A colheita de oliveiras de 2023 foi particularmente difícil aos camponeses palestinos da Cisjordânia. Realizada entre setembro e novembro, coincidiu com a operação transfronteiriça do grupo Hamas em 7 de outubro e o subsequente genocídio em Gaza. Neste entremeio, palestinos de toda a Cisjordânia vivenciaram um pico nas restrições à liberdade de movimento e na violência perpetrada por soldados e colonos ilegais.
Para os camponeses que cultivam oliveiras, isso resultou em enormes obstáculos, à medida que a escalada israelense limitou ainda mais o acesso a suas terras. Mais de 96 mil dunums, equivalente a 96 km², de áreas cultivadas foram abandonadas à força logo após a temporada de 2023, devido às restrições israelenses. As localidades se dividem em quatro categorias:
- Por trás do Muro do Apartheid, na chamada “zona de junção”;
- Nos limites do Muro do Apartheid, dentro de 150 metros do lado palestino;
- Perto dos assentamentos ilegais, onde o exército determina autorização ou não — denominada como “coordenação prévia” — para o cultivo;
- Em outras áreas adjacentes aos assentamentos.
Nos anos anteriores, autoridades israelenses emitiram licenças de “coordenação prévia” conforme o arbítrio das Forças Armadas. No entanto, para a temporada de 2023, comandantes israelenses revogaram quase todas as licenças, impedindo os camponeses de acessar suas terras. Os portões de acesso agrário ao longo do Muro do Apartheid, que corta arbitrariamente a Cisjordânia ocupada, permaneceram fechados pela maior parte do tempo.
Segundo o chamado Setor de Segurança Alimentar — coalizão humanitária formada por dezenas de organizações — os camponeses palestinos sofreram perdas estimadas ao menos 1.200 toneladas de azeite de oliva durante a temporada de 2023, resultando em prejuízo financeiro direto de US$10 milhões. O impacto foi particularmente austero nas províncias de Tulkarm, Qalqiliya e Nablus, no norte da Cisjordânia.
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A colheita de oliveiras é um evento econômico, social e cultural chave para a vida dos palestinos nativos. Como potência ocupante, o regime israelense tem o dever de assegurar que os palestinos possam exercer e beneficiar-se desta atividade. Entre as responsabilidades previstas pela lei internacional, está garantir que os camponeses palestinos possam acessar terras e árvores durante todo o ano, e que tais propriedades sejam preservadas e protegidas de danos e expropriação.
No entanto, entre setembro e novembro, o Escritório das Nações Unidas para Assuntos Humanitários (OCHA) registrou 113 violações relacionadas ao cultivo das oliveiras, nas quais colonos israelenses atacaram palestinos, danificaram suas árvores ou roubaram suas colheitas e ferramentas. Destes, ao menos dez incidentes resultaram em baixas ou danos diretos às propriedades em questão; outros dez resultaram apenas em baixas; e 93 incidentes resultaram em danos, contudo, sem baixas. Mais de duas mil árvores foram vandalizadas. A maior incidência está nas províncias de Nablus e Ramallah, com 40 e 31 violações cada, respectivamente. Segundo as estimativas, nos 12 meses de 2023, mais de dez mil árvores palestinas foram vandalizadas por colonos ilegais na Cisjordânia.
Em 28 de outubro, um cidadão palestino de 29 anos, pai de quatro crianças, foi baleado e morto por um colono israelense enquanto realizava sua colheita na aldeia de As Sawiya, ao sul de Nablus. Marcas de tiros foram encontradas em seu tórax e braço esquerdo.
Em 38 ocasiões, camponeses palestinos e testemunhas confirmaram escolta armada de soldados da ocupação concedida aos agressores ou incidentes nos quais os próprios colonos vestiam uniformes militares enquanto conduziam suas operações para expulsar os palestinos de suas terras e expropriar seus recursos.
O Muro do Apartheid
Palestinos em cerca de 150 comunidades palestinas em toda a Cisjordânia possuem oliveiras na área entre a chamada Linha Verde e o Muro do Apartheid. Por meio de esforços legais, camponeses conseguiram há algum tempo aumentar o número de portões de acesso instalados pelas autoridades ocupantes ao longo do muro. Embora 69 portões sejam designados para propósito agrário, seu acesso é meramente esporádico. A maioria dos portões se abre somente na temporada de colheita, por um pequeno espaço de tempo a cada dia. No contexto do genocídio em Gaza, no entanto, autoridades da ocupação decidiram manter fechados todos os portões. Seu acesso ocorreu apenas entre 24 e 30 de novembro, quando uma “pausa humanitária” foi implementada em Gaza.
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Camponeses reportaram ainda que soldados israelenses os impediram de acessar terras cultivadas que não são isoladas pelo muro, mas que estão a uma distância de aproximadamente 150 metros da barreira, isto é, no “lado palestino”.
O monitoramento das Nações Unidas sobre o norte da Cisjordânia mostra que a colheita de oliveiras na área isolada pelo muro, no ano de 2023, foi cerca de 93% menor do que comparada a áreas relativamente acessíveis.
“Junto à redução na colheita, as repercussões se projetam à próxima temporada, caso os portões continuem fechados e percamos as datas de lavoura e desrama”, explicou o fazendeiro palestino Taysir Amarneh, da aldeia de Akkaba, na região de Tulkarm.
O acesso dos palestinos às áreas de colheita é também restrito pela presença de assentamentos ilegais e práticas de violência associadas a eles. Ao menos 110 comunidades rurais na Cisjordânia compartilham terras com 56 assentamentos. A maior parte das terras é classificada por Israel como “zona militar fechada”, a fim de impedir o acesso dos camponeses nativos, exceto mediante autorizações especiais deferidas pelas autoridades ocupantes, que costumam se restringir a pouquíssimos dias na temporada de colheita e outras etapas da plantação.
Acesso negado
Quase metade das terras que demandam licença militar agendada estão na província de Nablus, seguida por Salfit e Qalqiliya, e então Ramallah, Hebron e Belém. Contudo, durante a temporada de 2023, autoridades ocupantes indeferiram o acesso em quase todas as localidades sob seu controle.
Camponeses palestinos também foram impedidos de acessar suas árvores na chamada Área C da Cisjordânia, em particular em localidades onde não havia restrições prévias. As novas proibições se materializam como amontoados de terras, portões fechados e blocos de cimento. Além disso, impedimentos de acesso também emergiram na chamada Área B, como, por exemplo, nas aldeias de Qaryut (Nablus) e Turmus’ayya (Ramallah), onde 700 dunums e 1.900 dunums de terra foram obstruídos respectivamente.
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Segundo residentes de Turmus’ayya, ao menos 180 camponeses palestinos foram impedidos de acessar suas terras, situadas nas adjacências do assentamento de Shilo e seus “postos avançados” ilegais — isto é, colonatos não formalizados por Israel —, durante a temporada do último ano.
Segundo Abdullah Abu Awwad, agricultor palestino de Turmusa’yya, as perdas chegam a 70% da produção de oliveiras. Seu relato confirma imagens de frutos apodrecendo no chão nos pomares isolados pelas forças de Israel, sem a possibilidade da devida colheita. “Como se não bastasse, vivemos desafios diários para satisfazer nossas necessidades básicas, obrigados a ‘coordenar’ cada movimento com os soldados israelenses parados à minha porta”.
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