Sozinho, Israel jamais concederia qualquer traço de liberdade ao povo palestino. No passado, no entanto, algumas pessoas — seja por ignorância ou não — chegaram a afirmar que a dita paz na Palestina só seria possível por meio de “negociações incondicionais”. Este mantra contou com o apoio do premiê israelense Benjamin Netanyahu por anos, até que se sentiu livre das fantasias ocidentais para assumir uma face mais verdadeira. Lá atrás, Netanyahu prometia sua disposição a “negociações incondicionais”, sob a alegação persistente de que Israel carecia de um parceiro de paz.
Tudo isso, é claro, era para inglês ver. O que Netanyahu e outras lideranças israelenses queriam dizer, na verdade, é que seu regime gostaria de ser livre de qualquer compromisso com o direito internacional — sem sequer mencionar a pressão internacional. Pior ainda, ao insistir que Israel não tem nenhum parceiro de paz entre os palestinos, o governo ocupante revogou, na prática, seu compromisso com a mera hipótese de “negociações incondicionais”.
Por anos — de fato, por décadas —, Israel pôde perpetuar livremente tamanha mentira, com a anuência, é claro, do apoio absoluto de Washington e outros aliados ocidentais. Neste ambiente no qual Israel recebe bilhões de dólares americanos como forma de assistência, em que cresceu para se tornar um centro de tecnologia — e um dos maiores exportadores de armas do planeta —, Tel Aviv simplesmente não tem motivo algum para dar fim a sua brutal ocupação ou encerrar seu regime racista de apartheid na Palestina.
No entanto, muitas coisas mudaram. A guerra genocida de Israel na Faixa de Gaza pode alterar por completo nossa compreensão, não somente sobre a realidade trágica na Palestina ocupada, mas também sobre as falácias do passado que ainda a assombram. Temos de deixar claro que o Estado de Israel jamais teve qualquer intenção de conquistar uma paz justa e duradoura, dar fim a sua colonização na Palestina — isto é, a expansão de assentamentos ilegais — ou deferir aos palestinos nativos uma simples parcela de seus direitos. Ao contrário, Israel sempre teve planos para conduzir um genocídio completo contra os palestinos.
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É fato que Israel já executou incontáveis crimes de guerra na Palestina histórica, a começar pela Nakba de 1947-1948 e suas sucessivas guerras contra a população travadas desde então. Esses crimes — não importa a escala — sempre vieram acompanhados de limpeza étnica. Ao menos 800 mil palestinos foram expulsos de suas terras, por exemplo, para dar lugar à criação de Israel sobre as ruínas de suas casas ancestrais, há mais de 75 anos. Outros 300 mil palestinos sofreram o mesmo destino em 1967, com a ocupação militar da Cisjordânia, Gaza e Jerusalém.
Ao longo dos anos, a mídia corporativa no Ocidente fez seu melhor para encobrir os crimes e as violações de Israel ou ao menos minimizar seu impacto — inclusive ao buscar culpados entre as vítimas.
Este processo de defender Tel Aviv permanece em curso até hoje, mesmo diante da morte de dezenas de milhares de palestinos em menos de cinco meses, sob a destruição da infraestrutura civil da Faixa de Gaza, incluindo hospitais, escolas, igrejas, mesquitas, residências e abrigos.
Considerando tudo isso, qualquer um que insista em falar em “negociações incondicionais” — sobretudo realizadas sob os auspícios de Washington — o faz, francamente, para ajudar Israel a escapar da responsabilidade política e legal por seus atos. Felizmente, o mundo acorda pouco a pouco a este fato e, esperamos, poderá maturar sua percepção da crise o quanto antes, a fim de conter os massacres israelenses perpetrados diariamente contra centenas de pessoas.
Tamanha Epifania coletiva, de que Israel tem de ser parado via medidas internacionais, parece ser acompanhada por uma nova percepção nos Estados Unidos, igualmente crítica, de que não se trata afinal de um mediador honesto para a paz. De fato, jamais foi.
Para entender o papel destrutivo de Washington no chamado conflito, veja somente o seguinte fato. Enquanto a maioria dos países que apresentou seus argumentos ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), sediado em Haia, durante as audiências de 19 a 26 de fevereiro, recorreu a uma abordagem fundamentada na lei internacional, os Estados Unidos escolheram não fazê-lo.
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“Esta corte não deve entender que Israel é obrigado por lei a retirar-se de maneira imediata ou incondicional dos territórios ocupados”, afirmou sem qualquer pudor Richard Visek, assessor do Departamento de Estado americano durante sua apresentação em 21 de fevereiro. Isso mesmo: após 76 anos de Nakba e 57 anos de ocupação militar na Cisjordânia e Gaza, o posicionamento da Casa Branca — mesmo diante de Haia — continua comprometido com a ilegalidade que se manifesta na conduta de Israel na Palestina histórica.
Compare a trêmula postura americana com a coerência, coragem e fundamentação jurídica de quase todos os outros países do mundo, sobretudo as mais de 50 nações que pediram um lugar de fala diante de Haia. A China, por exemplo, pareceu muito mais consistente em defender a lei internacional do que os parceiros ocidentais de Israel, ao destacar: “Em busca de seus direitos à autodeterminação, o uso da força pelo povo palestino, para resistir à opressão externa e obter enfim seu Estado independente, é um direito inalienável consagrado pela lei internacional”.
Diferente dos clichês evasivos de figuras como o ministro de Relações Exteriores britânico, David Cameron, sobre a urgência de dar início a “progressos irreversíveis” sobre o Estado palestino, a posição chinesa — apresentada em 22 de fevereiro — parece muito mais abrangente e realista. O emissário de Pequim, Ma Xinmin, associou diretamente o direito à autodeterminação com o direito à luta por libertação, soberania e justiça, conforme os preceitos da lei internacional. De fato, estes mesmos princípios levaram à libertação de diversos países no Sul Global.
Dado que Israel não tem qualquer intenção de libertar os palestinos de suas amarras sob brutal regime de apartheid e ocupação militar, o povo palestino se vê naturalmente sem opção senão resistir à ocupação por quaisquer meios disponíveis. Vale notar ainda que, sob a Convenção de Genebra — pedra angular da lei internacional — a resistência, mesmo armada, é uma resposta absolutamente legítima.
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A questão agora é se a comunidade internacional continuará a contestar a posição dos Estados Unidos apenas na arena discursiva ou se construirá uma nova abordagem concreta para reagir à ocupação israelense na Palestina histórica, a fim de levá-la a cabo de uma vez por todas.
Em suas declarações a Haia de 19 de fevereiro, o advogado britânico Philippe Sands, membro da equipe que defende a Palestina, apontou um roteiro nítido para o fim da ocupação: “O direito à autodeterminação requer que os países-membros das Nações Unidas deem um fim imediato à ocupação israelense. Sem ajuda, sem assistência, sem cumplicidade. Sem contribuir a uma série de ações tomadas à força. Sem dinheiro, sem armas, sem comércio. Sem nada”.
É isso. Agora é hora de converter palavras em atos, sobretudo quando milhares de crianças são mortas dia após dia por nenhuma outra razão senão porque nasceram palestinas. É hora de dar fim à mais longeva ocupação militar que assombra o mundo.
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