O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, descreveu a crise no relacionamento entre seu governo e a administração dos Estados Unidos do presidente Joe Biden como uma “divergência” entre o incumbente democrata e “todo o povo de Israel”.
A ofensiva de Netanyahu contra Biden ocorreu em entrevista à rede Fox News, emissora de televisão de extrema-direita, ao insistir que a maioria dos israelenses se opõe ao estabelecimento de um Estado palestino.
“[Biden] não tem um problema comigo. Tem um problema com todo o povo de Israel”, comentou Netanyahu. “Estamos unidos como nunca, unidos para destruir o Hamas e para assegurar que não tenhamos um Estado palestino terrorista [sic] como aquele que existia em Gaza [sic], capaz de ameaçar o Estado de Israel”.
Questionado se as “divergências” com o presidente americano afetariam conversas para uma troca de prisioneiros, Netanyahu desviou do assunto: “Enquanto o mundo entender que Estados Unidos e Israel estão unidos, não tem problema. Divergências entre nós tornam mais difícil derrotar o Hamas”.
Ambos os países, no entanto, sofrem crise interna. Protestos voltaram a tomar as ruas de Israel contra o governo de Netanyahu, em particular, ao criticá-lo por não priorizar o retorno dos reféns, sob acusações de procrastinar o conflito por interesse próprio.
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Netanyahu é réu por corrupção em três processos; conforme analistas, teme que um cessar-fogo em Gaza resulte no colapso de seu governo.
Nos Estados Unidos, Biden enfrenta recordes de rejeição e atos de massa contra sua cumplicidade no genocídio em Gaza, à véspera das eleições de novembro, quando deve voltar a enfrentar o candidato republicano Donald Trump.
Eleitores progressistas — cruciais à vitória de Biden em 2020 — citam a crise em Gaza como razão para se abster do voto.
Netanyahu insistiu ainda “estar a caminho da vitória”, embora não haja um horizonte a Gaza até então, após cinco meses de uma contundente crise de relações públicas em âmbito global, medidas de austeridade em casa e denúncias de crimes de guerra.
“Eliminamos o número quatro do Hamas. Três, dois e um virão logo mais. Estão todos fadados a morrer e pegaremos todos eles”, prometeu Netanyahu.
Segundo a classificação israelense, o “número um” do Hamas é Yahya al-Sinwar, seguido por Muhammad al-Deif, Marwan Issa e Saleh Al-Arouri — este, assassinado por um drone israelense que atacou Beirute, capital do Líbano, no início de janeiro.
Recentemente, embora tímidas, fissuras emergiram nas relações entre Israel e Estados Unidos.
Na semana retrasada, em entrevista à rede MSNBC, Biden afirmou que as ações de Netanyahu “mais ferem do que ajudam Israel”. O presidente alertou para “linhas vermelhas”, mas prometeu “jamais abandonar Israel”.
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“A defesa de Israel ainda é crítica. Não vou cortar todas as armas e deixá-los sem o Domo de Ferro para se protegerem [sic]”, argumentou Biden. “Mas há uma linha vermelha, e não podemos ter outros 30 mil palestinos mortos”.
Para o presidente em campanha, Netanyahu “deve prestar mais atenção nas vidas inocentes”.
A Casa Branca insiste ainda que o exército israelense não deve invadir por terra a cidade de Rafah, no extremo sul de Gaza, na fronteira com o Egito, que abriga hoje 1.5 milhão de refugiados. Netanyahu, no entanto, reiterou que cabe a seu regime a decisão.
Analistas sugerem que os Estados Unidos perderam o controle de seu Estado aliado, após décadas de investimento militar e cobertura diplomática.
Israel mantém ataques a Gaza desde 7 de outubro, deixando 31 mil mortos, 72.600 feridos e dois milhões de desabrigados. Dois terços das vítimas são mulheres e crianças.
As ações são retaliação a uma operação do Hamas que cruzou a fronteira e capturou colonos e soldados. Segundo o exército israelense, cerca de 1.200 pessoas morreram na ocasião.
No entanto, reportagens investigativas do jornal israelense Haaretz mostraram que parte considerável das fatalidades se deu por “fogo amigo”, sob ordens gravadas de líderes militares para que suas tropas atirassem em reféns e residências civis.
Apesar de uma ordem do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), sediado em Haia, de 26 de janeiro, Israel ainda impõe um cerco militar absoluto a Gaza — sem comida, água, medicamentos, energia elétrica ou combustível.
As ações israelenses são punição coletiva, crime de guerra e genocídio.