A Nakba — em árabe, catástrofe — desmantelou e fragmentou a terra e sociedade da Palestina histórica 76 anos atrás, em 15 de maio de 1948, através da destruição de 500 cidades e aldeias, o exílio forçado de metade da população nativa, a perda de proeminentes indústrias nacionais e a erradicação de importantíssimas tradições culturais e sociais que uniam palestinos de diversas raízes e crenças.
Para jamais se esquecer da Nakba e denunciar as atrocidades que sucederam desde então, o ato de preservar a história e a memória coletiva do povo palestino serve de exemplo de resiliência e dignidade, ao dar forma a toda a região apesar das ramificações do colonialismo britânico, cujo retrato atual é o regime militar sionista.
Ao honrar o legado do povo palestino, este ensaio ilustrado examina parte do que se perdeu no país, a começar pelos pomares de Bir Salem, uma das muitas aldeias históricas responsáveis por cultivar a célebre laranja de Jaffa, situada no subdistrito de Ramle, desenvolvida por camponeses palestinos em meados do século XIX.
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A indústria de frutos cítricos na Palestina histórica era um de seus carros-chefes. As laranjas de Jaffa dominavam os mercados globais, sendo a principal exportação palestina no ano de 1900. Três décadas depois, a indústria de produtos cítricos já representava 77% das exportações da Palestina.

Laranjais de Jaffah, na Palestina histórica, entre o fim do século XIX e início do século XX [Biblioteca do Congresso/Reprodução]
Os laranjais de Bir Salem foram destruídos. A aldeia, que abrigava 400 famílias e cores vibrantes, tornou-se um colonato cinzento logo em junho de 1948, rebatizado de Netzer Sereni, a fim de apagar a existência pregressa de uma população nativa. No lugar dos pomares, foi erguido uma estátua memorial do Holocausto, genocídio executado na Europa, a milhares de quilômetros de distância, instrumentalizado desde então pela ideologia colonial sionista.

Memorial do Holocausto em Bir Salem (Netzer Sereni), na Palestina [Wikimedia/Reprodução]

Mulheres separam tabaco na cidade de Nazaré, na Palestina histórica, em meados de 1940 [Biblioteca do Congresso/Reprodução]

Cidade de Haifa, na Palestina, em 1930 [Wikimedia/Reprodução]
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Uma das muitas aldeias ancestrais da Palestina era Cesareia (Qisarya), antiga capital da Palestina romana e bizantina marcada por uma economia pesqueira. Qisarya, versão árabe do topônimo latino, serviu ainda como centro intelectual da região mediterrânea. A cidade milenar tinha uma longa história que remetia desde a era de Herodes à conquista mameluca, em 1265. Na história mais recente, se tornou aldeia de imigrantes de todo o mundo islâmico, em particular durante o Império Otomano.

Aldeia de Cesareia (Qisarya), na Palestina, em 1938 [Biblioteca do Congresso/Reprodução]

Mesquita bósnia de Cesareia (Qisarya), na Palestina, em 5 de outubro de 2014 [Wikimedia/Reprodução]

Festival de Nabi Rubin, na aldeia homônima, na Palestina histórica, entre 1920 e 1933 [Biblioteca do Congresso/Reprodução]
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Sua última edição ocorreu em 1946. Após dois anos de investida violenta das gangues coloniais sionistas, que deram corpo ao exército de Israel, a aldeia de Nabi Rubin e suas terras adjacentes foram enfim capturadas e expropriadas pela milícia Haganah, dando fim — ao menos até então — a uma longa tradição cultural que conectava os palestinos uns com os outros por séculos e séculos. Hoje, um pouco mais a oeste, a região abriga o assentamento de Gan Soreq. Do festival e sua agitada vida cultural, sobrevivem as ruínas e a resiliente memória.

Santuário de Nabi Rubin, na Palestina histórica, em 2021 [Wikimedia/Reprodução]