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Pacto Turquia-Somália: quem ganha com isso?

Presidente turco Recep Tayyip Erdogan durante coletiva de imprensa no Aeroporto Internacional de Ataturk, em Istambul, Turquia [Murat Cetinmuhurdar/Agência Anadolu]

Após a assinatura, no início deste ano, de um memorando de entendimento entre a Etiópia e o Estado autodeclarado da Somalilândia, as tensões aumentaram no Chifre da África.

O acordo dá à Etiópia acesso ao mar e uma base militar na Somalilândia, em troca do possível reconhecimento futuro do Estado da Somalilândia pela Etiópia.

A Somália, temendo uma ameaça à sua integridade territorial por parte da região separatista, embarcou desde então em uma estratégia que lembra um provérbio local: “Seja uma montanha ou apoie-se em uma”. Agora, ela está tentando contrabalançar a Etiópia alinhando-se a uma “montanha” – um aliado poderoso – para salvaguardar sua soberania.

Assim, a Somália voltou-se para a Turquia, com as duas nações assinando recentemente um acordo de defesa e cooperação econômica. Embora os detalhes exatos ainda não tenham sido revelados, o presidente da Somália, Hassan Sheikh Mohamud, disse no Twitter/X que o acordo “incorpora um compromisso compartilhado de combater todas as formas de atividades ilegais e nos permitirá construir uma força naval capaz, essencial para nossa segurança marítima”.

Ele acrescentou: “O pacto também reforçará nossa economia azul, desenvolverá setores econômicos cruciais e criará oportunidades para nosso povo e para a região”.

Depois de travar uma guerra com a Etiópia no final da década de 1970, a Somália mergulhou em um período de turbulência marcado pela escalada de distúrbios, uma guerra civil devastadora, intervenção estrangeira persistente e, em meados da década de 2000, o surgimento do al-Shabab. Essa sequência de eventos destruiu a capacidade estatal da Somália, que já foi celebrada como a “Suíça da África”.

Na quinta-feira, os dois países assinaram um acordo de exploração e perfuração de energia, fortalecendo ainda mais os laços bilaterais.

Mudança de percepção

Historicamente enredada pelas ambições de superpotências como a União Soviética e os EUA, a Somália foi descrita há duas décadas pela ONU como “um dos lugares mais esquecidos do mundo”.

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Mas as percepções globais começaram a mudar depois de uma visita a Mogadíscio em 2011 por Recep Tayyip Erdogan, então primeiro-ministro e agora presidente da Turquia. Esse gesto ousado reacendeu o interesse internacional no país e marcou o início de um novo capítulo para a Somália.

Embora os críticos tenham apontado motivos de interesse próprio ou geopolíticos, acredito que o apoio da Turquia à Somália foi motivado por um estrito humanitarismo, já que partes do país estavam sofrendo com a fome. A ajuda de Ancara à Somália cumpriu um dever moral para com um Estado em extrema necessidade.

Hoje, como evidenciado pelo novo acordo bilateral, a estratégia histórica de poder brando da Turquia na Somália evoluiu para uma abordagem mais abrangente. Os esforços da Turquia desde 2011 estão começando a dar frutos, à medida que os dois estados cultivam uma parceria recíproca mais profunda com benefícios mútuos.

Autoridades somalis afirmaram que o pacto de defesa capacitará a Somália a reafirmar sua soberania marítima, com o apoio da Turquia. A iniciativa também equipará as instituições somalis com as capacidades militares e técnicas necessárias para defender efetivamente as águas territoriais.

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Mas por que a Turquia assumiria responsabilidades tão importantes? Ao apoiar a Somália dessa forma, a Marinha turca pode expandir sua presença em um dos locais mais estratégicos do mundo. Sua presença militar no Chifre da África dá à Turquia influência nos assuntos globais e maior influência nas capitais de todo o mundo, de Washington a Londres, Pequim e além.

A Turquia, que vem travando sua própria batalha de décadas contra rebeldes armados em seu país, verá os benefícios de compartilhar sua significativa experiência em contraterrorismo com a Somália, entendendo os riscos apresentados por espaços não governados, especialmente zonas marítimas.

Aproveitamento de recursos

Por meio desse acordo, a Turquia também busca demonstrar sua capacidade de reforçar a segurança internacional, já que a miríade de problemas enfrentados pela Somália atualmente – incluindo ataques terroristas, pirataria e pesca ilícita – transcende as fronteiras nacionais, ameaçando a estabilidade da região mais ampla e do mundo.

Ao mesmo tempo, a Somália tem experimentado avanços significativos nos âmbitos político, social e econômico, e o país continua sendo uma importante fonte de recursos naturais valiosos. A Turquia, depois de anos promovendo relações e enviando centenas de milhões de dólares em assistência à Somália, tem a ganhar com isso.

As reservas de petróleo e gás da Somália poderiam ser aproveitadas pela extensa frota de perfuração da Turquia, usando recursos que poderiam fortalecer as economias de ambas as nações. Da mesma forma, o trabalho conjunto para combater a pesca ilegal poderia proporcionar benefícios econômicos mútuos.

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Os esforços de construção do Estado da Turquia na Somália são particularmente significativos à luz dos notáveis fracassos do Ocidente em esforços anteriores de reconstrução do Estado em outras partes da região.

Interpretar esse pacto como uma resposta imediata ao último surto nas relações entre a Somália e a Etiópia seria um erro de avaliação. Apesar de dar à Somália uma oportunidade de contrabalançar a Etiópia, os laços políticos, militares e econômicos amigáveis de Ancara com Adis Abeba sugerem que o pacto não foi criado para ameaçar a Etiópia.

E se o acordo conseguir limitar as capacidades logísticas da al-Shabab, isso beneficiará diretamente a Etiópia e a segurança global de forma mais ampla. Da mesma forma, a distribuição dos recursos extraídos das águas territoriais da Somália poderia melhorar o destino dos países vizinhos e aumentar a prosperidade regional.

Publicado originalmente em Middle East Eye

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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