Pela libertação imediata dos reféns palestinos

São mais de 200 dias de genocídio em Gaza e 76 anos de contínua Nakba – a catástrofe palestina, cuja pedra fundamental é a formação do Estado racista e colonial de Israel em 15 de maio de 1948. Mais de 40 mil palestinos assassinados em menos de sete meses – 70% mulheres e crianças. E ainda se tenta culpar a vítima pela brutal opressão imposta a ela.

É o que dá a entender carta firmada por dezenas de países, entre os quais o Brasil, na última semana, a qual pede ao Hamas que liberte os reféns para que haja cessar-fogo, paz e estabilidade. O genocídio, assim, embora reconhecido ao menos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é lamentavelmente justificado pelos signatários. Também não há uma única palavra sobre os prisioneiros políticos palestinos – verdadeiros reféns da ocupação sionista.

Em meio a mais uma negociação que se desenvolve no Cairo, a carta, firmada por Alemanha, Argentina, Áustria, Bulgária, Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Hungria, Polônia, Portugal, Romênia, Reino Unido, Sérvia e Tailândia, além do Brasil, diz textualmente: “Apelamos pela libertação imediata de todos os reféns do Hamas, que se encontram detidos em Gaza há mais de 200 dias. […] Salientamos que o acordo sobre a mesa para a libertação dos reféns permitiria um cessar-fogo imediato e prolongado em Gaza, facilitaria o envio de assistência humanitária adicional necessária a toda a Faixa de Gaza e conduziria ao fim crível das hostilidades. Os habitantes de Gaza poderiam regressar a suas casas e a suas terras, com preparativos prévios para garantir abrigo e provisões humanitárias. […] Reiteramos o nosso apelo ao Hamas para que liberte os reféns e nos deixe pôr fim a esta crise, para que, coletivamente, possamos concentrar os nossos esforços em trazer paz e estabilidade à região.”

O manifesto ignora, porém, que a resistência palestina tem tentado negociar questões absolutamente justas e mínimas desde o início, mas Israel seguiu determinado a buscar sua “solução final”, avalizada por cumplicidade internacional histórica, bilhões de dólares do imperialismo estadunidense e suas armas, bem como das potências europeias.

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Por exemplo, a resistência palestina, que não para de colecionar mártires entre os seus, tem insistido num cessar-fogo permanente, troca de prisioneiros, retorno dos deslocados para o sul e refugiados ao norte de Gaza – aos lugares onde viviam –, e retirada das tropas da ocupação. Israel não só tem discordado repetidamente dessas demandas mínimas como ameaça ampliar a carnificina. Tenta impor mais uma vez a negociação “entre a espada e o pescoço”, parafraseando o revolucionário palestino Ghasan Kanafani, em famosa entrevista à televisão australiana nos anos 1970. A carta, no entanto, isenta o Estado genocida da continuidade do morticínio. Não há nenhuma responsabilização a este.

A situação nos cárceres sionistas

Os reféns palestinos nas mãos da criminosa ocupação sionista, entre os quais crianças e mulheres, são solenemente ignorados. Desde 1948 passaram pelos odiosos cárceres israelenses mais de 800 mil palestinos. Somente no ano da pedra fundamental da Nakba, o Estado sionista jogou em campos de concentração nove mil deles – jovens palestinos que tentavam resistir à limpeza étnica. As torturas sempre foram praxe.

Antes do início de outubro de 2023, havia 5.200 presos políticos palestinos, entre os quais crianças, mulheres, idosos e doentes terminais. Este número praticamente dobrou desde então, e a brutalidade se ampliou exponencialmente. Há desaparecimentos, mutilações e mortes nos cárceres, testemunhos de estupros e ameaças de abuso sexual. Tudo documentado e bem relatado. Reféns palestinos – homens, mulheres e crianças – têm sido arrancados de suas casas em Gaza violentamente e os que voltam, como um menino de 12 anos de idade, uma jovem ou um homem sem uma das pernas, trazem na pele e na mente dores inenarráveis da experiência humilhante e traumática da tortura. Os próprios sionistas têm cuidado de produzir as evidências da barbárie. Contudo, não mereceram, até o momento, uma carta por parte dos mesmos países que assinam o indigesto manifesto.

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Está, inclusive, entre os presos palestinos o brasileiro-palestino Islam Hamed, um dos reféns de Israel. Há pelo menos nove anos a família tem escrito cartas e feito gestões junto a Brasília denunciando sua situação e pedindo sua repatriação. Islam Hamed, que desde os 17 anos tem sua vida entrecortada pelas prisões da ocupação e torturas, permaneceu, inclusive, desaparecido por meses após o início de outubro de 2023, sem que família e mesmo advogado conseguissem notícia.

Nesta quarta

O último 17 de abril marcou o Dia dos Presos Políticos Palestinos. Como parte dessa jornada por libertação, nesta terça-feira, 30 de abril, o tema estará em pauta no Auditório Nicolau Sevcenko da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), a partir das 18 horas. O evento contará com lançamento dos livros “Na sombra do Holocausto: Genocídio em Gaza”, coletânea que inclui relatório da Associação de Apoio aos Presos Palestinos (Addameer) sobre violações aos direitos humanos nas prisões israelenses após o 7 de outubro, e “Síria depois do levante”, de Joseph Daher.

A atividade traz um chamado da sociedade civil palestina, encabeçada pelos coletivos Addameer e Samidoun – Rede de Solidariedade aos Presos Palestinos, convocando os movimentos negro, estudantil e indígena a redobrarem a luta pela libertação de todos os reféns palestinos. Como parte dessa luta por justiça, vale o repúdio à malfadada carta e exigência de repatriação imediata de Islam Hamed.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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