O movimento estudantil em solidariedade com Gaza nos Estados Unidos reviveu nestes dias o papel exercido por seus antecessores no enfrentamento à Guerra do Vietnã (1955–1975), que muitos atribuem como um fator fundamental para o fim da agressão militar imperialista ao país asiático.
Os acampamentos universitários que se alastraram pelos Estados Unidos nas últimas semanas adquiriram uma importância excepcional neste momento, no qual o país apoia e fornece armas para que Israel exerça um massacre de magnitude sem precedentes na história, por sua escala, sua intensidade e o número de mortos e feridos entre a população civil.
É um paradoxo notável que os Estados Unidos reúnam o sistema político mais corrupto, injusto e destrutivo do mundo, que expressam injustiça, dominação e interferência nos destinos dos povos e nações, por um lado, enquanto, por outro, tenha um movimento estudantil com uma história de consciência revolucionária na abordagem de questões humanitárias e políticas, dentro e fora de suas fronteiras.
A relação entre ambas as questões, quem sabe, seja mais causal do que paradoxal, uma vez que a política imperialista adotada pelos Estados Unidos durante quase um século, sobretudo depois de terem dominado sozinhos o chamado Ocidente, após a Segunda Guerra Mundial, obriga seus estudantes a estarem na vanguarda das ações internacionais.
Os protestos estudantis estão se espalhando rapidamente pelos Estados Unidos e chegando a outros lugares mundo, menos no Brasil, onde lideranças estudantis parecem permanecer apáticas ao que vem acontecendo nestes mais de seis meses em Gaza, infelizmente com seu olhar voltado quase que exclusivamente a pautas identitárias e institucionais.
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Para muitos pode parecer algo inusitado que o principal movimento pelos direitos humanos e justiça para palestinos esteja acontecendo em universidades dos Estados Unidos — que estão hoje na vanguarda dessa luta —, como é o caso de Columbia e Yale, consideradas instituições de elite que serviram de plataforma a figuras do staff americano. Em Columbia se formaram, por exemplo, o próprio presidente Joe Biden e o secretário de Estado, Antony Blinken. Em Yale, o conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, as secretárias do Comércio, Gina Raimondo, e do Tesouro, Janet Yellen, bem como o assessor especial para os Assuntos Climáticos, John Kerry, e a administradora da Agência de Desenvolvimento Internacional (USAID), Samantha Power.
Na década de 1960, foi o movimento estudantil que liderou a luta por “liberdade de expressão” nos campi universitários, ao defender os direitos dos estudantes afrodescendentes e exigindo que os currículos universitários incluíssem conteúdos relacionados à história e à cultura afro-americanas.
A questão palestina é reconhecida por este mesmo movimento como uma causa global e a operação Tempestade de Al-Aqsa, em outubro passado, se mostrou um divisor de águas neste momento histórico que estamos vivendo. A avalanche revolucionária da resistência palestina proporcionou o ressurgimento do movimento estudantil nos Estados Unidos, na América Latina, na África e no Oriente Médio, e está produzindo transformações locais que podem afetar regimes que se puseram de joelhos diante dos colonizadores sionistas — sobretudo regimes árabes.
Mesmo com as forças policiais orientadas por Washington a reprimir os acampamentos e muitas reitorias impondo enormes sanções aos manifestantes, os estudantes insistem em demonstrar que suas universidades são verdadeiras vitrines da civilização contra a barbárie sionista em Gaza — um genocídio fortemente apoiado pelos Estados Unidos.
As surradas acusações de antissemitismo já não são mais aceitas em todo o mundo, à medida que sua fragilidade política e ideológica foi exposta. Alegações de antissemitismo foram usadas exaustivamente para intimidar os críticos dos crimes de Israel ou para esterilizar a discussão e desviar a atenção dos problemas reais. No entanto, é de amplo conhecimento que os palestinos e os movimentos de solidariedade rechaçam as narrativas com viés religioso ou sectário da luta contra a ocupação, condenando qualquer forma de perseguição ou a negação de direitos, seja contra judeus e árabes, cristãos e muçulmanos — ou qualquer outra pessoa e grupo.
Muitos dos manifestantes nas universidades americanas são judeus. E sabem muito bem que o Estado de Israel é inimigo dos judeus. Judeus no mundo inteiro vivem sob pressão dos sionistas e opressão social e religiosa, por não apoiarem o apartheid e o genocídio em Gaza, perpetrado por um regime colonial, que usa o judaísmo como escudo para crimes de lesa-humanidade.
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A heroica jornada da chamada Tempestade de Al-Aqsa, iniciada em 7 de outubro de 2023, é um dos eventos revolucionários mais importantes desta quadra histórica que hoje vivenciamos. De fato, suas repercussões estão ajudando o mundo a potencialmente se livrar da mancha autoritária de Israel, que contaminou muitas nações, que apoiaram ao longo do tempo os ditames da Casa Branca em benefício do regime sionista.
Neste sentido, o ressurgimento de um movimento estudantil revolucionário e antissionista nos Estados Unidos e em outras regiões do mundo, representa uma benção da abnegada, porém resiliente, resistência popular de Gaza. Se o movimento estudantil americano vai ajudar a mudar o curso da guerra em Gaza é uma questão que a história se encarregará de responder. O fato concreto é que essa rebeldia juvenil representa a ponta de lança dos direitos palestinos e que está mudando efetivamente a realidade nas universidades do mundo.
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