A guerra do sionismo contra os movimentos afro-americanos

As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas por conflitos entre grupos afro-americanos que lutavam pelo reconhecimento de seus direitos civis e grupos extremistas de cristãos brancos, que perpetravam ataques terroristas para impedir que tais direitos fossem concedidos. Além disso, um grupo sionista em Nova York surgiu para inflamar ainda mais uma situação já tensa. Atiçando a fogueira com gasolina, um jornal no Brooklyn, The Jewish Press, tirou proveito da tensão racial para lucrar enormes quantias inundando suas páginas com mentiras sobre ataques de negros e latinos contra as populações judaicas de Nova York. O responsável por essa agitação era um jovem rabino sionista estadunidense do Queens chamado Meir Kahane.

Baseado em suas próprias mentiras, Kahane fundou a Liga de Defesa Judaica (JDL), cuja missão, como afirmava, era proteger a comunidade judaica da “violência negra”, embora isso fosse apenas um disfarce para seu verdadeiro objetivo: buscar destaque na esfera pública e enriquecimento financeiro.

Incentivadas pela desinformação fabricada pelo rabino, as mentiras se consolidaram e as comunidades afro, latina e judaica, agora temerosas umas das outras, passaram a disputar sua rivalidade não apenas por influência política, mas também nas ruas de Nova York.

O governo dos Estados Unidos estava ciente dos métodos operacionais da JDL, pois seu fundador e líder atuava tanto para a Agência Central de Inteligência (CIA) quanto para o Departamento de Investigação Federal (FBI), ao monitorar grupos estudantis de esquerda e promover a visão do governo americano favorável à guerra no Vietnã entre os judeus de Nova York.

Pelos seus ataques direcionados contra as comunidades afro, Kahane e a JDL passaram a ser apoiados por grupos supremacistas cristãos brancos, como a Ku Klux Klan. A relação íntima entre os supremacistas brancos judeus e cristãos não preocupava as autoridades, já que ambos se opunham aos movimentos afro e latino, vistos como um “perigo real” para o governo de Richard Nixon, mais preocupado com Martin Luther King e Malcom X e, do lado latino, diretamente com Fidel Castro.

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O alerta do governo só foi acionado quando os terroristas da JDL começaram a atacar alvos soviéticos, como os ataques com bombas e tiros contra a embaixada soviética nos Estados Unidos em 1970. Posteriormente, Kahane admitiu publicamente que a JDL “bombardeou a missão russa em Nova York, a missão cultural russa em Washington em 1970, bem como os escritórios comerciais soviéticos”.

O que Nixon não sabia era que os ataques e a campanha antissoviética eram coordenados pelo Mossad e o futuro primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Shamir. O financiamento para esses ataques vinha de judeus ricos dos Estados Unidos e de Israel, muitos dos quais haviam acumulado riquezas por meio de atividades mafiosas, como Bernard Bergman. Amigo da família Kahane, Bergman mais tarde se tornaria um dos judeus mais ricos e poderosos do mundo, fazendo fortunas com o contrabando de bebidas, gerenciando bordéis e instituições para idosos que, segundo a mãe de Kahane, eram “guardados em freezers para que ele pudesse receber o auxílio da família”.

Enquanto a JDL aumentava os ataques contra os soviéticos, a tensão com a comunidade afro-americana se intensificava. O rabino do Queens encontrou no jovem líder militante negro James Forman o antagonista de suas acusações e passou a atacá-lo publicamente. Em maio de 1969, Forman convocou uma marcha em Manhattan para exigir reparações pelos danos que a JDL havia causado nos bairros negros. Em resposta, Kahane cercou o templo religioso de onde partiria a marcha, acompanhado por jovens armados. O confronto midiático contribuiu para elevar o status da JDL e a respeitabilidade de Meir Kahane entre os sionistas.

À medida que intensificava o conflito com os negros, Kahane começou a receber ameaças de morte, supostamente assinadas pelos Panteras Negras. Robert Friedman, autor do livro False Prophets, revelou em sua obra, após entrevistas com familiares e amigos de Kahane, que na verdade essas cartas e ameaças vinham de agentes do FBI. Os agentes do governo estavam explorando o conflito entre negros e judeus para enfraquecer os movimentos negros e legitimar as políticas segregacionistas dos Estados Unidos.

