait, afirmou: “Nosso hospital está lotado de pessoas feridas em uma situação perigosíssima, onde não há medicamentos suficientes”.

Segundo informações da rede de notícias Wafa e imagens verificadas pela Al Jazeera, centenas de pessoas deixaram as cercanias do hospital neste fim de semana, em busca de novo abrigo.

O Hamas alertou que uma incursão em campo contra Rafah “implodirá” quaisquer negociações para uma troca de prisioneiros, menos de uma semana após o governo israelense rechaçar uma proposta de cessar-fogo do grupo palestino.

Em comunicado, o Hamas descreveu as ações em Rafah como “uma ampliação dos massacres” conduzidos contra a população civil de Gaza.

“Os ataques do exército da ocupação nazista [Israel] contra Rafah, nesta noite, que ceifaram a vida de dezenas até então, são uma continuidade da guerra genocida e dos esforços para coagir o deslocamento em massa do povo palestino”, declarou a nota.

À imprensa, Netanyahu prometeu prosseguir com a campanha. “Somente a continuada pressão militar, até a vitória absoluta, resultará na soltura de todos os reféns”, insistiu o premiê.

Agências humanitárias temem uma escalada sem precedentes nas baixas civis caso Tel Aviv siga com a operação em Rafah, designada pelo próprio governo israelense como “zona segura”, para onde foram evacuados à força refugiados de todo o território.

Estima-se que 1.5 milhão de pessoas, mais da metade da população de Gaza, esteja aglomerado nos abrigos de Rafah, cidade que possuía apenas 300 mil habitantes antes da guerra.

Durante sua varredura norte-sul, Israel destruiu mais de 60% da infraestrutura civil de Gaza, ao deixar 28.340 mortos e 67.984 feridos, além de dois milhões de desabrigados.

Pressão externa e limpeza étnica

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sob veemente pressão política em plena campanha à reeleição, alertou contra a ofensiva a Rafah sem que antes haja um “plano crível e executável” para evitar uma escalada ainda maior nas baixas civis.

Em resposta, Netanyahu prometeu “salvo-conduto” às pessoas em Rafah. A falta de detalhes, no entanto, alimentou receios de uma transferência compulsória da população ao deserto do Sinai, no território do Egito, apesar das sucessivas reprimendas do país vizinho.

No domingo, Netanyahu alegou à rede americana de extrema-direita Fox News haver “bastante espaço” para os refugiados palestinos no norte de Rafah — novamente, sem detalhes.

Nas ações anteriores, rotas de fuga, assim como hospitais, mesquitas, igrejas e mesmo escolas e abrigos da Organização das Nações Unidas (ONU), não foram poupados.

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O Ministério de Relações Exteriores da Autoridade Palestina — radicado na Cisjordânia ocupada — ecoou temores de limpeza étnica. “Israel mantém oficialmente seus ataques a civis ao levar a guerra a Rafah para pressionar a população a um novo deslocamento sob bombardeio”, reiterou a chancelaria na rede social X (Twitter).

“Os recentes massacres são evidência da validade dos alertas internacionais e de temores sobre resultados catastróficos da expansão da guerra a Rafah”, acrescentou a pasta.

O que sabemos sobre os reféns?

Segundo o exército israelense, os reféns recuperados são Louis Norberto Hare (70) e Fernando Simon Marman (60), ambos colonos argentinos capturados no assentamento de Nir Yitzhak, no envelope de Gaza, em 7 de outubro.

O porta-voz militar israelense Daniel Hagari alegou que a suposta operação de resgate em Rafah fora preparada “por um longo tempo”, à espera de “condições favoráveis”. Segundo sua versão, houve disparos dos prédios vizinhos, então destruídos por aviões de guerra.

“Muitos terroristas [sic] foram eliminados nesta ação”, comemorou Hagari, apesar de imagens gráficas de crianças mortas circularem online.

Do lado ocupante, não houve baixas, apenas um soldado ferido, segundo o porta-voz.

