Portuguese / English

Middle East Near You

Soldados israelenses em Gaza ostentam má conduta

A mentira do Estado palestino

Milhares marcham pelo fim do comércio de armas com Israel, em solidariedade ao povo palestino, em Madrid, na Espanha, em 25 de fevereiro de 2024 [Burak Akbulut/Agência Anadolu]

Quanto mais a pressão sobre a liderança do Estado sionista se intensifica, mais seus amigos no Ocidente prometem estabelecer um Estado palestino para pôr fim aos 76 anos de conflito, a fim de supostamente estabilizar o Oriente Médio. Suas “promessas”, contudo, são incomensuráveis mentiras somadas a muitas outras que desapareceram em pleno ar ao longo dos anos.

Desde que Israel sofreu sua dura derrota — em âmbito militar, político, legal e moral — desde a Operação Tempestade de Al-Aqsa em outubro e a subsequente invasão a Gaza, seus amigos no Ocidente, sobretudo os países que o criaram em primeiro lugar, tentam tirá-lo do buraco de sua própria autoria. Por essa razão, vozes ecoam das várias capitais pedindo o estabelecimento de um Estado palestino, como parte de um acordo entre a ocupação sionista e os movimentos de resistência palestinos na Faixa de Gaza, para enfim interromper os combates. Isso foi dito pelo ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, David Cameron, e ecoado pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Rumores que circularam na mídia alegam haver uma crença de que progressos significativos foram feitos neste conflito, de maneira geral, de modo a possivelmente ajudar a resolver a crise regional que parece crônica.

Todavia,

“Aquele que é fiel não é mordido duas vezes pelo mesmo buraco”, disse o Profeta Muhammad — que a Paz esteja com ele.

Em outras palavras, uma vez mordido, duas vezes acanhado, como dizem os ingleses. Os líderes palestinos caíram na arapuca colonial sionista no início da década de 1990, quando a ocupação se mostrou incapaz de controlar as repercussões da Primeira Intifada. O Estado ocupante correu a seus amigos para salvá-lo, levando às perversas negociações de Madrid e ao tenebroso Acordo de Oslo, assinado em setembro de 1993. A promessa era instaurar um Estado palestino. Porém, como ficou claro, o objetivo verdadeiro era coordenar a segurança de Israel junto à Autoridade Palestina, para proteger precisamente a ocupação do povo ocupado. A Autoridade sempre teve como propósito servir como braço colaboracionista às armas de Israel.

LEIA: Guerra em Gaza: o fracasso dos déspotas árabes em enfrentar Israel pode alimentar uma explosão

Oslo assegurou o reconhecimento da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) sobre o Estado sionista, ao revogar sua cláusula fundacional sobre o direito à luta armada para libertar a totalidade da Palestina histórica, em troca de uma pequena governança cujo Estado permanece elusivo até os dias de hoje. Ao contrário, o que vimos é mais e mais roubo de terras prometidas a este Estado por Israel, para dar lugar à construção de assentamentos ilegais e atrofiar cada vez mais a área de um eventual Estado palestino — hoje, com menos de 20% das terras ancestrais. Oslo, cujo destino estava escrito, levou a mais e mais mortes e prisões de palestinos nativos, sob o pretexto de manter a “coordenação de segurança” com o Estado de Israel.

A OLP pareceu satisfeita com sua diminuta autoridade imaginária e suas procissões posteriores em carros de luxo, tapetes vermelhos e jatos privativos. E assim, abandonou seus esforços e seu direito à luta armada por libertação, ao outorgar a Israel o direito de existir em terras palestinas. Após tomar o controle de toda a Palestina — do rio ao mar —, os colonizadores buscam agora um assentamento alternativo ao povo palestino.

