A Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) foi estabelecida em dezembro de 1949 e começou a operar em maio do ano seguinte, supostamente até que a Organização das Nações Unidas (ONU) chegasse a uma solução ao que descreveu como o “problema dos refugiados palestinos”. Naqueles primeiros anos de colonização israelense, a ONU teve uma oportunidade marcante de se opor à expropriação do país. Contudo, optou por restringir os palestinos a um quadro humanitário, enquanto a ocupação israelense construía suas ramificações sobre o território nativo.
Observemos três aspectos do assunto: a colonização ilegal israelense, a assistência humanitária e o direito legítimo de retorno do povo palestino. A assistência humanitária é incapaz de indenizar os refugiados palestinos pela expansão dos colonatos, tampouco lhes dá quaisquer prospectos ao direito de retorno.
A cumplicidade histórica entre Israel e a ONU não poderia, portanto, tornar-se mais clara do que nos últimos cinco meses de genocídio em Gaza.
Tome em consideração, por exemplo, as palavras recentes do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, ao Conselho de Direitos Humanos. Prevalece a narrativa israelense. “As operações militares de Israel em Gaza, após os ataques terroristas do Hamas, em 7 de outubro”, disse o secretário. Guterres lembrou a assembleia ter invocado o Artigo 99, medida sensacionalista e insignificante considerando que sua organização permitiu à ocupação israelense se manter acima da lei internacional até então. Em seguida, descreveu a assistência humanitária a Gaza como “insuficiente” — o que é verdade —, entretanto, sem sequer mencionar o agente por trás da fome — isto é, Israel.
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Guterres ecoa ainda um apelo insípido por “cessar-fogo humanitário e soltura imediata e incondicional de todos os reféns”. Novamente, sem jamais reconhecer genocídio, muito menos a cumplicidade da ONU com tamanho massacre.
Antes de se deflagrar a atual campanha genocida em Gaza, a ajuda humanitária aos palestinos locais já era “insuficiente”. A amnésia seletiva da ONU tem de ser retificada. Socorro humanitário deve ser um meio meramente temporário para aliviar a crise e não um projeto de décadas em franca coexistência com a expansão colonial de Israel. Para muito além da cumplicidade deliberada, ao garantir que os palestinos não tenham direitos básicos, incluindo os direitos à resistência e libertação, a população de Gaza é submetida a limitações humanitárias profundamente arbitrárias, privada de suas necessidades para subsistência.
Tudo isso antecede em muito 7 de outubro. Israel agora avançou em sua política de “pôr os palestinos em dieta” — como Dov Weissglas afirmou uma vez, tão descaradamente — a esforços evidentes para matá-los de fome. Franco-atiradores atacam caminhões humanitários; colonos obstruem as vias de fronteira; palestinos são mortos em massa enquanto tentam resgatar suprimentos escassos jogados do céu. As primeiras vítimas da grande fome imposta por Israel já foram anunciadas, mas tudo que Guterres é capaz de dizer é que a assistência encaminhada a Gaza é “insuficiente”.
Israel deixou nu o paradigma humanitário da ONU, ao atacar tanto os serviços assistenciais quanto os palestinos carentes por décadas a fio. Mesmo agora, com tamanha evidência de que a fome é utilizada como parte de um extenso maquinário de extermínio, Guterres teme somente uma “ofensiva aberta contra Raffah … como prego no caixão de nossos programas assistenciais”. Guterres, seu paradigma humanitário sempre esteve fadado ao fracasso. Como o senhor se sente ao ver sua fachada sucumbir, sem sequer alternativa senão aguardar que a ocupação israelense termine o trabalho — para usarmos seus termos hediondos? Os palestinos, no entanto, têm uma alternativa, que deveria ser prioridade desde o princípio: a descolonização. As Nações Unidas não têm para onde correr caso seu paradigma humanitário seja desmantelado, senão alinhar-se a Israel. Lamentavelmente, são os palestinos que continuam a pagar o preço por sua cumplicidade colonial.
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