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A longa jornada pelo Dia Nacional da Comunidade Muçulmana

Mesquita Omar Ibn al-Khattab, em Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil [Divulgação]
Mesquita Omar Ibn al-Khattab, em Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil [Divulgação]

Uma das datas mais importantes da luta popular brasileira é o 24 de janeiro, quando se celebra a Revolta dos Malês, em 1835, episódio histórico onde africanos na condição de cativos e libertos – de fé muçulmana – comandaram uma insurreição contra a ordem pós-colonial e o escravagismo. O deputado federal Vicentinho (PT-SP), apresentou em 2018 o Projeto de Lei No 10.941, na Comissão de Cultura da Câmara Federal, propondo a instituição do Dia Nacional da Comunidade Muçulmana.  No plenário da casa, neste ano de 2024, o mesmo parlamentar celebrou em pronunciamento o começo do Ramadã (entre 11 de março e 09 de abril) e reforçou o importante papel que as mesquitas e sociedades beneficentes exercem no país.

O projeto de lei, no presente momento, encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), com parecer positivo do deputado Luiz Couto (PT-PB), datado de 03 de outubro de 2023, e no aguardo da aprovação. Na sequência vai ao plenário da Câmara, então ao Senado e, por fim, cabe a chancela da Presidência da República. Ao contrário do que pode parecer, considerando o avanço da extrema-direita neofascista e aliada dos sionistas no Brasil, a merecida homenagem pode demorar. A atual presidenta da CCJC é a deputada federal Caroline de Toni (PL-SC), o que dificulta a proposta.

A parlamentar catarinense, reconhecida como seguidora do finado astrólogo e autodenominado “filósofo” Olavo de Carvalho (1947-2022), é notória apoiadora do Estado sionista e não perde uma oportunidade de avançar no discurso do “antissemitismo funcional” e de relacionar a resistência palestina ao “terrorismo”. A bolsonarista surfa na onda da propaganda israelense contra a política externa brasileira do governo Lula, em seu terceiro mandato, e dificilmente vai colocar na ordem do dia esta justa homenagem ao Islã no Brasil.

Por que a iniciativa?

Quando do debate da Comissão de Cultura, então sob o governo golpista de Michel Temer – libanês de duvidosa arabidade e aliado da falange na terra dos cedros –, Vicentinho elencou as razões para o reconhecimento. O ex-líder sindical mencionou a presença de árabes de fé islâmica na frota lusitana, quando a coroa portuguesa invadiu o território de Pindorama. Elencou também a presença de muçulmanos dentre ibéricos da reconquista cruzada (portugueses e espanhois), além de africanos sequestrados para a colônia, conforme comprovam os processos da Inquisição julgados no Brasil, datados do fim do século XVI.

Da justificativa, ressalto o seguinte trecho de homenagem aos Malês e da fundação pioneira quando do início da segunda geração de imigrantes árabes no Brasil:

Parte dos negros escravizados, em especial aqueles trazidos para o Brasil nos séculos XVIII e XIX, professavam fé islâmica na África, sendo muitos deles alfabetizados. No Brasil, eram obrigados a se converter ao catolicismo, mas não costumavam deixar de cultuar sua religião originária. A fé comum e o domínio da escrita propiciaram a auto-organização dos islâmicos escravizados e foi fator de união de povos tradicionalmente rivais no continente africano como iorubás e hauçás.

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Em 1835, essa capacidade de organização dos negros islâmicos conduziu ao levante que ficou conhecido como Revolta dos Malês (termo derivado de imalê, que em idioma iorubá significa “muçulmano”, e de malãm, que em língua hauçá que dizer “mestre”, “professor”). Sob a consigna do jihad, dever religioso de defender o Islã através da luta justa, no dia 24 de janeiro, ao final do Ramadã, cerca de 600 negros muçulmanos, escravizados e libertos, saíram às ruas de Salvador, capital da Bahia, vestidos com abadás brancos – traje tipicamente islâmico – carregando amuletos, rosários e passagens do Alcorão e convocando os demais negros a tomar a cidade. As batalhas travadas entre as forças de segurança e o movimento resultaram na morte de 70 malês e dez oficiais, desencadeando condenações à morte e prisões – cerca de 300 foram julgados.