Gaza sitiada é a prisão a céu aberto que resiste à colonização da Palestina por Israel – Charge [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio][Sabaaneh/MEMO]

Desde que a OLP baixou suas armas, sua liderança distraiu-se pelo falso verniz de autoridade e vendeu a preço baixo os direitos originários do povo palestino. Disse antes e repito: aqueles que lideram a Autoridade Palestina perderam qualquer direito de falar em nome do povo palestino; assim como os governantes árabes que beijam as soleiras da Casa Branca. Venderam seu povo e Jerusalém aos conquistadores sionistas.

Nas décadas de negociações pós-Oslo — o chamado “processo de paz” —, os palestinos fizeram concessões após concessões, perdendo terras e mais terras a assentamentos ilegais e vidas sem fim ao deslocamento e incontáveis massacres. Israel buscou distrair os palestinos e o chamado mundo árabe com suas falsas promessas de “paz”, enquanto impunha sua supremacia judaica a Jerusalém e outras cidades, aldeias e ruínas da Palestina histórica. Washington chegou ao ponto de reconhecer Jerusalém como capital “indivisível” do Estado de apartheid de Israel.

A Segunda Intifada começou em 28 de setembro de 2000 e retomou o espírito de resistência do povo palestino, sob os auspícios do falecido líder Yasser Arafat. Arafat retornou de Camp David frustrado com as conversas, então assumidas junto ao primeiro-ministro de Israel, Ehud Barak, e o presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton.

LEIA: Guerra em Gaza: Porque é que o Ocidente está a cair no plano de Israel para destruir a Unrwa?

Arafat percebeu enfim que não havia sentido algum em tentar alcançar um acordo de paz com o Estado colonial sionista e libertou-se da ilusão de que estes seriam os percalços para obter seus direitos por um Estado palestino, com Jerusalém como capital e com o retorno dos refugiados a suas terras. Os palestinos não perderam as esperanças, mesmo após sete anos de Oslo; um dia, despertaram à dura realidade e decidiram reaver seus esforços legítimos de resistência armada. O próprio Arafat convocou a Intifada, junto ao Movimento de Resistência Islâmica Hamas, criado no primeiro levante, conforme os preceitos de libertação da Palestina histórica.

Uma nova fase de resistência armada então se lançou, que não se encerrou, no entanto, com o assassinato de Arafat, por envenenamento, em 2004, ou com o “desengajamento” dos colonos e soldados sionistas da Faixa de Gaza, no ano seguinte. Tampouco diluiu-se com o assassinato de sucessivas lideranças do Hamas: Ahmed Yassin, Abdel Aziz al-Rantisi, entre outros. Desde então, Israel lançou ao menos cinco ofensivas militares contra a Faixa de Gaza: entre 2008 e 2009, em 2012, 2014, 2021 e enfim em 2023. Após a vitória eleitoral do Hamas, em 2006, Israel instaurou ainda um bloqueio absoluto contra Gaza, forçando a população a uma morte lenta. Sim, o povo palestino está disposto a se sacrificar para libertar sua terra e assumiu ônus que nenhum outro povo no mundo assumiu até então por sua independência, justiça e dignidade.

A operação de resistência de 7 de outubro pegou Israel de surpresa e virou a mesa, após anos e anos de mera reação aos ataques de Israel. Os colonizadores falharam em fazer se curvar o povo de Gaza, apesar do genocídio israelense contra a população civil, por meio da fome planejada e dos bombardeios massivos contra a infraestrutura. O Hamas tampouco foi derrotado. De fato, a bússola palestina parece ter destino certo, após apontar por quase um quarto de século a uma direção equivocada, estabelecida pelos Acordos de Oslo. Os palestinos não podem mais aceitar as falsas promessas da Autoridade Palestina e de sua coordenação “sacra” com os usurpadores; eles sabem que o Estado palestino só pode ser conquistado via resistência.

 

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

Categorias
ArtigoIsraelOpiniãoOriente MédioPalestina
Show Comments
Palestina: quatro mil anos de história
Show Comments