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Em 7 de outubro, uma operação transfronteiriça do Hamas capturou 240 soldados e colonos no chamado envelope de Gaza. Dezenas foram libertados em novembro, em meio a uma trégua de uma semana. O regime israelense estima que 134 reféns permanecem em Gaza.

Conforme notas públicas das Brigadas Izz al-Din al-Qassam, braço armado do Hamas, os ataques indiscriminados de Israel mataram ao menos dois prisioneiros de guerra e deixaram outros oito feridos em estado grave.

O Hamas apresentou na semana passada um plano detalhado em três fases, com prazo de quatro meses e meio, para libertar todos os prisioneiros de guerra em troca de centenas de palestinos detidos arbitrariamente pelas forças coloniais de Israel.

Netanyahu rejeitou o plano ao insistir em sua retórica inflamatória e ignorar apelos globais por uma solução política à crise ainda em curso.

Há hoje ao menos oito mil palestinos encarcerados pela ocupação, muitos dos quais sem sequer acusação ou julgamento — reféns, por definição.

Gratidão de Milei

O presidente argentino Javier Milei, empossado em dezembro, agradeceu ao exército israelense por resgatar seus cidadãos em Gaza. Em comunicado, pediu “a soltura de cada refém argentino, ao manter sua firme condenação do grupo terrorista [sic] Hamas”.

A Argentina — assim como o Brasil — segue até então a orientação do Conselho de Segurança, ao não reconhecer o Hamas como “organização terrorista”, mas sim movimento nacional. Milei prometeu mudar a designação portenha, apesar de enfrentar impasses no Congresso.

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Milei esteve em Israel na última semana, enquanto protestos tomavam as ruas de Buenos Aires e outras cidades do país.

O presidente argentino prometeu cultivar relações ainda mais próximas com Israel, incluindo ao transferir sua embaixada de Tel Aviv a Jerusalém ocupada — medida ilegal conforme a lei internacional.

Sem ter para onde ir

 Nebal Farsakh, porta-voz do Crescente Vermelho da Palestina, reafirmou que os refugiados em Rafah não têm para onde ir.

Estima-se uma densidade demográfica de 16 mil pessoas por quilômetro quadrado atualmente em Rafah, sob uma escassez crítica de insumos fundamentais, à medida que Israel mantém seu bloqueio à assistência humanitária.

“Rafah já abriga quase metade da população de Gaza”, observou Farsakh. “Desde a deflagração da guerra, pessoas fogem a Rafah sob ordens de evacuação israelense. Há famílias que já foram evacuadas até dez vezes”.

“A questão é: para onde elas vão? Não há lugar seguro e não existe maneira alguma de evacuá-las novamente”, prosseguiu Farsakh. “Além disso, há uma destruição completa da infraestrutura e a falta de transporte torna impossível às pessoas ir a qualquer lugar”.

Em um tom diametralmente oposto ao clima festivo do exército israelense, refugiados em Rafah relataram uma noite de horror e devastação.

Majed al-Afifi, de apenas 40 dias, esteve entre os mortos no campo de refugiados. Seu tio, Said al-Hamas (26) relatou o episódio à rede AFP (Agence France-Presse): “Ouvimos as bombas sem qualquer aviso”. A mãe do bebê também ficou ferida.

“A situação é infernal”, insistiu Abu Suhaib (28), que dormia há alguns metros do local alvejado. “Ouvimos o som das explosões, como se o inferno caísse sobre nós, civis”. Conforme seu relato, havia intenso barulho de helicópteros e aviões de guerra.

O ataque deixou cinco crateras de dez metros de diâmetro e cinco metros de profundidade no distrito residencial, segundo um correspondente da agência francesa.

“Não sei dizer como sobrevivi essa noite”, declarou Abu Abdullah al-Qadi, que estava acordado no momento dos disparos. “Mataram meu primo. Mataram muita gente. Em seguida, invadiram e disseram libertar uns prisioneiros. Então, bombardearam o prédio e toda a vizinhança”.

As ações israelenses são punição coletiva, crime de guerra e genocídio.

 

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