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Massacres paramilitares em Darfur são ‘possivelmente genocídio’, alerta HRW

Indícios apontam que as Forças de Suporte Rápido e aliados, há um ano em guerra com o exército regular, mataram milhares e deslocaram centenas de milhares em el-Geneina
Protesto em solidariedade às vítimas do massacre de el-Geneina, em Darfur Ocidental, no Sudão, realizado em Paris, na França, 12 de agosto de 2023 [Adnan Farzat/NurPhoto via Getty Images]

Os ataques conduzidos por forças paramilitares sudanesas em Darfur Ocidental, contra o povo massalite e outras comunidades não-árabes, compreendem limpeza étnica e possível genocídio, reportou em 7 de maio a organização Human Rights Watch (HRW).

As Forças de Suporte Rápido (FSR) e milícias aliadas são acusadas de executar milhares de pessoas e deslocar centenas de milhares durante os massacres em el-Geneina, capital do estado de Darfur Ocidental, entre abril e novembro de 2023.

Em seu relatório, o HRW registrou ataques “implacáveis” dos grupos paramilitares a áreas predominantemente massalites, de abril a junho. Segundo o alerta, agressores cometeram outros abusos hediondos, como saque, tortura e estupro.

O Human Rights Watch relata que os ataques ao povo massalite e outras populações não-árabes, com o intuito de — na melhor das hipóteses — deslocá-las permanentemente da região, constituem limpeza étnica. As atrocidades, segue a denúncia, caso cometidas com intuito de destruir, em parte ou no todo, as comunidades massalites em Darfur Ocidental, indicam ainda um genocídio em curso.

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Em um massacre de 15 de junho, segundo o relatório, as forças paramilitares abriram fogo contra um comboio de civis que tentava fugir da cidade, sob escolta de combatentes locais de etnia massalite.

As Forças de Suporte Rápido e suas milícias acossaram, sitiaram e atiraram contra homens, mulheres e crianças que fugiam correndo pelas ruas ou tentavam nadar contra as correntezas do rio Kajja. Muitos se afogaram. Idosos e feridos não foram poupados.

O relatório cita o testemunho de um adolescente de 17 anos que narra o assassinato de 12 crianças e cinco adultos de diferentes famílias.

Dois soldados [das Forças de Suporte Rápido] … tiraram as crianças de seus pais. Quando seus pais começaram a gritar, outros dois soldados os mataram a tiros. Em seguida, juntaram as crianças e fuzilaram elas. Atiraram seus corpos no rio. Depois, fizeram o mesmo com seus pertences.

Um líder local massalite conversou com o Middle East Eye de um campo de refugiados no Chade, país vizinho que recebe a maior parte dos refugiados da guerra em curso. Segundo seu relato, as atrocidades em Darfur Ocidental são ainda mais brutais, tanto em espécie, quanto em escala, do que aquelas cometidas em Darfur entre 2004 e 2005.

Crianças sudanesas em uma escola improvisada para deslocados internos nos subúrbios de el-Geneina, no estado de Darfur Ocidental, no Sudão, perto da fronteira com o Chade, em 27 de outubro de 2004 [Cris Bouroncle/AFP via Getty Images]

“Há bastante evidência de que o que aconteceu ali foi um genocídio intencional com base na cor de nossa pele e nossa etnia como massalites”, reportou a testemunha. “Isso inclui a forma que fomos mortos, que os corpos foram violados, tortura, assassinatos de crianças, agressões verbais e outras coisas”.

Contactados pelo Middle East Eye, três membros sênior das Forças de Suporte Rápido se recusaram a comentar os relatos.

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O HRW identificou o chefe do grupo paramilitar, general Mohamed Hamdan Dagalo, mais conhecido como Hemeti, seu irmão, Abdel Raheem Hamdan Dagalo, e o comandante de Darfur Ocidental, Jomaa Barakallah, como os indivíduos com responsabilidade e comando sobre as milícias que executaram os crimes, junto do líder da organização armada Tamazuj e outros dois líderes tribais.

