Não haverá voos para deportação de refugiados e requerentes de asilo a Ruanda até as eleições no Reino Unido de 4 de julho, confirmou nesta quinta-feira (23) o primeiro-ministro Rishi Sunak, no primeiro dia de sua campanha eleitoral, segundo informações da rede Al Jazeera.
A declaração dá ao Partido Trabalhista — oposição ao Tory (Conservador) de Sunak — a chance de engavetar o controverso plano caso consiga vencer as eleições. Pesquisas apontam 20 pontos de vantagem dos trabalhistas britânicos, que prometem abandonar o esquema.
Em comício, Sunak reiterou a questão como central à corrida eleitoral. Em abril, havia afirmado que os voos começariam dentro de dez a 12 semanas. No início de maio, seu governo deu início a uma campanha massiva de prisão contra supostos candidatos à deportação.
“Sim, começamos a deter as pessoas … os voos estão agendados para julho, os aeroportos estão postos à espera, escoltas estão prontas, assistentes sociais estão sacudindo tudo, tudo isso está acontecendo. E, se eu for reeleito, esses voos vão para Ruanda”, declarou Sunak.
O plano de deportação é um carro-chefe de seu governo desde a posse em outubro de 2022. O premiê insistiu na proposta mesmo após a Suprema Corte rejeitá-lo como inconstitucional, em novembro, ao descartar Ruanda como um país terceiro designado seguro.
Em resposta, Sunak assinou um novo tratado com o Estado leste-africano e aprovou uma nova legislação, em junho, para contornar a decisão. A tramitação, porém, pode ainda ser contestada nos tribunais britânicos.
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Keir Starmer, do Partido Trabalhista — alvo de ceticismo progressista por seu apoio à guerra em Gaza — prometeu neste mês engavetar o plano “imediatamente” ao tomar posse, ao criticar, no entanto, o custo do projeto, estimado em £240 milhões (US$305 milhões) até então.
Em contrapartida, diante do aumento no número de refugiados que realizam a perigosa jornada pelo Canal da Mancha, Starmer propôs um plano à parte para estabelecer uma nova unidade de fronteira e reagir a “forças terroristas” responsáveis pelo tráfico humano.
A retórica de ambos os candidatos parece coincidir com a ascensão do sentimento xenófobo e racista no Reino Unido nas últimas décadas, que incorreu na aprovação do Brexit — sua saída da União Europeia — e na eleição do ultraconservador Boris Johnson.
A questão migratória deve protagonizar debates de campanha, para além de questões práticas, como economia e filas de espera no Serviço Nacional de Saúde (NHS) — instituição análoga ao Sistema Único de Saúde (SUS), no Brasil, precarizada ao longo dos anos.
A decisão do governo para antecipar as eleições surpreendeu alguns correligionários de Sunak, após 14 anos de conturbada hegemonia conservadora, que desiludiu parte do público.
Governistas aparecem atrás nas pesquisas desde que Sunak substituiu a ex-chanceler Liz Truss, após somente 44 dias de governo.
Em um evento em Gillingham, no sudeste da Inglaterra, Starmer retratou a si mesmo como um “candidato da renovação”. Starmer, porém, é um ex-procurador-geral que levou os trabalhistas à centro-direita, após uma guinada à esquerda sob seu antecessor, Jeremy Corbyn.
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Corbyn perdeu o pleito de 2017 contra Theresa May, sob veemente campanha de difamação e desinformação do lobby sionista, devido a seu posicionamento de décadas em favor de direitos civis, incluindo os direitos básicos do povo palestino.
Caso vitorioso, Starmer será o sexto primeiro-ministro do Reino Unido em apenas oito anos.
A deportação a Ruanda não é a única proposta de Sunak que está na corda-bamba. Um projeto de lei para aumentar a idade mínima para a compra de cigarros também deve ser obstruída no parlamento antes de sua dissolução para o pleito na próxima sexta-feira, 30 de maio.
Também nesta quinta, Nigel Farage, garoto-propaganda da campanha do Brexit, confirmou que não será candidato por seu Partido Reformista, com apenas seis anos de história.
Obstáculos
Caso consiga uma reviravolta eleitoral, Sunak ainda enfrentará problemas.
Entidades beneficentes e de direitos humanos prometem combater as deportações e sindicatos que representam trabalhadores de fronteira alertam para protestos, ao denunciar o plano como “ilegal”, à medida que os refugiados têm dias para deixar o país.
Neste mesmo contexto, especialistas das Nações Unidas expressaram apreensão sobre o papel do setor de aviação, incluindo companhias aéreas.
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“Mesmo que o acordo seja ratificado, companhias e reguladores aéreos seriam cúmplices da violação de direitos humanos protegidos internacionalmente”, destacaram os especialistas em nota. Segundo o alerta, trata-se de “violação do direito de viver livre de tortura ou tratamentos cruéis, desumanos e degradantes”.
Os peritos alertaram, portanto, que as empresas podem ser responsabilizadas. “Como parte dos Princípios Diretrizes da ONU sobre Negócios e Direitos Humanos, companhias e reguladores têm de respeitar os direitos humanos”, concluiu a nota.
“Instamos o governo a começar a tratar os refugiados com decência e voltar atrás em seu plano para enviá-los a um futuro incerto em Ruanda”, declarou Lucy Gregg, presidente interina da ong Advocacy at Freedom from Torture, em comunicado emitido em abril.
“Junto dos sobreviventes de tortura e com apoio de milhares de cidadãos solidários em todo o país, estaremos unidos para mostrar às companhias aéreas que não toleraremos que ajam em detrimento da dignidade humana”, acrescentou Gregg.
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