Após denúncia de ‘holocausto’ em Gaza, Israel declara Lula ‘persona non grata’

Israel Katz, ministro das Relações Exteriores de Israel, subiu o tom contra o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, após o chefe do executivo comparar a guerra de extermínio israelense na Faixa de Gaza sitiada com o Holocausto nazista.

Nas redes sociais, Katz declarou Lula “persona non grata”.

“Nós não perdoaremos e não esqueceremos. Em meu nome e em nome dos cidadãos de Israel, informei ao presidente Lula que ele é persona non grata em Israel até que se desculpe por suas palavras”, demandou o chanceler israelense.

Lula criticou a campanha militar de Israel e os cortes internacionais à ajuda humanitária a Gaza, em meio a fome que assola a região devido aos ataques israelenses à infraestrutura civil.

O que está acontecendo na Faixa de Gaza, com o povo palestino, não existiu em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler decidiu matar os judeus.

 

, reiterou o presidente.

“Não é uma guerra entre soldados e soldados”, argumentou. “É uma guerra entre um exército altamente preparado e mulheres e crianças”.

Katz confirmou ter convocado o embaixador brasileiro, Frederico Meyer, para reprimenda.

“A comparação do presidente brasileiro Lula entre a guerra justa [sic] contra o Hamas e as ações de Hitler e dos nazistas, que destruíram 6 milhões de judeus, é um ataque antissemita [sic] que profana a memória daqueles que morreram no Holocausto”, acrescentou.

Ideólogos coloniais costumam equiparar críticas legítimas às práticas do Estado israelense e sua ideologia fundacional sionista — de caráter supremacista e militar — com o racismo antijudaico, a fim de difamar, deslegitimar e silenciar acadêmicos, políticos e ativistas.

Ainda neste domingo (18), o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, acusou Lula de “atravessar uma linha vermelha”.

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“As palavras do presidente do Brasil são vergonhosas”, insistiu Netanyahu. “Trata-se de banalizar o holocausto e de tentar prejudicar o povo judeu e o direito de Israel se defender [sic]”.

Em declaração à imprensa local, Netanyahu chamou Lula de “antissemita virulento”.

Diplomatas analisam que há uma crise nas relações entre as partes. Ativistas e analistas afirmam se tratar, contudo, de uma janela para que Brasília rompa relações diplomáticas, econômicas e militares com Israel, a fim de dissuadir o regime de apartheid de sua campanha em Gaza.

Em 26 de janeiro, o tribunal em Haia reconheceu “plausibilidade” da denúncia sul-africana de que Israel comete genocídio em Gaza, ao determinar uma série de medidas, incluindo assistência humanitária contínua, à população afetada.

O apoio brasileiro à denúncia sul-africana foi considerado um dos mais eminentes do Sul Global.

Israel rejeita categoricamente propostas e apelos internacionais por cessar-fogo, assim como as medidas cautelares deferidas por Haia.

 Resposta judaica

 A Confederação Israelita do Brasil (Conib) e a Fisesp (Federação Israelita do Estado de São Paulo) repudiaram a comparação feita por Lula.

A Conib acusou o governo de assumir uma posição “extrema e desequilibrada”.

A Fisesp insistiu na tese de “legítima defesa [contra] um grupo terrorista [sic] que não mede esforços para assassinar israelenses e judeus”, em detrimento da desproporcionalidade das ações de Tel Aviv e da escala das baixas civis.

Ambas os comunicados contradizem denúncias de um grupo crescente de judeus antissionistas que ecoam palavras de ordem como “Não em nosso nome” e “Nunca mais é nunca mais para todos”.

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Sobreviventes do Holocausto e familiares somam-se às denúncias.

Marione Ingram, ativista por direitos civis de 87 anos, por exemplo, manteve protestos nas ruas de acesso da Casa Branca, em Washington DC, desde outubro, para pressionar o governo dos Estados Unidos a reivindicar um cessar-fogo em Gaza.

“O que Israel está fazendo não acabará com o conflito, mas apenas o agravará”, alertou Ingram ainda em novembro.

A entidade emergente brasileira Vozes Judaicas por Libertação (VJL) reiterou apoio à posição de Lula neste domingo.

“Enquanto a ONU e diversas organizações internacionais falham em acabar com a ofensiva israelense, é de suma importância a posição e coragem de líderes internacionais ao denunciarem o genocídio do povo palestino”, declarou em sua página do Instagram.

Em postagem anterior, sobre a denúncia sul-africana em Haia, destacou a organização: “A Conib não nos representa”.

“A comunidade judaica brasileira é plural”, elucidou o coletivo em nota. “A Conib —que se diz sua representante — tem expressado apenas a posição de uma parcela ultrassionista que defende de forma incondicional as ações militares de Israel em Gaza, mesmo que violem diversos itens do direito humanitário internacional”.

 Israel e o Holocausto

 O próprio Netanyahu ganhou manchetes em 2015 por “banalizar o holocausto”, ao alegar que o líder nazista Adolf Hitler “não tinha intenção de matar judeus”, mas fora convencido pelo então mufti de Jerusalém, Haj Amin al-Husseini.

As falas de Netanyahu não têm base histórica.

Na época, autoridades palestinas e judeus antissionistas advertiram que, na prática, Netanyahu buscava absolver Hitler em sua fala, ao projetar o trauma do Holocausto a uma retórica de ódio contra os palestinos.

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“É um triste dia na história em que o líder do governo de Israel odeia tanto seu vizinho que está disposto a absolver o mais notório criminoso de guerra, Adolf Hitler, pelo assassinato de seis milhões de judeus”, lamentou Saed Erekat, então secretário-geral da Organização para a Libertação da Palestina (OLP).