O relatório instou a Organização das Nações Unidas (ONU) e a União Africana a enviarem uma nova missão destinada a proteger os civis vulneráveis no Sudão. Também reivindicou do Conselho de Segurança da ONU que estabeleça sanções a todos os suspeitos, incluindo indivíduos e companhias que tenham violado o embargo de armas sobre Darfur, em vigor desde 2004. Para a organização de direitos humanos, o embargo deve se estender a todo o país.

As Forças de Suporte Rápido e as Forças Armadas do Sudão — antigos parceiros no regime militar — travam batalhas sangrentas desde 15 de abril de 2023. As hostilidades tiveram início em meio a esforços do exército regular para integrar as tropas paramilitares a seu contingente. Somente em el-Geneina, foram mortas entre dez e 15 mil pessoas até então, segundo especialistas da ONU.

Em junho e novembro, o Middle East Eye reportou assassinatos em massa realizados pelas Forças de Suporte Rápido e milícias árabes contra membros da comunidade massalite, de pele negra, nas cidades de el-Geneina e el-Fasher.

Uma investigação do Centro Raoul Wallenberg, que citou os registros do Middle East Eye, concluiu em março deste ano que há “evidências claras e convincentes” de que a coalizão paramilitar “tem cometido e ainda comete genocídio contra os massalites”.

Desastre em el-Fasher

As Forças de Suporte Rápido capturaram todas as áreas de Darfur exceto el-Fasher, capital de Darfur do Norte, atualmente sitiada, embora ainda sob controle do exército sudanês. Estima-se um milhão de civis cercados na cidade, sob risco de um iminente massacre.

“Ao passo que o Conselho de Segurança da ONU e governos internacionais acordam para o desastre iminente em el-Fasher, as atrocidades de larga escala em el-Geneina precisam ser vistas como uma trágica lembrança do que pode acontecer na falta de ações”, comentou Tirana Hassan, diretora executiva do Human Rights Watch. “Os governos, a União Africana e as Nações Unidas precisam agir imediatamente para proteger os civis”.

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O Tribunal Penal Internacional (TPI), sediado em Haia, está investigando os incidentes em Darfur Ocidental. O HRW pediu aos Estados-membros que apoiem o processo.

O líder massalite no Chade, em condição de anonimato, declarou-se desolado pela “inação da comunidade internacional” sobre as violações no Sudão.

Jamal Abdullah Khamis, ativista de direitos humanos, pediu a jornalistas e colegas ativistas que continuem a documentar os abusos para trazer à luz o caso em Darfur. “Temos de ver os assassinos atrás das grades para dar os primeiros passos a uma paz verdadeira”.

Hemeti e o general Abdel Fattah al-Burhan, que comanda o exército, eram aliados. Ainda em 2019, ajudaram a destituir o longevo ditador Omar al-Bashir, em meio a manifestações populares. Dois anos depois, conduziram um novo golpe militar contra o governo interino civil-militar, descarrilando o processo de transição à democracia.

O conflito em curso deslocou ao menos 10.7 milhões de pessoas, segundo o Conselho de Refugiados da Noruega, segundo maior número neste século, depois apenas da guerra na Síria. Em torno de 1.7 milhão de pessoas estão nos países vizinhos, em particular, Chade e Egito. Segundo o HRW, mais de meio milhão de Darfur Ocidental — a maioria da cidade de el-Geneina — fugiu ao Chade desde abril.

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O Centro Raoul Wallengerg disse em seu relatório que o Sudão, Emirados Árabes Unidos, Líbia, Chade, República Centro-Africana e Rússia — via ações dos mercenários do chamado Grupo Wagner — são “cúmplices do genocídio”.

O Middle East Eye registrou uma rede de canais de fornecimento de armas e outros bens dos Emirados Árabes Unidos aos grupos paramilitares, via entidades e governos aliados na Líbia, no Chade e na República Centro-Africana.

Este artigo foi publicado originalmente em inglês em 9 de maio de 2024 pela rede Middle East Eye.

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