A Revolta dos Malês pode ser considerada um marco, tanto no âmbito das rebeliões escravas ocorridas no Brasil quanto na história do islamismo no País. Daí a pertinência da escolha da data de 24 de janeiro para celebrar o Dia Nacional da Comunidade Muçulmana no Brasil.

Desde o fim do século XIX e, principalmente no século XX, o Brasil recebeu grande quantidade de imigrantes muçulmanos sírios e libaneses. A primeira mesquita oficialmente reconhecida no País, a Mesquita Brasil, começou a ser construída em 1929, em São Paulo, pela Sociedade Beneficente Muçulmana.

O parlamentar também fez postagem em sua rede social Instagram, reforçando a proposta da data de comemoração, celebrando o início do Ramadã e comentando o papel das mesquitas como polo aglutinador das comunidades muçulmanas. No caso específico de sua trajetória política, o município de São Bernardo do Campo, além de forte base metalúrgica, é local de moradia de importante coletividade islâmica.

O Islã no Brasil atual

Segundo a Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (FAMBRAS), hoje no Brasil, há uma estimativa de cerca de um milhão de adeptos ao Ramadã, contando apenas com pessoas adultas. Considerando que crianças até 14 anos, idosos, mulheres grávidas e pessoas em fraca condição de saúde não têm obrigação de realizar o jejum diário, se estima que o total de muçulmanos seria de até 1,2 milhão a 1,5 milhão de cidadãos e cidadãs brasileiras.

No estado de São Paulo, a federação tem mesquitas afiliadas na capital paulista na Avenida das Nações, Pari, Brás, Tatuapé, Santo Amaro e São Miguel Paulista; também em Barretos, Campinas, Colina, Guarulhos, São Bernardo, Santos, São José dos Campos e Mogi das Cruzes. No Rio Grande do Sul, na região da fronteira com o Uruguai, existem mesquitas no Chuí e em Santana do Livramento. Em Mato Grosso, na capital Cuiabá. No Paraná, existem mesquitas na capital Curitiba, além de Ponta Grossa, Londrina e em Foz do Iguaçu, justo onde reside a maior população islamizada do país (proporcionalmente), com duas mesquitas. No estado catarinense, em Criciúma. No Rio Grande do Norte, a mesquita se localiza no bairro da Ponta Negra, em Natal.

Um problema recorrente no país, assolado pela propaganda sionista e a manipulação de pastores de extrema-direita e proselitismo neopentecostal – pregando a riqueza, através da teologia da prosperidade, e a hegemonia conservadora, pela via teológica do domínio –, é a islamofobia. Segundo a Associação Nacional de Juristas Islâmicos (ANAJI): “Infelizmente, o início do conflito fez crescer o volume de denúncias que recebemos e creio que essa investigação faça crescer ainda mais. Já nas primeiras semanas (após o início do “conflito”), recebemos mais de 200 denúncias de islamofobia, ante uma média de 30 a 40 casos por mês. Esse número já é maior e acredito que cresça mais”. Assim afirmou o advogado Girrad Sammour, presidente da ANAJI , ainda em novembro de 2023, um mês e poucos dias após o 7 de outubro de 2023, quando comandos da resistência palestina romperam o cerco de Gaza, o campo de concentração a céu aberto estabelecido pelo apartheid sionista na Palestina ocupada.

Linhas conclusivas

Fundamental neste momento é compreender que o Islã, em todas as suas vertentes, já exerce um papel no Brasil e pode ser um dos pilares da tolerância e diálogo interreligiosos, além de combater a apostasia e a pregação de supremacismo sionista. Para tal, o reconhecimento formal é bem-vindo e indica um passo a mais na longa batalha por um país democrático e com a diversidade que é formadora de nossa cidadania na era republicana.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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