A Flotilha da Liberdade organizada pela fundação turca IHH Humanitarian Relief Foundation, composta por três navios – embora os ativistas esperem que o número aumente – está tentando partir do porto turco de Tuzla, perto de Istambul, há quase duas semanas, para levar à Faixa de Gaza mais de 5 mil toneladas de mantimentos. O que tem impedido a partida das embarcações é o fato delas não possuírem mais uma bandeira para navegar em águas internacionais (segundo as leis internacionais relativas ao Direito do Mar, é necessário, para navegar em águas internacionais, que toda a embarcação esteja vinculada a bandeira de algum Estado). Até recentemente, a Guiné-Bissau tinha cedido a sua bandeira para que a Flotilha da Liberdade pudesse navegar em direção à Palestina. Porém, após pressões do regime sionista a Guiné-Bissau revogou o direito da Flotilha da Liberdade de usar a sua bandeira, impedindo assim, a chegada de ajuda humanitária a Gaza.
A coligação que dirige a Flotilha afirmou que “sem uma bandeira não podemos navegar. Mas isto não é o fim. Israel não pode e não vai esmagar a nossa determinação de romper o seu cerco ilegal e chegar ao povo de Gaza. O povo de Gaza e de toda a Palestina permanece firme sob as condições mais horríveis e inimagináveis. Retiramos força da sua incrível e inexplicável capacidade de manter a sua humanidade, dignidade e esperança quando o mundo não lhes deu qualquer razão para o fazer“.
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Em 2010, uma iniciativa similar a essa, que visava também furar o bloqueio a Gaza, o exército israelense fez um ataque à Flotilha – ainda em águas internacionais, configurando-se um crime de guerra – o que levou a morte de cidadãos da Turquia, Grécia, Estados Unidos, Espanha, França, Alemanha, Suécia, Dinamarca, Brasil e Catar, entre outros países. Também estavam a bordo Hilarion Capucci, arcebispo melquita emérito, Mairead Corrigan Maguire, Prêmio Nobel da Paz de 1976, dois políticos europeus, o escritor sueco Henning Mankell e Hedy Epstein, sobrevivente do Holocausto, de 85 anos de idade.
Assim, muito se tem questionado sobre a efetividade das normas internacionais de Direito Humano e, sobretudo, de Direito Humanitário, haja visto que tem se estabelecido, claramente, um duplo padrão para a pressão da sociedade internacional para o cumprimento dessas normativas, bem como a aplicação de sanções para Estados infratores. Enquanto não se resolvem as questões legais relativas à permissão de navegação dessas embarcações, o povo de Gaza continua e continuará morrendo devido a inação dos Estados em viabilizar a rápida entrada de ajuda humanitária na região. Com isso, passa-se a questionar qual é a utilidade do Direito Internacional Humanitário.
O surgimento do Direito Humanitário está diretamente ligado aos horrores verificados nas guerras pelo suíço Henry Dunant, um filantropo. É analisado que, nas suas origens, as guerras eram caracterizadas pela ausência de regras, o que consequentemente gerava diversas atrocidades e violações aos direitos básicos dos indivíduos (que no momento não existiam), as quais os vencedores escravizavam os vencidos. Essa percepção levou, no seio europeu, à convenção de normas para regular a guerra, estabelecendo ao menos 7 princípios.
- Pessoas que estejam fora de combate ou que não desejam participar diretamente nas hostilidades devem ter suas vidas, integridade moral e física preservadas. Sob todas as circunstâncias devem ser protegidas e tratadas de maneira humana sem distinção.
- É proibido matar ou ferir um inimigo que se renda ou esteja fora de combate.
- Os feridos ou doentes devem ser acolhidos e tratados pela parte do conflito que os tiver sob seu poder. A proteção também vale para as equipes médicas. Os símbolos da Cruz Vermelha devem ser respeitados como símbolos de proteção.
- Combatentes capturados e civis sob a autoridade de uma parte adversa devem ter suas vidas, dignidade, direitos e convicções respeitados. Eles têm o direito de corresponder com suas famílias.
- Todos devem ser beneficiados por garantias judiciais fundamentais. Ninguém deve ser culpado por um ato que não cometeu. Ninguém deve ser torturado fisicamente ou mentalmente ou receber tratamento degradante.
- As partes em conflito não podem se utilizar de meios ou armamento que provoque perdas desnecessárias ou sofrimento em demasia. As partes em conflito devem distinguir civis e combatentes de modo a poupar a população e as propriedades.
- A população civil não pode ser alvo de ataques, estes devem ser direcionados unicamente a alvos militares.
Resta claro que Israel, desde o fatídico 7 de outubro de 2023, tem violado recorrentemente essas normas. Porém, por ser aliado das potências ocidentais, Israel tem se permitido passar ao largo de qualquer norma de Direito Humanitário e de Direitos Humanos a fim de cumprir o seu desejo de extermínio da população palestina em Gaza ou a sua remoção. Essa permissão das potências ocidentais revela a fragilidade do discurso encampado por eles em defesa dos Direitos Humanos e do Direito Humanitário. O apoio quase que inconteste do establishment inglês, francês, estadunidense e alemão à Israel e seu pretenso legítimo a autodefesa e apoio armamentício incorre, sem dúvidas, em diversas violações de normas internacionais que podem levar as lideranças políticas a sentarem no banco dos réus diante da Tribunal Penal Internacional.
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