Segundo Friedman:

Colocar grupos extremistas uns contra os outros como gladiadores na Roma antiga foi uma tática testada e comprovada do FBI. [J. Edgar] Hoover deve ter adorado a ideia de usar Kahane para atacar os Panteras, a quem certa vez chamou de “a maior ameaça à segurança interna do país”.

Por um lado, o FBI enviava ameaças a Kahane; por outro lado, enviava lhe “relatórios” sobre supostas atividades antissionistas dos membros dos Panteras Negras. Kahane rapidamente compartilhou os “fatos” do FBI em sua coluna na imprensa sionista, intitulada Spotlight on Extremism, que se tornou uma plataforma para suas narrativas facciosas.

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Em maio de 1970, durante coletiva de imprensa, Kahane anunciou que o JDL iria organizar uma manifestação armada contra os Panteras Negras em seu próprio território, no Harlem. No dia 8 daquele mês, o JDL e Kahane confrontaram os Panteras, mas foram escorraçados e fugiram.

Na década de 1980, um estudo do FBI sobre atos terroristas nos Estados Unidos (de 1981 a 1985) revelou que, dos 18 incidentes iniciados por judeus, quinze estavam relacionados ao fundamentalismo de Kahane e membros do JDL. No ano seguinte, em um novo estudo sobre “terrorismo doméstico”, o Departamento de Energia concluiu que, por mais de uma década, a Liga de Defesa Judaica foi um dos grupos terroristas mais ativos nos Estados Unidos. Desde 1968, as operações do JDL resultaram em sete mortes e 22 feridos.

O governo dos Estados Unidos, ao tentar atingir os movimentos afro-americanos, viu suas ações se voltarem contra si, tornando a situação insustentável. Kahane enfrentou processos por vários crimes de terrorismo e, ao se declarar culpado, mudou-se para Israel, onde prosseguiu com seu programa racista fundando seu próprio partido, o Kach, que agora direcionava seus ataques contra as comunidades palestinas e até mesmo contra os judeus etíopes (negros) em Israel.

Em 1984, o Comitê Eleitoral Central de Israel o proibiu de concorrer a cargos públicos, argumentando que o Kach era um partido racista. No entanto, a Suprema Corte de Israel anulou essa proibição, indicando que o comitê não tinha autoridade para impedi-lo de se candidatar. Meir Kahane foi eleito para o parlamento (Knesset) nesse mesmo ano.

Em 5 de novembro de 1990, Meir Kahane foi assassinado após fazer um discurso na cidade de Nova York. O principal suspeito, Sayyid Nosair, um cidadão americano nascido no Egito, foi posteriormente absolvido do assassinato, mas condenado por porte de arma.

Após a morte de Meir Kahane, o Kach foi liderado por seu filho, Binyamin Ze’ev Kahane, mas, após uma série de ataques terroristas cometidos por membros do partido, autoridades israelenses decidiram proibir suas operações legais. O partido foi então dissolvido e seus membros foram proibidos de participar de atividades políticas sob o nome do Kach.

Pichação em uma casa palestina com os dizeres “Gás para os árabes”, em referência às câmaras de gás nazistas, assinada pela “JDL” (Liga de Defesa Judaica), em Hebron (al-Khalil), na Cisjordânia ocupada, em 29 de junho de 2008 [Magne Hagesæter/Wikimedia Commons 3.0]

O kahanismo, no entanto, seguiu como uma das linhas mais violentas e extremistas em Israel e nos Estados Unidos. Em 1994, um judeu também americano, Baruch Goldstein, entrou armado na Mesquita Abraâmica, ou Túmulo dos Patriarcas, na cidade de Hebron (Al-Khalil), na Cisjordânia ocupada, e fuzilou pelas costas mais de 90 pessoas que estavam ajoelhadas em posição de oração.

Atualmente, embora o Kach não exista mais como partido oficial, o kahanismo e sua ideologia racista permanecem vivos dentro dos movimentos sionistas mais extremos, como no partido Otzma Yehudit (Poder Judaico), fundado pelo kahanista Itamar Ben-Gvir, que atualmente é Ministro da Segurança Nacional de Israel, sendo os braços direito e esquerdo do governo de Benjamin Netanyahu.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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