Os comentários de Netanyahu, no entanto, não são um caso isolado, mas sim um aspecto comum à educação israelense.

Andrew Hurley, em seu livro One Nation Under Israel (1999), expôs como o uso colonial e militarizado do ensino do Holocausto busca doutrinar crianças e jovens a um ódio endêmico contra o povo palestino.

“A mente de uma criança não pode absorver os horrores do Holocausto sem encontrar alguém para odiar”, argumentou Hurley. “E já que não há nazistas contra os quais se vingar, [o governo israelense] solucionou o problema ao descrever os árabes como ‘nazistas’ e alvejá-los, portanto, como retaliação”.

Meytal Nasie, professora israelense, corrobora a tese de Hurley. Em seu estudo de 2016, Young Children’s Experiences and Learning in Intractable Conflicts, Nasie revelou que 68% das crianças pensam que “espancar”, “matar” ou “expulsar” os árabes nativos é uma “solução”.

Outra professora israelense, Nurit Peled-Elhanan, em seu livro de 2013, Palestine in Israeli School Books: Ideology and Propaganda in Education, observou que os palestinos são retratados como o “outro”, enquanto israelenses seriam “vítimas da história e das circunstâncias”.

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Peled-Elhana desenvolveu o estudo em torno de uma pergunta específica sobre a representação dos palestinos “contra os quais jovens israelenses serão requisitados a usar a força”. A pesquisa concluiu que o ensino israelense prioriza a “criação de um passado útil sobre a precisão e busca frequentemente manipulá-lo para justificar o presente”.

“Os livros — sem quaisquer evidências — ainda representam os palestinos como ‘bandidos’ e os israelenses como ‘vítimas’”, escreveu Peled-Elhana. “Os palestinos são vistos meramente como um obstáculo ou ameaça a ser superado ou eliminado. Suas histórias, portanto, seu sofrimento, sua verdade e seus rostos humanos são excluídos da narrativa”.

A estrutura doutrinária culmina na desumanização dos palestinos de Gaza, ao justificar ações de punição coletiva e genocídio — processo similar à desumanização dos judeus europeus e outras minorias pela campanha de propaganda nazista.

Recentemente, vídeos de jovens israelenses manifestando racismo e ódio aos palestinos nativos viralizaram no TikTok, Instagram e outras redes sociais. Muitos dos usuários que compartilham tais mensagens são jovens soldados ou reservistas, dançando nas ruínas de Gaza ou celebrando a devastação.

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Em meados de outubro, o presidente Isaac Herzog, considerado centrista, fez coro aos apelos para se manter os ataques indiscriminados ao enclave mediterrâneo em violação do direito internacional, ao assinalar em público: “Não existem civis em Gaza”.

Ao promover seu cerco militar absoluto, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, descreveu os palestinos de Gaza — 2.4 milhões de pessoas — como “animais humanos”.

Netanyahu, por sua vez, ao anunciar a ofensiva por terra, no fim de outubro, chegou a declarar uma “guerra santa contra as crianças das trevas”.

 Lula na África

Lula viajou a Addis Abeba, capital da Etiópia, para participar como convidado de uma cúpula da União Africana, após visitar o Egito e conversar com autoridades locais.

Na quinta-feira (15), na cidade do Cairo, Lula criticou as instituições internacionais por fracassar em solucionar conflitos geopolíticos e condenou as ações israelenses em Gaza.

“Não tem nenhuma explicação o comportamento de Israel”, comentou o presidente, ao lado de seu homólogo egípcio, Abdel Fattah el-Sisi. “Sob o pretexto de derrotar o Hamas, está matando mulheres e crianças — coisa jamais vista em qualquer guerra que eu tenha conhecimento”.

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O presidente chegou ao país na quarta-feira (14), em um momento de tensões regionais devido aos avanços das tropas israelenses em direção à fronteira entre Gaza e Egito.

Lula reiterou oposição aos planos israelenses para expulsar os habitantes de Gaza ao deserto do Sinai, à véspera de uma invasão por terra contra a cidade de Rafah, último refúgio dos palestinos deslocados no extremo sul do enclave.

Rafah abriga hoje 1,5 milhão de pessoas — de uma população original de 300 mil moradores.

Em âmbito oficial, o Egito e a comunidade internacional rechaçam os esforços de transferência compulsória anunciados por Israel.

 Morte e devastação

 Israel mantém ataques a Gaza desde 7 de outubro, em retaliação a uma ação transfronteiriça do grupo Hamas que capturou colonos e soldados. Segundo autoridades israelenses, 1.200 pessoas morreram na ocasião.

As informações concedidas por Tel Aviv, contudo, são opacas e compartimentalizadas, sob uma intensa campanha de propaganda de guerra.

Uma reportagem investigativa do jornal israelense Haaretz, contudo, revelou que grande parte das fatalidades se deu por “fogo amigo”, sob ordens expressas de comandantes, documentadas em áudios vazados ao público, para não permitir a tomada de reféns.

Em Gaza, são ao menos 29.092 mortos e 69.028 feridos — na maioria, mulheres e crianças.

Em torno de 70% da infraestrutura civil de Gaza foi destruída pela varredura norte-sul realizada pelas forças ocupantes. Hospitais, escolas, abrigos e mesmo rotas de fuga não foram poupadas. Dois milhões de pessoas foram desabrigadas.

As ações israelenses são punição coletiva, crime de guerra e genocídio.

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